quinta-feira, 10 de novembro de 2011

PREFÁCIO A "O VALOR DO ENSINO EXPERIMENTAL"


Meu prefácio ao livro que a Fundação Francisco Manuel dos Santos lança hoje na Universidade do Minho, em Braga:

Uma criança, desde que nasce, não faz mais do que descobrir o mundo onde entrou. Para isso vê, observa, agarra, vira e revira. Só mais tarde, quando consegue falar, pergunta. Ora não sendo a ciência mais do que a descoberta do mundo, baseada na interacção com ele e no exercício do pensamento lógico, a atitude da criança, na sua mais tenra idade, de interacção com o seu ambiente é o início de uma atitude científica. Se a mola que move um cientista é a sua curiosidade, a criança nas suas primeiras explorações é desde logo impulsionada por essa grande característica do ser humano.

O despertar para a ciência deve aproveitar, por isso, a tendência inata nas crianças para conhecer o seu meio circundante através das olhos e das mãos e, a seguir, de usar os seus sentidos para responder a questões que coloca verbalmente. Quer dizer, a primeira atitude científica a transmitir na escola deve ser a experimentação, o contacto directo com objectos reais: só para dar um exemplo, a criança observa facilmente que todos os corpos caem para a Terra, podendo largar vários objectos para descobrir “como” e, a seguir, interrogar-se sobre o “porquê”. Ao repetir o procedimento de deixar cair um corpo, verificará que ele, largado, cai sempre na vertical e cada vez mais rápido. A Natureza mostra-nos regularidades, ou leis, que podem deste modo ser aprendidas. À medida que a criança se for desenvolvendo cognitivamente, irá colocando questões cada vez mais elaboradas, as quais poderão ser respondidas por novos ensaios. O nível conceptual das respostas depende da idade e da capacidade de cada indivíduo, mas o importante é que as respostas interiorizadas em cada fase, embora incompletas, não estejam erradas, isto é, não possam ser desmentida por factos observados.

Não se deve experimentar à toa. Uma actividade experimental deve começar pela formulação de uma questão, o mais simples e precisa possível, que o docente coloca ou ajuda a colocar. Há, no método científico, uma hipótese que se pretende verificar. E há que controlar as variáveis que têm influência num determinado fenómeno: por exemplo, saber se no tempo de queda faz ou não diferença o peso do objecto. É necessário verificar se a conclusão está certa. Esta atitude metodológica aprendida na escola será imensamente útil para a vida. O papel do professor é, evidentemente, essencial em todo este processo, pois a descoberta infantil e juvenil terá de ser dirigida, com base em tudo aquilo que a humanidade já sabe e acha útil transmitir às próximas gerações.

Mas, apesar da profusão de informação e de recursos materiais actualmente disponíveis, a questão é pertinente: será que se realiza entre nós o despertar para a ciência, usando a experimentação, na medida do desejável? Vários indicadores apontam em sentido negativo, sendo um dos mais esclarecedores os resultados dos testes PISA para avaliação da literacia científica de adolescentes. Acontece que no jardim-escola as actividades de tipo científico não são correntes e no 1.º ciclo do ensino básico, apesar de existir um espaço curricular designado por “Estudo do Meio”, a descoberta do meio físico por via experimental não é ainda uma realidade vivida. Parece necessário não só alargar a ciência no ensino básico mas também basear a respectiva aprendizagem em mais e melhores actividades experimentais. Não se trata apenas de uma questão curricular: impõe-se um esforço de formação de professores na área científica, pois a preparação actualmente conferida não tem conferido a muitos docentes o domínio e a segurança, tanto científicos como pedagógicos, necessários para transmitir ciência. Quanto às crianças, elas não são problema nenhum: estão desejosas de experimentar e de aprender.

Com este livro, associado a mais uma conferência sobre Questões-chave da Educação, a Fundação Francisco Manuel dos Santos pretende discutir o ensino das ciências na escola, basedao na experimentação. Qual é, afinal, o valor do ensino experimental? Como deve este ser concretizado? Um estudo promovido pela Fundação e realizado por Margarida Afonso, da Escola Superior de Educação de Castelo Branco, e colaboradoras, aqui apresentado de forma sumária, analisa a exigência conceptual dos currículos nacionais de ciência, no ensino básico, e da prática neles baseada. Por outro lado, David Klahr, professor de Psicologia da Universidade de Carnegie-Mellon, nos Estados Unidos, coloca num título um versículo do Eclesiastes (“Para tudo há um momento”), para se interrogar sobre a adequação do ensino directo em comparação com a aprendizagem exploratória. São-lhes devidos agradecimentos pela excelente colaboração bem assim como a Nuno Crato e a Mónica Vieira que planearam este ciclo de Conferências da Fundação.

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá Sr.Professor
No Agrupamento de Escolas de Alcanede, onde leciono, existe um projeto chamado "Ciência um meio para todos" em que, docentes de Físico-Química fazem atividades de tipo científico com os alunos do pré-escolar e 1º ciclo. Terei todo gosto em partilhar consigo mais informação sobre o assunto, se estiver interessado.
Irene Pereira

CONTRA A HEGENOMIA DA "NOVA NARRATIVA" DA "EDUCAÇÃO DO FUTURO", O ELOGIO DA ESCOLA, O ELOGIO DO PROFESSOR

Para compreender – e enfrentar – discursos como este da lavra da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), ao qu...