quinta-feira, 17 de novembro de 2011
Prefácio a "Casamentos e outros desencontros" de Jorge Buescu
Em primeiríssima mão, o meu prefácio a "Casamentos e outros Desencontros", de Jorge Buescu, que acaba de ser publicado:
Em 5 de Setembro de 1984 fui orador convidado no 2.º Encontro Juvenil de Ciência, organizado pela Associação Juvenil de Ciência na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Tinha, nas vésperas do Natal de 1982, regressado da Alemanha, com um doutoramento na bagagem e foi uma das minhas primeiras palestras de divulgação científica. O 1.º Encontro tinha sido em 1983 em Lisboa e a série haveria de continuar com grande sucesso até hoje, sob a égide da Associação Juvenil de Ciência, constituída quatro anos depois do primeiro encontro.
Quem me tinha convidado? Quem me apresentou ao jovem público, julgo que na altura sem me conhecer de lado nenhum, no Encontro do Porto? Foi um rapazinho que na altura prometia. Ele tinha, então, vinte anos, frequentava o Curso de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e dedicava-se com visível entusiasmo a várias actividades de divulgação científica, incluindo, além do associativismo juvenil, a redacção de um jornal de estudantes de Física (deu-me um exemplar que ainda guardo).
Chamava-se Jorge Buescu. Em 2003, quando os papéis se inverteram e eu tive de o apresentar numa palestra para jovens na Universidade de Coimbra, no quadro do programa Despertar para a Ciência (a ideia tinha sido do Prof. Ramôa Ribeiro, que partiu há pouco da nossa companhia e de quem temos imensas saudades), contei em público a história do nosso primeiro encontro e disse que era para mim um privilégio ser eu agora a convidá-lo e a apresentá-lo, saldando, portanto, as nossas contas. Quando ele pegou no microfone e ligou o projector, fiquei na primeira fila da plateia, a desfrutar da maneira bem-humorada, mas, apesar disso, lógica, sistemática e exigente, com que ele prendia a atenção das mentes juvenis em problemas matemáticos que seriam intrincados se não fosse ele o orador. Ainda me lembro do tema – a frequência dos algarismos numa lista telefónica e a sua aplicação às declarações do IRS – embora já tenha esquecido todas as outras palestras a que assisti nesse ano.
O Professor Jorge Buescu é o autor deste livro. O jovem estudante era uma promessa que se tem cumprido ao longo dos anos e que se agora se cumpre de novo. Ele não é apenas muito bom a contar histórias de matemática para uma audiência escolar, também consegue pô-las escorreitas por escrito de modo a alargar o número dos seus alunos. Na comunicação oral e na comunicação escrita ele sabe, como poucos, combinar a informalidade e a formalidade. Parece, por vezes, que está em roda livre, mas a roda está bem presa: ele é um matemático que nunca se esquece do rigor que caracteriza a sua disciplina (na busca da perfeição, o Jorge derivou, na sua carreira, da Física para a Matemática...). Quem se encantou a ler O Mistério do Bilhete de Identidade e outras Histórias (2001), que conheceu várias edições, Da Falsificação dos Euros aos Pequenos Mundos (2003) e O Fim do Mundo Está Próximo? (2007), todos eles títulos da rica colecção Ciência Aberta da Gradiva, tem agora nas suas mãos Casamentos e outros Desencontros. Adivinho que as leitoras e os leitores se interessaram por este título não apenas pela sua originalidade (é o melhor, até agora, dos títulos do Jorge!), mas também pelo facto de conhecerem o peculiar estilo do autor e estarem ansiosos por o reencontrarem a vestir novos conteúdos matemáticos. Pois fiquem a saber desde já que as vossas expectativas não vão ser defraudadas. O Jorge continua o mesmo: sempre ávido de absorver a melhor matemática que se fez ou se faz pelo mundo fora, sempre eficaz a comunicá-la a toda a gente de uma maneira inimitável.
Este livro é do melhor Buescu, até porque a sua pena se foi apurando com o exercício mensal nas colunas da revista Ingenium da Ordem dos Engenheiros. Está amplamente demonstrado que foi uma grande ideia a do bastonário que o convidou. Dá até vontade de ser engenheiro só para poder receber, pontualmente, a revista e, com ela, as aguardadas “crónicas das fronteiras da Matemática”. Quem não for engenheiro terá de se contentar com as prosas matemáticas em formato de livro com o inconveniente do atraso, embora com a vantagem da sua reunião num só volume.
A Matemática tem fama de mulher difícil. Mas ela não tem maneira de resistir ao Jorge Buescu, que no-la apresenta tal como ela verdadeiramente é e não como muitos supõem que ela seja. Ficamos todos a achá-la irresistível. A leitora ou leitor poderá seguir a ordem que quiser, que encontrará sempre, nos vários capítulos, a Matemática sob um ângulo provocante e atraente. Se seguir a ordem proposta pelo autor, ficará, antes de chegar ao texto que dá o título ao livro, a saber que matemática avançadíssima se faz hoje num blogue com participação livre à escala planetária, que um ramo inusitado da geometria pode ser usado para construir uma teoria da unificação das forças nos intervalos da prática do surf, que as geometrias não-euclidianas têm insuspeitas relações com o crochet, que as figuras fractais que pareciam uma brincadeira informática se tornaram úteis em matemática pura, que os fundadores do Google enriqueceram só porque inventaram um “truque” matemático para ordenar páginas da Web, que se pode esculpir um conjunto de Mandelbrot no espaço tridimensional, e que é conhecido com precisão matemática o ponto, numa sucessão de encontros românticos, onde se deve parar para casar. Só por esta preciosa informação a leitora ou leitor pode dar por bem empregue o dinheiro do livro, dada a avultada verba que poderá economizar. Chega então ao texto que dá o título do livro, onde o autor ensina o modo de organizar casamentos estáveis, uma outra informação preciosa, que é um verdadeiro bónus para quem está a ler pois o livro já estava pago com o capítulo anterior. Mas há mais. A obra continua com a exposição de um problema do século XIX que tem resistido às investidas dos maiores matemáticos (há uma margem para anotações...), com a indicação do sítio onde se deve localizar um armazém de modo a assegurar uma distribuição óptima a toda uma rede, com a revelação de que há semelhanças entre eleições e montanhas, com a fantástica notícia de que é possível chegar de derrota em derrota até à vitória final, com a descrição do que aconteceu à matemática do Japão após a expulsão dos Portugueses, com a comunicação de que as cidades têm inesperadas parecenças com os seres vivos, com a lição a um grupo de meninas tagarelas que pretendem optimizar a conversa entre si, e com a divulgação do modo como dois alunos de Matemática norte-americanos ganharam uma fortuna na lotaria. Esta seria uma novidade completa que valeria não apenas o preço deste livro, mas o preço de toda colecção Ciência Aberta ou quiçá da editora, não fora o caso de só ser possível em circunstâncias muito especiais, difíceis de encontrar na prática. Por último, o autor faz os leitores penetrarem num dos mais impenetráveis mistérios da economia moderna, que envolve muito mais dinheiro do que a lotaria: a origem da crise financeira internacional.
É muito graças a Jorge Buescu que a divulgação científica em Portugal não está em crise. Continua a dar extraordinários dividendos a quem a ouve ou lê. Em Setembro deste ano fui convidado a participar na 29.ª edição do Encontro Juvenil de Ciência, realizado em Castelo Branco, e pude verificar mais uma vez o interesse que os jovens nutrem pela ciência. O Jorge, que também tinha sido convidado, consegue redobrar esse interesse. Um jornal local titulou ao noticiar o Encontro: “Não é possível desligar os cérebros”. Atenção, cara leitora ou leitor que está a começar a ler o livro: não vai ser possível, nas próximas páginas, desligar o seu cérebro.
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