segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Não tenho vergonha dessa vergonha

7 de Novembro de 1913. Algures na Argélia nascia, na mais completa pobreza material e em ambiente de guerra, um menino que se encantou pela literatura grega e pelo teatro. Havia de ser ser prémio Nobel que, sendo da Literatura, é a síntese de uma obra filosófica, jornalística, política, ensaística, literária, poética.

"Romance. Infância pobre. Eu tinha vergonha da minha pobreza e da minha família. (Mas são monstros!) E se posso falar hoje com simplicidade é porque não tenho vergonha dessa vergonha e porque já não me desprezo por a haver sentido. Só conheci essa vergonha quando me puseram no liceu. Antes, toda a gente era como eu e a pobreza parecia-me o próprio ar deste mundo. No liceu, foi-me dado comparar.

Uma criança por si só não é nada. São os pais que a representam. E, quando já se é homem, há muito menos mérito em não se conhecer esses maus sentimentos. Porque então somos julgados pelo que somos e chegam mesmo a julgar a nossa família por aquilo que passámos a ser. Eu sei agora que me seria necessário um coração de uma pureza heróica e excepcional para não sofrer nesses dias em que lia no rosto de um amigo mais afortunado a surpresa que ele não conseguia esconder da casa onde eu morava.


Sim, eu tinha um mau coração, o que é vulgar. E se, até à idade de 25 anos, com raiva e vergonha suportei a lembrança desse mau coração, foi porque recusava ser vulgar. Agora sei que o sou e, não achando isso nem bem nem mal, interesso-me por outra coisa..."


Texto: Camus, A. (s.d). Primeiros cadernos. Lisboa: Livros do Brasil, p. 333.
Imagem: Fotografia de Albert Camus em criança encontrada aqui.

1 comentário:

Gabriel Oliveira disse...

Durante anos, Albert Camus foi um "super-homem" para mim, jovem enebriado por aqueles personagens e envolvências tão férteis. E na minha cabeça fui o juiz-penitente d'A Queda (o meu favorito), e vivi muralhado e rodeado de pestilência, e revivi tantos absurdos existenciais, que... de tão gritados, deixaram de ser absurdos!
Os meus caminhos nunca passaram pela filosofia (mais me eganou a poesia, e ainda hoje...), mas quando provei o "doce veneno", gostei!

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