sábado, 5 de novembro de 2011

Sobre a história da ciência luso-brasileira


Na semana passada realizou-se em Coimbra o Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência. Deixo aqui as minhas palavras na sessão de abertura:

Sejam bem-vindos ao Congresso Luso-Brasileiro de História das Ciências. Na sequência de outras iniciativas semelhantes, pretendemos com esta reunião reforçar os estudos de história da ciência e reforçar também o intercâmbio científico e cultural com o grande país irmão. É muito o que une neste domínio e estou em crer que será ainda mais o que nos unirá no final do nosso encontro.

O congresso nasceu a partir de um projecto apoiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia sobre História da Ciência e Tecnologia na Universidade de Coimbra, que a Universidade tem sob a égide do Instituto de Investigação Interdisciplinar. De facto, não se pode falar de ciência em Portugal sem falar de ciência na Universidade de Coimbra. Em 1537, quando o rei D. João III, cuja estátua se ergue no Pátio das escolas, colocou definitivamente a Universidade em Coimbra, um dos maiores cientistas portugueses, o astrónomo e matemático Pedro Nunes, vem para Coimbra ensinar. Foi a época do médico judeu Amato Lusitano, sobre cujo nascimento passam este ano cinco séculos, motivo para a exposição na Biblioteca Joanina sobre “Amato Lusitano e a Renascença Médica”, que visitaremos. No século de Pedro Nunes, estudou em Coimbra o que é talvez maior astrónomo mundial no tempo entre Copérnico e Galileu, o jesuíta alemão Christophorus Clavius, que foi o principal responsável em Roma pela reforma que levou à adopção do calendário gregoriano, que hoje usamos. No século XVIII foi um estudante de Coimbra, o brasileiro Bartolomeu de Gusmão, que conseguiu realizar a primeira ascensão mundial em balão, embora não tripulado. No mesmo século, o marquês de Pombal realizou um verdadeiro "terramoto" intelectual, sobre o qual nos vai falará o nosso ex-Reitor, ao promover em Coimbra o ensino experimental das ciências. Mandou construir o Laboratório Chimico, hoje sede do nosso Museu da Ciência, e reuniu colecções nos Gabinetes de Física Experimental e de História Natural, além de criar um Observatório Astronómico e um Jardim Botânico. Com a ajuda do Reitor-Reformador, que tinha nascido no Rio de Janeiro, contratou mestres estrangeiros e também grandes cientistas nacionais como, só para referir a matemática, Monteiro da Rocha, que estudou no Brasil, e Anastácio da Cunha. Foi estudante de Coimbra o brasileiro Alexandre Ferreira que empreendeu no século XVIII a famosa Viagem Philosophica pela Amazónia. No século XIX, grandes cientistas de Coimbra foram o metalurgista brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva, cujo papel na independência no Brasil é bem conhecido, e o botânico Félix Avelar Brotero, que ampliou o jardim botânico incluindo numerosas espécies tropicais. Outro grande cientista português do século XIX foi o matemático Gomes Teixeira, que estudou em Coimbra e ensinou na Academia Politécnica do Porto antes de se tornar Reitor da Universidade do Porto, criada há cem anos. No início do século XX, o futuro Prémio Nobel da Medicina Egas Moniz começou por estudar e ensinar em Coimbra antes de se transferir, também há cem anos, para a Universidade de Lisboa, então criada. Este Congresso decorre no âmbito do programa de comemorações do Centenário da República organizado pela Universidade de Coimbra em 2010 e 2011, que realçou o facto de este ano ser o centenário da criação da Faculdade de Letras de Coimbra e da Faculdade de Ciências de Coimbra a partir das anteriores Faculdades de Filosofia e de Matemática, na mesma altura em que a República criava as Universidades de Lisboa e Porto.

A ciência e a técnica no tempo dos Descobrimentos, o conhecimento científico nos séculos XVI e XVII, o ensino das ciências pelos Jesuítas, as ciências no Iluminismo, o desenvolvimento científico nos séculos XIX e XX, as fontes de história da ciência e a filosofia e a teoria da ciência são alguns dos temas a discutir neste encontro. De todos esses temas haverá comunicações, cerca de duas centenas, que se encontram no Livro das Actas (que estará em breve on-line, os resumos estão já on-line no Livro dos Resumos). Foi privilegiada por muitos autores a História da Ciência relacionada com a Universidade de Coimbra, bem como as ancestrais e ricas relações luso-brasileiras. Queria agradecer-vos as contribuições, muito em particular às personalidades da história da ciência que, por indicação da Comissão Científica, aceitaram o convite para proferir conferências plenárias: António Augusto Passos Videira (Rio de Janeiro), Augusto Fitas (Évora), Fernando Catroga (Coimbra), Fernando Seabra Santos (Coimbra), Henrique Leitão (Lisboa), Jaime Benchimol (Fundação Oswaldo Cruz), João Lobo Antunes (Lisboa), Marina Massimi (São Paulo), Robert Friedman (Oslo) e Robert Halleux (Liège) e Ugo Baldini (Padova), que muito nos honram com a sua opresença. E um obrigado a todos os que contribuíram para a Organização, incluindovários sectores e serviços da Universidade de Coimbra e a Câmara Municipal.

Como disse, a história da ciência em Portugal, em particular a que se passou em Coimbra, cruzou-se fecundamente com a história da ciência no Brasil. As viagens sempre foram ocasiões de enriquecimento científico e cultural. José Bonifácio, numa sessão da Academia de Ciências de Lisboa, interrogava-se "se porventura podem os usos caseiros e a lição dos livros excitar com a mesma força os nossos sentidos e engravidarmo-nos a mente, como faz a intuição de mil objectos novos", respondendo ele próprio, convictamente, que "não, por certo, senhores. A alma do viajante observador dilata-se, extasia-se a cada passo que dá pelo universo. Outras leis, outros costumes, outros céus, outras línguas, outra indústrias e produções excitam de contínuo a sua atenção e fecundam-lhe o espírito com mil ideias, novas e atrevidas". É o espírito de José Bonifácio que hoje invoco para guiar este congresso internacional. Que os nossos espíritos sejam fecundados com mil ideias, novas e atrevidas. Desejo-vos bons trabalhos no Congresso e óptima estada na Universidade e na cidade de Coimbra.

2 comentários:

Marigia Tertuliano disse...

Prezados Senhores,

Sou doutoranda da PUC/SP e com muita honra participei do Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência apresentando trabalho.

Agradeço aos professores coordenadores a presteza com que nos receberam e a Universidade de Coimbra à realização de um evento de alto nível.

Parabenizo toda equipe Luso-Brasileira, dentre os quais destaco a Prof.ª Dra. Ana Alfonso-Goldfarb - PUC/SP e o Prof. Dr. Décio Ruivo Martins - Universidade de Coimbra, pela maneira como estão levando à discussão esse campo tão vasto da ciência.

Participar do Congresso foi maravilhoso, assim como vivenciar o dia-a-dia acadêmico de uma Universidade tão respeitada.
Parabéns a todos.
Marígia Tertuliano - Doutoranda PUC/SP
Brasil

Cláudia S. Tomazi disse...

Apenas gostaria de lembrar que a fomentação científica portuguesa é uma das mais extensas da Europa no sentido de longevidade. Pois fora o país que oferecera liberdade e credibilidade a causa dos experimentos entre estímulo e possibilidade, para que a inovação das idéias percorresse quantos centros e que ao longo da história do povo lusitano é evidente como complemento da motivação que perfazia itinerários segundo o costume de pesquisas do tempo depois de Cristo. E é evidente a força deste conhecimento pela capacidade dos registros que os contemporâneos e ouso dizer não somente de séqüitos, mas, até rivais e que de vossa tradição na virtude do saber, sendo por máxima expressão aplicada em estudos, tivera em amparo o empenho da energia criativa como força atuante cujo rescaldo de vosso empreendimento fora de inclinação disseminada ao mundo como exemplo. Pois desta feita quanto soma de trajeto cursivo em que pulsava e impulsionava o anseio de outros povos mirando a nobre causa, e se fora esta uma causa justa, então que seja sempre lúcido vosso amparo pelo conhecimento e que do retrato deste povo seja valorosa a obra, como o encontro luso-brasileiro.

TODA A GLÓRIA É EFÉMERA

Quando os generais romanos ganhavam uma guerra dura e bem combatida, davam-lhes um cortejo e rumavam ao centro de uma Roma agradecida. ...