quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A CIÊNCIA EM PORTUGAL: O BIG BANG VAI CONTINUAR?

Minha crónica no "Público" de hoje:

Os números não enganam. No ano de 1982, segundo a Pordata, houve um total de 130 doutoramentos, dos quais 64 em Portugal e 66 no estrangeiro. Em 2009, último ano para o qual há dados disponíveis, houve um total de 1569 doutoramentos, em todas as áreas científicas, dos quais 1399 em Portugal e apenas 170 lá fora. As mulheres, que representavam 27 por cento dos recém-doutorados em 1982, passaram em 2009 para 52 por cento. Três factos saltam à vista: o enorme crescimento das “fornadas” de doutores, de um factor de 12, em menos de três décadas; a actual não necessidade de “emigração” para fazer estudos de doutoramento; e a emergência da presença feminina na ciência nacional.

Este processo de expansão acelerada - uma espécie de Big Bang - deveu-se a políticas públicas de investimento na ciência: por um lado, uma boa fatia dos fartos dinheiros europeus, embora diminuta no “bolo” total, alimentou a formação avançada de recursos humanos através da concessão de bolsas e, por outro, criaram-se condições para que não fosse necessário passar as fronteiras em busca dessa formação. As mulheres destacaram-se em reflexo da sua progressiva preponderância no corpo discente das universidades portuguesas.

Três marcos no período em causa devem ser apontados: 1986, ano da entrada de Portugal na União Europeia; 1995, ano da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia; e 2002, ano do estabelecimento do euro. A inserção de Portugal no espaço europeu foi indispensável para que a investigação científica prosperasse entre nós. Mas foi também necessária vontade política interna para que a ciência e a sua filha tecnologia fossem tratadas por governos sucessivos (uns mais do que outros, bem entendido), como prioridades.

Um dos 130 doutoramentos de 1982 foi o meu, realizado lá fora como era uso e costume. Posso, por isso, lembrar que, em inícios dos anos 80, Portugal tinha as fronteiras fechadas durante a noite, só abrindo após o nascer do Sol. Um pobre estudante que chegasse a Vilar Formoso, vindo do centro da Europa, tinha de esperar que os agentes policiais e aduaneiros acordassem para que a entrada lhe fosse facultada. Essa situação contrastava gritantemente com a livre circulação de pessoas e bens que, nessa época, já havia em vastas regiões do Velho Continente e constituía, por isso, motivo de espanto para o escolar de regresso a casa. As notas estrangeiras eram trocadas à entrada por numerário em escudos. E as viagens terrestres eram mais lentas depois da paragem forçada na fronteira pois as estradas lusitanas estavam bem longe de ter a largueza e o conforto das suas congéneres internacionais.

Hoje, felizmente, tudo mudou e a ciência portuguesa aí está, com mais gente do que nunca e com mais resultados do que nunca. Pode o país viver uma crise económico-financeira, mas dispõe de recursos humanos altamente qualificados. Numa Europa de portas abertas, onde a ciência e a tecnologia entram e saem facilmente, Portugal vive hoje, não o esqueçamos, um período áureo, talvez apenas comparável ao século XVI, quando pontificaram figuras como Pedro Nunes (que, depois de estudar em Salamanca, não mais saiu do país, desenvolvendo a navegação matemática sem pôr os pés num navio) e Garcia da Orta (um caso de “fuga de cérebro” para a Índia), ou ao século XVIII, quando sobressaíram nomes como João Jacinto Magalhães (um estrangeirado para fora) e Domenico Vandelli (um estrangeirado para dentro). Os dois foram séculos de forte internacionalização pois a ciência requer abertura...

Contudo, a história da ciência portuguesa mostra que depois da luz vem a sombra. A situação algo sombria da Europa faz hoje pairar algumas nuvens sobre a ciência em Portugal. Será que a iminente redefinição política europeia (passando para duas ou mais velocidades, algo que conhecemos do passado) vai prejudicar a nossa ciência, ainda distante dos lugares de topo europeus? Será que a crise do euro irá interromper o recente boom da ciência? Existirá vontade política para considerar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, tanto no sector público como no privado, imperativos nacionais porque elas são comprovadamente criadores de futuro? Será que o potencial de criatividade dos nossos cérebros – afinal a nossa maior riqueza numa época em esta vem do conhecimento e não da conquista - está a ser aproveitado da melhor maneira, dotando-os de condições de trabalho adequadas?

Não quero acreditar que as cancelas fronteiriças se voltem a fechar, que os guardas, os despachantes e os cambistas ressuscitem. Mas os sinais são contraditórios. É certo que o ministro da Educação e Ciência conhece bem o valor da ciência e o seu papel na sociedade moderna. E é certo que está uma investigadora reconhecida à frente da ciência. Mas é também certo que o garrote financeiro está a actuar cegamente, não tratando de modo diferente aquilo que, por não ter andado nem na trapaça nem na ociosidade, merece ser tratado de modo diferente. Chegou-se ao ponto em que um laboratório de ponta tem de fazer um peditório para substituir o seu sistema de climatização. E chegou-se ao ponto que um reitor falou em fechar portas. Receia-se que se chegue ao ponto de descontinuidade de bolsas e contratos, levando à evasão de mais cérebros. Há decisões relevantes para o nosso futuro que, para o bem ou para o mal, vão depender de Mercozy. Mas há outras que vão depender só de nós. Sejamos sábios.

1 comentário:

Cláudia S. Tomazi disse...

A formação tem como produto o aluno. Este produto é homogêneo ou heterogêneo?
A julgar pelo homo sapiens, homo erectus, deve ser homogêneo.
Então o ensino tem sido massificado ou tolerante?
Para ser tolerante não pode ser competitivo, mas com estímulos para um adaptar, integrar, inclusive se necessário, competir.

A considerar que aprendiz, parte da liberdade assistida e mestres nascem do exemplo por carisma, o conhecimento como fonte no primeiro momento concorre pelo florescer e não como fruto da ambição. Moldar atitudes educativas é conspirar pelo saber, é despertar a intenção e progredir pelo querer alheio, projetando-o enquanto desejo de realização e referencial, em qualquer lugar do mundo.
A engrenagem do mundo como três reinos é heterogênea. A humanidade através de estructuras sociais, ou seja, sistema linear homogêneo, seu (conjunto verdade) é, e será sempre possível. Pois iremos encontrar um sistema possível determinado ou possível indeterminado. Portanto, por existir estructura é necessária ser sustentável.

É delírio humano competir. O enfrentamento do ser competitivo torna-se um vale tudo do reino animal. Somente é necessário competir para sobreviver e não para viver. O conviver social é integração. Integrar-se é uma questão da inteligência e da competência, sendo que por sua vez ao conhecimento nada corrompe.

Pelo Ensino sustentável é a penetração pela captação de novas frentes de trabalho e pesquisa em outros países, buscando-o, diga-se interesse da universidade pela expansão e credibilidade do curso. O Rank universitário é a capacidade do mundo em absorver o que há de melhor. Contrapartida a garantia da qualidade é o investimento nos formandos para reposição de mercado.
Fluxo e homogeneidade ou Big Bang?

AINDA AS TERRAS RARAS

  Por. A. Galopim de Carvalho Em finais do século XVIII, quer para os químicos como para os mineralogistas, os óxidos da maioria dos metais ...