Minha crónica no "Público" de hoje:
Os números não enganam. No ano de 1982, segundo a Pordata, houve um total de 130 doutoramentos, dos quais 64 em Portugal e 66 no estrangeiro. Em 2009, último ano para o qual há dados disponíveis, houve um total de 1569 doutoramentos, em todas as áreas científicas, dos quais 1399 em Portugal e apenas 170 lá fora. As mulheres, que representavam 27 por cento dos recém-doutorados em 1982, passaram em 2009 para 52 por cento. Três factos saltam à vista: o enorme crescimento das “fornadas” de doutores, de um factor de 12, em menos de três décadas; a actual não necessidade de “emigração” para fazer estudos de doutoramento; e a emergência da presença feminina na ciência nacional.
Este processo de expansão acelerada - uma espécie de Big Bang - deveu-se a políticas públicas de investimento na ciência: por um lado, uma boa fatia dos fartos dinheiros europeus, embora diminuta no “bolo” total, alimentou a formação avançada de recursos humanos através da concessão de bolsas e, por outro, criaram-se condições para que não fosse necessário passar as fronteiras em busca dessa formação. As mulheres destacaram-se em reflexo da sua progressiva preponderância no corpo discente das universidades portuguesas.
Três marcos no período em causa devem ser apontados: 1986, ano da entrada de Portugal na União Europeia; 1995, ano da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia; e 2002, ano do estabelecimento do euro. A inserção de Portugal no espaço europeu foi indispensável para que a investigação científica prosperasse entre nós. Mas foi também necessária vontade política interna para que a ciência e a sua filha tecnologia fossem tratadas por governos sucessivos (uns mais do que outros, bem entendido), como prioridades.
Um dos 130 doutoramentos de 1982 foi o meu, realizado lá fora como era uso e costume. Posso, por isso, lembrar que, em inícios dos anos 80, Portugal tinha as fronteiras fechadas durante a noite, só abrindo após o nascer do Sol. Um pobre estudante que chegasse a Vilar Formoso, vindo do centro da Europa, tinha de esperar que os agentes policiais e aduaneiros acordassem para que a entrada lhe fosse facultada. Essa situação contrastava gritantemente com a livre circulação de pessoas e bens que, nessa época, já havia em vastas regiões do Velho Continente e constituía, por isso, motivo de espanto para o escolar de regresso a casa. As notas estrangeiras eram trocadas à entrada por numerário em escudos. E as viagens terrestres eram mais lentas depois da paragem forçada na fronteira pois as estradas lusitanas estavam bem longe de ter a largueza e o conforto das suas congéneres internacionais.
Hoje, felizmente, tudo mudou e a ciência portuguesa aí está, com mais gente do que nunca e com mais resultados do que nunca. Pode o país viver uma crise económico-financeira, mas dispõe de recursos humanos altamente qualificados. Numa Europa de portas abertas, onde a ciência e a tecnologia entram e saem facilmente, Portugal vive hoje, não o esqueçamos, um período áureo, talvez apenas comparável ao século XVI, quando pontificaram figuras como Pedro Nunes (que, depois de estudar em Salamanca, não mais saiu do país, desenvolvendo a navegação matemática sem pôr os pés num navio) e Garcia da Orta (um caso de “fuga de cérebro” para a Índia), ou ao século XVIII, quando sobressaíram nomes como João Jacinto Magalhães (um estrangeirado para fora) e Domenico Vandelli (um estrangeirado para dentro). Os dois foram séculos de forte internacionalização pois a ciência requer abertura...
Contudo, a história da ciência portuguesa mostra que depois da luz vem a sombra. A situação algo sombria da Europa faz hoje pairar algumas nuvens sobre a ciência em Portugal. Será que a iminente redefinição política europeia (passando para duas ou mais velocidades, algo que conhecemos do passado) vai prejudicar a nossa ciência, ainda distante dos lugares de topo europeus? Será que a crise do euro irá interromper o recente boom da ciência? Existirá vontade política para considerar o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, tanto no sector público como no privado, imperativos nacionais porque elas são comprovadamente criadores de futuro? Será que o potencial de criatividade dos nossos cérebros – afinal a nossa maior riqueza numa época em esta vem do conhecimento e não da conquista - está a ser aproveitado da melhor maneira, dotando-os de condições de trabalho adequadas?
Não quero acreditar que as cancelas fronteiriças se voltem a fechar, que os guardas, os despachantes e os cambistas ressuscitem. Mas os sinais são contraditórios. É certo que o ministro da Educação e Ciência conhece bem o valor da ciência e o seu papel na sociedade moderna. E é certo que está uma investigadora reconhecida à frente da ciência. Mas é também certo que o garrote financeiro está a actuar cegamente, não tratando de modo diferente aquilo que, por não ter andado nem na trapaça nem na ociosidade, merece ser tratado de modo diferente. Chegou-se ao ponto em que um laboratório de ponta tem de fazer um peditório para substituir o seu sistema de climatização. E chegou-se ao ponto que um reitor falou em fechar portas. Receia-se que se chegue ao ponto de descontinuidade de bolsas e contratos, levando à evasão de mais cérebros. Há decisões relevantes para o nosso futuro que, para o bem ou para o mal, vão depender de Mercozy. Mas há outras que vão depender só de nós. Sejamos sábios.
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1 comentário:
A formação tem como produto o aluno. Este produto é homogêneo ou heterogêneo?
A julgar pelo homo sapiens, homo erectus, deve ser homogêneo.
Então o ensino tem sido massificado ou tolerante?
Para ser tolerante não pode ser competitivo, mas com estímulos para um adaptar, integrar, inclusive se necessário, competir.
A considerar que aprendiz, parte da liberdade assistida e mestres nascem do exemplo por carisma, o conhecimento como fonte no primeiro momento concorre pelo florescer e não como fruto da ambição. Moldar atitudes educativas é conspirar pelo saber, é despertar a intenção e progredir pelo querer alheio, projetando-o enquanto desejo de realização e referencial, em qualquer lugar do mundo.
A engrenagem do mundo como três reinos é heterogênea. A humanidade através de estructuras sociais, ou seja, sistema linear homogêneo, seu (conjunto verdade) é, e será sempre possível. Pois iremos encontrar um sistema possível determinado ou possível indeterminado. Portanto, por existir estructura é necessária ser sustentável.
É delírio humano competir. O enfrentamento do ser competitivo torna-se um vale tudo do reino animal. Somente é necessário competir para sobreviver e não para viver. O conviver social é integração. Integrar-se é uma questão da inteligência e da competência, sendo que por sua vez ao conhecimento nada corrompe.
Pelo Ensino sustentável é a penetração pela captação de novas frentes de trabalho e pesquisa em outros países, buscando-o, diga-se interesse da universidade pela expansão e credibilidade do curso. O Rank universitário é a capacidade do mundo em absorver o que há de melhor. Contrapartida a garantia da qualidade é o investimento nos formandos para reposição de mercado.
Fluxo e homogeneidade ou Big Bang?
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