quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Os primeiros estudos sobre Raios X e Radioactividade


Excerto do meu artigo, com António José Leonardo e Décio Martins, sobre a história da Física na Universidade de Coimbra de 1900 a 1960, que acaba de sair na "Gazeta de Física":

"A primeira década do século XX foi, no mundo, um período muito intenso na Física. As descobertas das décadas anteriores sobre a natureza da luz e a constituição da matéria não podiam deixar de ter impacto em Portugal.

A descoberta dos raios X em Dezembro de 1895 pelo físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen desencadeou um interesse quase imediato nos professores do Gabinete de Física da Universidade de Coimbra (UC), em particular em Henrique Teixeira Bastos (1861-1943). No período de cerca de um mês após a publicação do artigo seminal de Röntgen, iniciaram-se em Coimbra as primeiras experiências nessa nova área que seriam relatadas num artigo publicado n’O Instituto, a revista da sociedade científica e literária coimbrã com o mesmo nome (Instituto de Coimbra - IC) e na imprensa nacional, designadamente na primeira página d’O Século de 1 de Março de 1896, ilustrado com as primeiras fotografias de raios X obtidas em Portugal. A variável transparência apresentada a esses raios por várias substâncias e a capacidade deles sensibilizarem películas fotográficas permitia obter imagens fotográficas de corpos mais densos no interior de outros, designadas por “photographia através dos corpos opacos”. A investigação privilegiou logo a sua aplicação ao diagnóstico médico, que rapidamente foi concretizada nos Hospitais da UC. O jovem Egas Moniz (1874-1955), Prémio Nobel da Medicina em 1949, foi estudante de Teixeira Bastos, tendo colaborado nessas experiências pioneiras. A realização das primeiras experiências em Coimbra, poucas semanas após a descoberta da nova radiação, explica-se pelo notável desenvolvimento alcançado pelo Gabinete de Física no final do século XIX, graças à acção de António dos Santos Viegas (1835–1914), um professor que trabalhou na UC ao longo de mais de cinco décadas, tendo chegado a ser Reitor.

Nos anos seguintes, prosseguiram em Coimbra os estudos dos raios X, tendo esse sido o tema da dissertação inaugural para o acto de conclusões magnas (prova final de curso) do licenciado em Filosofia Natural Álvaro José da Silva Basto (1873–1924) Os raios cathódicos e os raios X de Röntgen. Nessa tese, submetida em Maio de 1897, Silva Basto abordou os estudos experimentais com descargas eléctricas e raios catódicos, descrevendo as propriedades ópticas dos raios X e os seus efeitos luminescente, fotográfico e eléctrico. Discutiu os modelos teóricos relativos a esta radiação, centrando-se depois nas suas técnicas de produção e aplicação. Referiu a conferência de Henri Becquerel na Academia das Ciências de Paris, em 10 de Maio desse ano (escassas semanas antes da conclusão da dissertação!), e apresentou um estudo comparativo entre os novos raios de Becquerel e de Röntgen.

Na sequência dos raios X, a radioactividade surgiu também como uma nova área de estudo em Portugal, tendo Alexandre Alberto de Sousa Pinto (1880-1982), formado nas Faculdades de Filosofia e Matemática da UC apresentado, no seu concurso ao magistério na Academia Politécnica do Porto em 1902, a tese intitulada Os raios de Becquerel, onde revelou a investigação muito completa que tinha feito sobre as novas radiações. É este provavelmente o primeiro trabalho científico em Portugal onde são referidos os resultados de Marie Curie, então muito recentes.

Na sequência deste estudo, João Emílio Raposo de Magalhães (1884-1961), estudante da Faculdade de Filosofia da UC, escolheu, em 1906, como tema de tese da sua licenciatura O Rádio e a Radioactividade, tendo o respectivo conteúdo sido publicado num extenso artigo saído n’O Instituto nesse mesmo ano. Infelizmente, tal estudo não saiu do quadro teórico, não tendo sido então possível criar uma investigação experimental nesta área, dada “a falta de um corpo radioactivo, que em virtude do seu elevadíssimo preço o gabinete de physica da Universidade ainda não adquiriu”.

O interesse pelas novas descobertas foi confirmado dois anos depois com a dissertação inaugural para o acto de conclusões magnas de Egas Ferreira Pinto Basto (1881-1937), intitulada Theoria dos Electrões. Em 1914, Francisco Martins de Sousa Nazareth (1889-?) realizou um estágio de curta duração no laboratório de Marie Curie. De regresso a Portugal, executou um dos primeiros trabalhos experimentais no nosso país sobre a detecção da radioactividade, tendo todo o equipamento sido montado no Laboratório de Física, com a excepção de um eléctrodo de quadrante. Este trabalho foi publicado na dissertação que o autor apresentou no concurso para 2.º assistente da Faculdade de Ciências da UC, em 1915, intitulada Ionização dos gases em vaso fechado. No ano seguinte, publicou um artigo n’O Instituto onde descreveu o funcionamento do electrómetro de folha de ouro. "

Figura: Radiografia da mão de um doente com tuberculose osteoarticular, realizada nos Hospitais da UC em 1896.

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