quinta-feira, 24 de novembro de 2011
O ESTÁDIO A QUE O PAÍS CHEGOU
Minha crónica que saiu hoje na revista "C" (na imagem o estádio municipal de Leiria):
Muita gente se lamenta do estado de quase bancarrota em que nos encontramos. Mas há responsáveis que se passeiam impunemente por aí. Alguns deles são, decerto, os decisores políticos, a nível tanto nacional como regional, que acharam uma boa ideia há cerca de dez anos construir ou reconstruir dez novos estádios para o Euro 2004 de Norte a Sul do país. Pertenço ao pequeno grupo daqueles que, na altura, acharam que essa era uma ideia delirante. Hoje esse grupo alargou consideravelmente pois o delírio custou-nos caro, muito caro.
Só no Centro do país construíram-se três estádios que foram caríssimos e hoje estão quase vazios. Em Aveiro, o estádio do arquitecto Tomás Taveira é o quinto recinto desportivo nacional com maior capacidade (pode albergar 32 000 espectadores), só perdendo para os estádios da Luz, do Dragão, de Alvalade e Estádio Nacional. É a casa do Beira-Mar, mas quase ninguém lá vai assistir aos jogos. Dados os custos insustentáveis, já foi sugerido por líderes locais que se implodisse para construir um estádio menor. Em Coimbra, o estádio chamado “Cidade de Coimbra”, da autoria do arquitecto António Monteiro, é um gigantesco OVNI (leva 30 000 pessoas), numa zona da cidade que merecia melhor. O campo pertence à Câmara Municipal de Coimbra que, por causa da dívida exigida pela obra, ficou sem dinheiro para mandar tocar um cego. No último jogo da Taça de Portugal aí realizado, no qual a Associação Académica de Coimbra venceu o Futebol Clube do Porto não estiveram mais do que dois mil espectadores. O Presidente da Académica já sugeriu a destruição do estádio e a construção de um outro menor. Mas, pasme-se!, existe um outro estádio, muito perto da cidade, o “Sérgio Conceição” (ostenta o nome de um jogador que ficou conhecido pela sua indisciplina), que pertence também à Câmara... Finalmente, em Leiria, há o terceiro grande estádio municipal da região Centro (leva 30 000 pessoas), da autoria de Tomás Taveira tal como o de Aveiro. O estádio de Leiria deixou de ser o cenário dos jogos da equipa local, a União de Leiria, em virtude do reduzido número de espectadores e das despesas incomportáveis de manutenção. A equipa de hóquei em patins de Turquel, uma freguesia do distrito de Leiria, gaba-se de ter jogos que são vistos por 1400 espectadores, mais do que as pessoas que vão ver muitos jogos de futebol do União de Leiria, que hoje joga na Marinha Grande. Perante o descalabro financeiro, a Câmara de Leiria não teve outro remédio senão colocar o seu estádio em hasta pública por 63 milhões de euros. Não houve, no mês passado, quem ocorresse ao leilão.
No resto do país a situação não é muito diferente. No Norte, o Boavista tem um estádio que é usado pela sua equipa que milita no terceiro escalão do futebol nacional. No Sul, o Estádio do Algarve é um outro grande monumento à estupidez humana, pois tem permanecido ainda mais desocupado do que os seus congéneres.
Tudo isto era previsível e podia ter sido evitado. Não o foi foi porque havia na época uma enorme loucura colectiva. Os políticos moviam influências e a banca emprestava dinheiro com uma facilidade que hoje nos espanta. Ainda ninguém fez acto público de contrição Os nossos estádios estão aí vazios tal como os nossos cofres.
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4 comentários:
Prof. Fiolhais:
Infelizmente, para nós, muitos dos responsáveis por esta pouca vergonha passeiam-se impunemente e debitam opinião nas televisões, cujos responsáveis deviam ter vergonha de os convidar.
Há até um famoso 2.º pai das SCUT (o original é o nosso representante máximo), mas que acabou por ser o que mais construiu no tempo de ministro das Obras Públicas, que se arvora em moralizador contra a corrupção.
Como se a corrupção não nidificasse com tanto êxito no ninho das SCUT.
É devido a elites dirigentes como estas e a uma mentalidade saloia e uma grande falta de cultura e de intervenção cívicas das pessoas em geral que estamos assim.
Ao contrário do que é voz comum, a culpa está longe de pertencer só aos dirigentes que nos (des)governaram, é também nossa, que ungimos de 4 em 4 anos esta gente com o voto para nos tramarem a vida e destruírem o país.
O Boavista está na 3ª divisão em grande parte porque assumiu praticamente sozinho a construção do seu novo estádio...
Para além do Estádios, foram construídos vários centros de estágio para albergar a "adaptação" das equipas para o Euro que ninguém fala. Outra "febre" de obras que as autarquias resolveram fazer...
Mas para além dos estádios e não saindo da área desportiva e de laze, há dezenas de casos na mesma linha orientadora: pavilhões multisusos, centro de artes e espectáculos, disseminação de piscimas e de pavilhões desportivos, etc.
Prof. Fiolhais:
Volto à carga depois do 2.º comentário, supostamente feito por uma pessoa esclarecida, ao contrário da maioria dos portugueses, como o próprio diz:
«Certo, tudo isto era previsível e podia ter sido evitado. Mas, na minha opinião, não o foi porque os Portugueses são, na sua larga maioria, completos ignorantes que votaram 2 vezes seguidas (DUAS VEZES!) noutro ignorante que levou o país à bancarrota.»
Quanto à adjectivação contra aquela espécie de Ingenheiro e aos malefícios que nos trouxe, estamos de acordo. Já quanto a atribuir-lhe 100% da responsabilidade, aí, ou se faz isso por ignorância ou por cegueira ideológica.
O Banco Mundial tem, acessível na Net, a série da evolução da economia portuguesa de 1973 a 2009, em que se pode verificar que, excepto em dois curtos períodos (Cavaquismo - baixa acentuada do preço do petróleo e entrada de fundos da EU; Guterrismo - baixa acentuada das taxas de juro via entrada no Euro), temos vindo sempre a perde «músculo». Por outro lado, os efeitos na economia (com perda de produtividade e de competitividade) provocados pela entrada no Euro manifestaram-se acentuadamente apenas alguns anos depois, daí que tenhamos tido no século XXI a década mais desgraçada para o crescimento desde há 100 anos. Também houve quem avisasse para isso ainda desde antes da entrada, está escrito em livro e o autor bem vivo.
Em 2005, quando o tal sujeitinho pegou nisto, o défice já ia em mais de 6% e a crise internacional desencadeada pelo subprime e pela falência do Lehman Brothers ainda não tinha estalado.
É evidente que a nossa situação resulta do efeito conjugado do despesismo e da falta de produção.
É evidente que as asneiras das PPP, SCUT, Estádios de Euro, novi-riquismo central, regional e local foram fatais.
É evidente que o Ingenheiro deu o seu contributo estimável.
Mas atirar chumbo só a um lado do alvo mostra estrabismo do caçador ou pura ignorância.
Um gastador imoderado pode não ir à falência se tiver proventos iguais ou superiores aos gastos, assim como um poupadinho sovina pode ir à falência se tiver proventos inferiores aos seus escassos gastos.
Nós juntámos o pior dos dois.
Algo semelhante pode acontecer no Brasil, com a euforia da Copa do Mundo e das Olímpiadas.
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