No passado mês de Outubro, no dia 9, o escritor António Lobo Antunes visitou o crítico de literatura George Steiner, na residência desde, que fica perto de Cambridge. Na longa conversa que tiveram, em francês, publicada na revista Ler deste mês falaram, como talvez não pudesse deixar de ser, da função de professor, que Steiner exerceu com devoção e paixão, como um carteiro que leva uma mensagem a outrem...
"George Steiner: Sou antes de mais um professor. Foi essa a minha vocação. A minha culpa seria a de ser um mau professor. Sempre tive medo disso. Terei eu o direito de ensinar? Quem mo dá? É um direito enorme, moral, psicológico. Escrevi um livrinho, As lições dos Mestres, em que estudo esse fenómeno. E sempre disse a mim próprio: «Com que direito entras numa sala para dares uma aula?» É isso. É como para si o escrever todos os dias: o ensino foi para mim uma vocação. A própria palavra rabin, rabi, quer dizer «professor», nada mais, nada menos. São homónimas. O rabi é, pura e simplesmente, o senhor que dá as aulas. E isto, não o escolhi, isto escolheu-me, como a literatura o escolheu a si; e isto trouxe-me grande angústias e grandes alegrias. E quando tive de deixar o ensino foi o mais duro golpe da minha vida. Sinto muito a falta dos meus alunos.
António Lobo Antunes: O meu pai era professor e depois, quando teve de se retirar, por alturas da sua reforma, aos 70 anos, tive a impressão de que ele era, ao mesmo tempo, mestre e discípulo de si próprio.
George Steiner: Sim, tentamos. É uma fórmula belíssima. Tentamos. Mas sinto muito a falta da contradição, do bom aluno que diz «não». Falta-me a resistência, a mão que pressiona contra uma resistência viva.
(...)
George Steiner: Se eu pudesse ensinar de novo, se tivesse os meus alunos nesta sala (...). Acabam de colcar um retrato meu na Universidade de Londres, um retrato que, a meu pedido, ficou com o nome de Il Postino. Conhece o filme acerca de Neruda, Il Postino [O Carteiro de Pablo Neruda]? Define-me em absoluto. Eu sou o postino: trago as cartas dos grandes escritores e é preciso colocá-las nas caixas certas. Nem sempre é fácil. Quando se explica aos novos alunos da Universidade de Londres por que razão existe um quadro deste senhor, eles acham todos que Il Postino é o meu nome. Ao que eu digo: «Não expliquem, deixem-nos pensar assim.» É um grande privilégio, cuja coroação é a vossa presença aqui. É maravilhoso poder levar cartas! Não fui banqueiro, não vendi casacos de peles; de todos os desastres possíveis fui postino. É isto ser professor. O bom professor abre livros aos outros, abre momentos aos outros. E eu tive alunos muitíssimos dotados, o que foi um grande privilégio: saber que eles são mais dotados do que eu.
António Lobo Antunes: Era isso que dizia o meu pai. Nunca compreendi muito bem a sua paixão pelo ensino. Era para ele uma grande paixão (...). Ele realizava-se nas suas aulas na Faculdade de Medicina. Para ele, eram um imenso prazer. E, após a sua reforma, ensinava aos netos. Lembro-me de, quando tinha sete anos, termos viajado de autocarroa té Paris; fomos a Espanha, à França, à Suíça, à Itália, e ainda me lembro do seu discurso de meia hora em frente a um Tintoretto, sobre as perspectivas das estrelas em Tintoretto, em frente a um Rembrandt, e para mim, uma criança, isso foi muito aborrecido.
George Steiner: Mas nunca mais se esqueceu.
António Lobo Antunes: Não.
George Steiner: É isso. Logo, ele era um bom professor."
In Ler, Livros & Leitores, páginas 47 e 52 (Tradução do francês de Joana Jacinto).
domingo, 20 de novembro de 2011
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2 comentários:
É verdade, os bons alunos são aqueles que "oferecem resistência", aqueles que se envolvem a sério nas aprendizagens e, por isso, são capazes de concordar ou discordar das ideias transmitidas, argumentado, colocando dúvidas. Este é, de facto, o maior prazer para quem ensina - aquilo que pode dar sentido ao exercício da docência. Acontece, felizmente, por vezes nas aulas de algumas turmas (sou professora do ensino secundário), não tantas vezes quanto seria desejável. Mas, do meu ponto de vista, este é um importante critério a ter em conta quando se avalia o grau de satisfação dos professores e a qualidade do ensino ministrado. Seria interessante fazer um estudo em Portugal sobre este assunto e verificar o que se passa em níveis de ensino diferentes, nomeadamente no secundário e no universitário. Ou já existem estudos em Portugal em que se avalia se os alunos exercem a atitude crítica nas aulas e o debate de ideias e os professores a promovem?
Cumprimentos.
Olá, Sara Raposo!
Abs. de acordo!
Um abraço!
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