Meu artigo de fundo sobre educação que acaba de sair na revista "XXI. Ter Opinião", da Fundação Francisco Manuel dos Santos:
Em 19 de Abril de 2011 era publicado um Relatório da União Europeia (UE) sobre educação, que analisava os progressos obtidos pelos países da UE numa série de indicadores para os quais se tinham estabelecido metas, a atingir em 2010 e 2020 [1]. O retrato, que resulta da compilação de dados do Eurostat para os 27 países da UE (que estão em boa parte na Pordata [2]) e dos dados do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA) no qual os países da OCDE participam [3], dá-nos uma panorâmica da educação em Portugal, com números que, apesar de serem de 2008 e 2009, constituem um diagnóstico da situação em 2011 e, portanto, uma base para as políticas públicas neste e nos anos seguintes.
Foram escolhidos sete indicadores principais:
1) Frequência da educação pré-escolar
2) Número de alunos com fraco desempenho a leitura, matemática e ciências
3) Abandono escolar precoce
4) Nível de educação atingido pela população jovem
5) Número de diplomados em matemática, ciências e tecnologia
6) Percentagem da população que concluiu o ensino superior
7) Participação de adultos na aprendizagem ao longo da vida.
No que se refere ao nosso país as notícias são boas e más. Nalguns casos muito boas e noutros muito más. São boas no que respeita ao aumento da frequência do ensino pré-escolar, bastante boas no que respeita à diminuição do número de alunos com 15 anos com fraco desempenho em leitura, matemática e ciências, e muito boas quanto ao aumento do número de licenciados nas áreas de ciência e tecnologia. Mas, apesar dos visíveis progressos, são muito más quanto ao abandono escolar precoce, quanto ao nível de educação atingido pela população jovem e quanto ao número de pessoas que termina o ensino superior, e más ainda quanto à aprendizagem ao longo da vida. Esta deficiência de resultados acontece apesar de o investimento público em educação em 2007 (5,30% do PIB) ter sido acima da média da UE (4,96%). Se normalizarmos por aluno e por habitante, somos até o país mais gastador da Europa no básico e secundário [4].
Vejamos em mais pormenor:
1) A pré-escolarização das crianças portuguesas entre
os 4 e os 6 anos tem vindo a aumentar nitidamente. De 78,9% em 2000 passou para 87,0% em 2009, aproximando-se dos 92,3% de média da UE, que persegue o objectivo de ter 95% em 2020.
2) Ao arrepio de um conjunto sucessivo e consistente de maus resultados no PISA, os resultados do PISA 2009 foram melhores desconhecendo-se, todavia, se houve modificação significativa da amostra. Mas foi reconfortante saber que a percentagem de alunos com fraco desempenho em leitura passou de 26,3% em 2000 para 17,6% em 2009, o que está abaixo da média da UE com 18 países que foi 20,0%. O objectivo da UE era ter 17% em 2010 e 15% em 2020.
3) O abandono escolar pode ser medido pela percentagem de jovens entre os 18 e 24 anos que já não está na escola. Em Portugal diminiu de uns confrangedores 43,6% em 2000 para 31,2% em 2009 (Fig. 1), resultado bem melhor mas ainda assim mau por a UE ter tido uma média de 14,4% e pretender chegar a 10,0% em 2020. O abandono escolar é, de facto, um dos nossos piores flagelos, continuando Portugal um dos casos extremos à escala europeia. Pior do que nós apenas Malta.
Fig. 1 A lenta convergência com a Europa: abandono escolar precoce.
4) Outra quantificação do abandono escolar consiste em saber a percentagem de jovens de 22 anos que concluíram o ensino secundário. Em Portugal esse valor passou de 43,2% em 2000 para 55,5% em 2009 ao passo que a média da UE nesse ano foi de 78,6%, aquém da desejável meta de 85% em 2010. Apesar da melhoria, ficámos muito longe desse objectivo porque, além do mais, o nosso ponto de partida era baixíssimo. De novo pior do que nós só Malta. Os activos portugueses são muito desqualificados (Fig. 2), apesar de ser clara entre nós, bem maior do que noutros países, a vantagem salarial de quem completa um curso [1].
Fig. 2 A continuada divergência com a Europa: desqualificação da população, desdobrada por sexo. Note-se a aproximação dos sexos na Europa e a sua separação entre nós.
5) Pelo menos no que toca ao número de licenciados em ciências e tecnologia por mil jovens entre 20 e 29 anos destacámo-nos. Entre 2000 e 2008 fomos o país da UE que mais cresceu, com 193,2% (Fig. 3), contribuindo para que o objectivo europeu de crescimento de 15% fosse plenamente superado com a média de 37,2%. Excedemos de longe, neste particular, as expectativas. Um outro objectivo europeu neste item era a diminuição do desequilíbrio entre os sexos. Também aqui ficámos bem com 34,1% de quota feminina entre os diplomados nessas áreas em 2008, quando a média europeia foi de 32,6%. O progresso das mulheres no nosso país, na escolarização, tem sido notável, não sendo tão gritante entre nós a falta de raparigas a estudar ciências e tecnologias como noutras paragens.
Fig. 3 O crescimento dos diplomados portugueses no superior, incluindo doutoramentos, em números absolutos.
6) A UE estabeleceu que a percentagem de pessoas com idades entre os 30 e os 34 anos com um curso superior concluído deverá atingir 40% em 2020. Em 2009 a média era de 32,3%. Portugal teve apenas 21,1%, o que em parte se explica por ter partido em 2000 de 11,3%. A outorga de graus universitários e politécnicos tem vindo a crescer, mas o esforço é ainda insuficiente face às necessidades. Malta está igual a nós, mas só a Eslováquia, a Roménia e a República Checa estão pior.
7) Finalmente, a UE fixou a taxa de participação da população em idade activa em programas de aprendizagem ao longo da vida em 12,5% em 2010 e 15% em 2020. A média ficou em 9,3%, aquém dos objectivos. Portugal, por sua vez, apesar do início em 2005 do programa Novas Oportunidades (com o objectivo algo confuso de “alargar o referencial mínimo de formação até ao 12.º ano de escolaridade para jovens e adultos”), ficou-se em 6,5%, abaixo da média, embora acima do ponto de partida, 4,1%, em 2000. O referido programa está por avaliar, parecendo fundamentadas as acusações de facilitismo que têm vindo a público (Medina Carreira não teve pejo em chamar-lhe uma “trafulhice de A a Z”).
É útil, para além das médias da UE, a comparação com os nossos vizinhos espanhóis. Na frequência do jardim-escola estão melhores do que nós (99,0%), nos níveis de leitura do PISA estão só um pouco piores (19,6%), no abandono escolar precoce estão iguais (31,2%), na conclusão do ensino secundário estão melhores (59,9%), no aumento de diplomados em ciências e tecnologia estão aquém (é de 14,8%, com percentagem feminina, 30,2%, inferior à nossa), na conclusão do ensino superior estão muito melhores (39,4%), bem assim como na aprendizagem ao longo da vida (10,4%). Tudo isto foi conseguido com uma percentagem menor do PIB (4,35% em 2009).
Estes são alguns factos e números. Outros poderiam ser invocados. Portugal partiu de uma situação de grande atraso e, apesar do progresso (geral mas desigual), está ainda longe da média educativa europeia, para não falar já dos lugares do topo ocupados por países como a França (100% no pré-escolar), a Finlândia (8,1% de maus resultados no PISA-Leitura), Polónia (abandono escolar de 5,3% e conclusão do secundário de 94,3%), Irlanda (conclusão do superior de 49%) e Dinamarca (31,6% de pessoas em formação ao longo da vida).
Passos muito importantes foram dados no que respeita à “internacionalização” das nossas questões de educação. Longe vão os tempos em que os governos fugiam de comparações internacionais. Agora, apercebendo-se da inevitabilidade dos cotejos, procuram tudo fazer para saírem bem no retrato estatístico (pode ter acontecido no PISA 2009, dado o contraste tão abrupto com a série dos três relatórios anteriores). Curiosamente quando os dados do Relatório Europeu foram divulgados, o governo de José Sócrates, em exercício apesar de ter caído, falou apenas do progresso realizado não referindo o enorme défice educativo. A comparação oficial continuou a ser com o nosso passado e não com o presente lá fora, como se fosse consolo suficiente saber que já fomos piores. Em contraste, a UE lamentava-se de só ter conseguido cumprir um dos objectivos para 2010 (aumento do número de graduados em ciência e tecnologia) ao mesmo tempo que afirmava ser possível cumprir as metas afixadas para 2020.
Avaliações internas têm nos últimos anos complementado as avaliações internacionais. Se as chamadas provas de aferição nos 4.º e 6.º ano, por não contarem para a avaliação dos alunos, pouco adiantam, já os exames nacionais de Português e Matemática do 9.º ano (que contam 30% para a média final) e dessas e doutras disciplinas no final do ensino secundário (que contam para o acesso ao ensino superior) ajudam a ensombrar o status quo. De facto, é elevada a percentagem de negativas nas duas disciplinas, fundamentais no desenvolvimento cognitivo dos jovens. Em 2011 os resultados foram piores que no ano anterior: numa escala de 0 a 20, a média foi de 10,2 a Português e de 8,6 a Matemática no 9.º ano. Por outro lado, as médias dos exames nacionais de Português e de Matemática A do 12.º ano, embora tal como no caso anterior tenham procedência as críticas à não comparabilidade dos exames de uns para outros anos, pioraram relativamente ao ano anterior: elas foram, respectivamente, de 8,9 e 9,2 valores.
Por direito próprio, a avaliação dos alunos conquistou um lugar na agenda mediática da educação. Mas houve outras questões na ordem do dia:
- O avolumar do peso burocrático do Ministério da Educação, com “tentáculos” em várias Delegações Regionais.
- A avaliação dos professores, na crista da onda desde o tempo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, apesar de alguma descompressão com a sua substituição por Isabel Alçada (os sindicatos têm tentado obstar a uma avaliação exigente).
- O agrupamento das escolas, necessário pela queda demográfica e pela desertificação do anterior, e as obras de modernização a cargo da empresa Parque Escolar.
- A indisciplina nas escolas, sendo múltiplos os sintomas de degradação do ambiente escolar.
- O reforço tecnológico, com a distribuição de computadores Magalhães, que para muitos parece um negócio e uma campanha de marketing político.
- O facilitismo na obtenção de diplomas por pessoas no activo que abandonaram a escola.
- O decréscimo do apoio público a escolas privadas, derivado da crise financeira, que condiciona a escolha das famílias (muitas privadas continuam a ser apetecidas por ocuparem os primeiros lugares no ranking das escolas, feitos com base nos resultados dos exames nacionais).
No ensino superior esteve em questão a falta de financiamento, em contraste com o incremento de meios na investigação científica com queixas repetidas dos reitores e dos presidentes dos politécnicos. As universidades nacionais continuam longe do topo nos rankings internacionais.
Em 21 de Junho de 2011 ocorreu uma mudança na pasta da Educação. Na sequência das eleições legislativas de 5 de Junho, tomou posse o ministro Nuno Crato, professor de Matemática que se tinha mostrado bastante crítico do discurso educativo mais ideológico do que científico que se implantou em todas as instâncias do sistema (o “eduquês” [5-6]). Ele discordava da estrutura pesada do Ministério (que, segundo ele, devia ser “implodido”), desvalorizava a questão da avaliação dos professores (defendendo a avaliação à entrada através de um exame, plasmado na lei, mas por concretizar), e criticava o ambiente de laxismo, a utilização excessiva de calculadoras e o descontrolo das Novas Oportunidades. Começou por criar exames no 6.º ano, aumentar as cargas horárias de Português e Matemática em detrimento de disciplinas curriculares não disiciplinares e desenhar um novo modelo de avaliação docente. Continou a agrupar escolas a fim de reduzir custos (um objectivo da troika) e mandou auditorar a Parque Escolar. Para diminuir o Ministério, está a desmantelar as Direcções Regionais, anunciando maior autonomia das escolas. Vamos ver o que mais vai decidir e, acima de tudo, o que vai conseguir. É lícita a esperança de que o sistema de ensino, com este “choque” governativo, progrida em maior sintonia com o avanço europeu.
REFERÊNCIAS
[1] http://ec.europa.eu/education/news/news2900_en.htm
[2] http://www.pordata.pt/Tema/Portugal/Educacao-17
[3] http://www.min-edu.pt/index.php?s=arqactualidades&actualidade=244
[4] http://www.oecd.org/dataoecd/41/25/43636332.pdf, Quadro B1.4. Ver também D. Justino, Difícil é Educá-los, Fundação Francisco Manuel dos Santos - FFMS, 2011, p. 67.
[5] N. Crato, O "Eduquês" em Discurso Directo. Uma crítica da pedagogia romântica e construtivista. Gradiva, 2006.
[6] F. Savater, R. M. Castillo, N. Crato e H. Damião, O valor de educar, o valor de instruir, FFMS, 2010.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
CARTA A UM JOVEM DECENTE
Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente . N...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
5 comentários:
Juro que não consigo entender qualquer referência ao livro de Nuno Crato. A única passagem de olhos que consegui dar faz-me achá-lo intragável. Desculpem mas é claramente um livro de alguém a opinar para o ar sem perceber suficientemente do assunto. Tem capítulos inteiros onde pega simplesmente em citações que depois critica da forma mais básica e acientífica que seria possível.
Depois, claro que propõe um exame para avaliar os professores. Desde quando é que um exame consegue captar a capacidade de ensinar? De dar uma aula com "cabeça, tronco e membros"?
Muito interessante, este texto.
Parabéns ao Professor Carlos Fiolhais.
Duas notas apenas (sobre o texto):
- Sobre o ponto "2) Ao arrepio de um conjunto sucessivo e consistente de maus resultados no PISA, os resultados do PISA 2009 foram melhores desconhecendo-se, todavia, se houve modificação significativa da amostra". Lembro-me, na altura, quando os testes foram passados nas escolas, de me interrogar, com uma colega de outra escola onde também se realizaram esses testes, sobre o facto de as turmas escolhidas terem sido (apenas) as que tinham bons alunos. Ambos achámos esquisito... Passou tempo, mas quer eu, quer essa colega, continuamos com as mesmas dúvidas...
- Sobre a parte final do artigo: enquanto professor continuo com alguma esperança de que o actual ministro prossiga na tentativa de introduzir as mudanças que preconiza, designadamente que tente eliminar a burocracia estúpida que inibe o funcionamento das escolas. Mas sei que não é fácil. O monstro que ele combate tem uma inércia terrível...
Adenda: Discordo totalmente do comentário de Tiago Santos. "O eduquês em discurso directo" é uma seta apontada aos podres da nossa escola. Lê-lo, relê-lo, sublinhá-lo e discuti-lo com colegas, até em ações de formação, foi um bálsamo e uma fonte de esperança. E nessa altura ninguém sonhava que um tal autor pudesse, em tempo algum, ocupar o lugar de ministro da educação.
Hoje, quando tento obstar à prática de barbaridades que as escolas continuam a fazer (o hábito, o hábito!) chego a fazer citações desse livro. O que causa algum efeito...
É cedo para "matar" Nuno Crato.
Não sejam os professores magarefes diligentes. E a escola ganhará.
Agora, o que Nuno Crato poderá conseguir no ministério da educação depende da paciência, da sageza e da persistência dos professores.
Eu, professor, creio que Nuno Crato é um... professor. Que sabe o que é preciso fazer. Mas calma, que o caminho é pedregoso e a tarefa gigantesca.
Só mais uma pequena coisa: um exame não deteta a capacidade de um professor para ensinar, mas pode detetar se ele sabe ler e escrever com correção e se sabe o fundamental da matéria que lhe cabe ensinar. O que não é pouco, tendo em vista os crimes que estão a ser cometidos em certa "formação" de professores. Quem tiver dúvidas que esteja atento a certas caixas de comentários. E mais não digo.
"do discurso educativo mais ideológico do que científico que se implantou em todas as instâncias do sistema". ETA!! Que quer isto dizer? Pôr tecnocratas em vez de políticos como se está a fazer na Europa? A afirmação que cito é, no mínimo, confusa.
José Batista de Ascensão:
O Prof. Fiolhais apresenta hoje, no Post «A CIÊNCIA EM PORTUGAL: O BIG BANG VAI CONTINUAR?», a prova dos 9 que confirma a razão do seu pessimismo visceral em relação ao caminho do descalabro da Educação nas últimas 3,5 décadas.
Caro colega anónimo: na Europa detesta-se cada vez mais a democracia. Os inteligentes é que escolhem, não o eleitorado. Vimos já repetições de referendos até darem certo e depois a desistência de consultar os eleitores pois podem enganar-se!!! Vivemos a hora do "fora os políticos", vivam os tecnocratas. Assim vai a europa a caminho do fim.
Enviar um comentário