
Uma criança por si só não é nada. São os pais que a representam. E, quando já se é homem, há muito menos mérito em não se conhecer esses maus sentimentos. Porque então somos julgados pelo que somos e chegam mesmo a julgar a nossa família por aquilo que passámos a ser. Eu sei agora que me seria necessário um coração de uma pureza heróica e excepcional para não sofrer nesses dias em que lia no rosto de um amigo mais afortunado a surpresa que ele não conseguia esconder da casa onde eu morava.
Sim, eu tinha um mau coração, o que é vulgar. E se, até à idade de 25 anos, com raiva e vergonha suportei a lembrança desse mau coração, foi porque recusava ser vulgar. Agora sei que o sou e, não achando isso nem bem nem mal, interesso-me por outra coisa..."
Texto: Camus, A. (s.d). Primeiros cadernos. Lisboa: Livros do Brasil, p. 333.
Imagem: Fotografia de Albert Camus em criança encontrada aqui.
1 comentário:
Durante anos, Albert Camus foi um "super-homem" para mim, jovem enebriado por aqueles personagens e envolvências tão férteis. E na minha cabeça fui o juiz-penitente d'A Queda (o meu favorito), e vivi muralhado e rodeado de pestilência, e revivi tantos absurdos existenciais, que... de tão gritados, deixaram de ser absurdos!
Os meus caminhos nunca passaram pela filosofia (mais me eganou a poesia, e ainda hoje...), mas quando provei o "doce veneno", gostei!
Enviar um comentário