sábado, 15 de outubro de 2011

Quando uma "boutade" se torna numa piada de mau gosto



“Pode-se asnear nos tratamentos; mas na gramática gira mais fino"

(Camilo Castelo Branco, 1825-1890).



Acabo de assistir à intervenção, na passada quinta-feira, registada em vídeo, da ex- ministra da Educação, do XVII Governo Constitucional, Maria de Lurdes Rodrigues, sobre “A Educação em Portugal”.

Como é sabido, para começar uma intervenção oratória nada melhor de uma piada inicial para desanuviar um ambiente a que o semblante carregado da oradora não ajuda. Quiçá por esse facto, face à sua acção altamente polémica como antiga titular da pasta da Educação dessa técnica se utilizou ela na sua prelecção - em elogio à sua acção ministerial (ora, como nos legaram os latinos, laus in ore proprio vilescit”) - ao começar por esclarecer a assembleia "não ser (e cito-a, ipsis verbis) o Senhor Professor Carlos Fiolhais professor de ginástica”. Isto é, como se a estatura deste ilustre homem da Ciência e catedrático da vetusta Universidade de Coimbra não fosse sobejamente conhecida e reconhecida para dispensar um esclarecimento desnecessário, impróprio e, sobretudo, deselegante para terceiros.

Desta forma, na sua tentativa infeliz de ser graciosa para “agarrar a plateia” fez-se ela autora de uma graçola que deixaria de o ser se tivesse optado por se referir à sua própria condição e exemplo de antiga professora primária, diplomada por uma escola média, numa altura em que desde o dealbar da década de 40 os professores de Educação Física (e não de“ginástica” em deselegância comparável a chamar boticários aos actuais farmacêuticos) passaram a ser formados por uma escola superior oficial não universitária (INEF, actualmente Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa), a exemplo de outros quatro prestigiados e prestigiantes cursos superiores não universitários: Arquitectura, Escola do Exército (actual Academia Militar), Escola Naval e Escola Superior Colonial. Mas mesmo já em anos anteriores, tinha existido uma escola superior privada para a formação de professores de Educação Física a funcionar na Sociedade Portuguesa de Geografia. Acresce que estes exemplos, atrás citados, encontram raízes, por exemplo, nas antigas escolas médicas e cirúrgicas de Lisboa e do Porto antes da criação das universidades destas duas cidades em 1911.

Mas talvez esta actual professora universitária de Sociologia possa beneficiar da leitura de um excerto de um texto que o Professor António Manuel Baptista, catedrático de Física, produziu na imprensa acerca dos títulos académicos porque, segundo ele, “muitos dos títulos actuais servem apenas para que lhes pendurem pesos leves intelectuais que usam para polir com eles as suas pequenas vaidades não aceitando a tremenda responsabilidade que a associação com os títulos impõe” (“Professor, para que te quero?”, Semanário, 17/11/84).

E prossegue o autor do referido artigo: “Como se sabe, em nosso tempo, onde insultamos a democratização pela mediocratização de tudo [proféticas palavras estas para o caminho que a Educação viria a seguir com as Novas Oportunidades], em vez de honrarmos os universitários formados em Educação Física com o título apropriado, pegamos no título de professor e colocamo-lo nas camisolas de ginástica e desporto o que bem visto é uma solução à portuguesa de usar a beca ou toca como fato de treino”.

Assim, não pode deixar de ser lamentado ter havido, em nossos dias, uma antiga ministra da Educação incapaz de distinguir o titulo profissional de professor de Educação Física da prática exercida por antigos praticantes de ginástica (os chamados "professores de ginástica") seus antecessores como foram os barbeiros dos actuais e muito prestigiados médicos-cirurgiões. Mas nada disto teria importância se, como escreveu Eça, a prática da vida não tivesse por única direcção a conveniência não havendo princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Mas porque assim foi (e continua a ser) a justificação para o facto de eu dar relevância a uma simples” boutadetalvez não merecedora de um post não se desse o caso de continuarmos a viver numa época e numa sociedade em que as conveniências justificam os meios e as deselegâncias. E em que as Novas Oportunidades, menina dos olhos de Maria de Lurdes Rodrigues, toleram, e defendem mesmo, os pontapés na gramática e a ignorância devidamente certificada e equiparada a exigentes diplomas do 12.º ano do ensino secundário com o simples e falacioso intuito estatístico de somar parcelas em que é um erro crasso misturar maçãs com pêras, como se dizia no meu tempo de aluno de uma exigente 4.ª classe da antiga escola primária. E Maria de Lurdes Rodrigues tinha a obrigação de o saber melhor do que ninguém como antiga professora do ensino primário, actual 1.º ciclo do ensino básico!

Na fotografia: Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação.

19 comentários:

joshua disse...

Lamentavelmente, não aula nem reflexão sapiencial que penetre cabeça tão tenebrosamente obstinada, intelectualmente tosca e moralmente desongonçada. Fica o magnífico e ilustrativo post.

Abraço e parabéns por ele, Rui.

Arrebenta disse...

Seria de esperar outra coisa de um dos mais rebaixados expoentes da Mediocracia instalada?...
Ah, sim, preside à F.L.A.D., uma espécie de "Foundation for the Unknown", sem sangue de hemofílico misturado, por onde já passou tudo, até os elétricos :-)

Anónimo disse...

Caro Rui Baptista,

Aconselho-o a rever o vídeo e a ouvir a intervenção do Artur Santos Silva (o poder da banca) cuja intervenção foi anterior à da Maria de Lurdes Rodrigues e foi ele que começou por proferir a seguinte comparação: "trato-o por Doutor porque, em Coimbra, é assim que se tratam os catedráticos, e não o vou tratar por professor porque professores são os de ginástica". De seguida a Maria de Lurdes Rodrigues, em tom de brincadeira, usou as palavras do Artur Santos Silva e dirigiu-se ao Carlos Fiolhais como professor, porque é assim que se tratam no meio académico.
Não posso deixar de frisar que o sr. Rui Baptista, à boa maneira portuguesa, não deixa de ser facioso e tenta passar a mensagem deturpando-a, apenas porque não morre de amores pela MLR.

Daniel Marques

Rui Baptista disse...

Caro joshua: Agradeço e retribuo o abraço.

Rui Baptista disse...

Caro Arrebenta: Apesar de não esperar muito de Maria de Lurdes Rodrigues, esperava, pelo menos, um pouco de boas maneiras...e conhecimento do terreno que pisa pela responsabilidade de ter sido uma antiga ministra da Educação!

Possivelmente, ingenuidade minha!

Rui Baptista disse...

Caro Arrebenta: Embora não esperasse muito de Maria de Lurdes Rodrigues, esperava, pelo menos, um seu conhecimento sobre o ensino superior de antes de Abril/74 e do tempo em que se diplomou para ser professora primária

Esperava, também, boas maneiras de uma antiga ministra da Educação, da Educação repito.Ingenuidade minha?

Rui Baptista disse...

A minha declarada "iliteracia informática" levou a que saisse duplicado o teor dos comentários anteriores.Aos possíveis leitores, as minhas desculpas.

Anónimo disse...

Não sabia que ser professor de ginástica era assim tão desprezível.
Joana Soares

ND disse...

Que exagero. Tornámos-nos num país de pudicos?

Anónimo disse...

Chamar a alguém professor de ginástica pode ser elogio?
António Serra

Rui Baptista disse...

Cara Joana Soares: Não se trata de "uma coisa desprezível". Trata-se apenas (apenas?) de uma questão de correcção...linguística e de trato social.

Anónimo disse...

É Pá, então e chamar professor de português? Ou de matemática? Não estou a ver a questão de correcção linguística. Caramba, o melhor é nunca chamar nada a ninguém.
Joana

Mário R. Gonçalves disse...

Artur Santos Silva e Maria de Lurdes são irmãos de formação (sociologia) e de ideologia (socialista); mas também nos habituaram a ser irmãos de grosseria, isolência e mau gosto.

O Dr. Carlos Fiolhais pode bem com eles. Os "professores de ginástica" é que foram achincalhados no desprezo com que a profissão foi invocada, sabendo os dois manos que nenhum professor de ginática estava presente e que "caía bem" uma graçola a essa gente de baixa condição.

Típico.

Rui Baptista disse...

Cara Joana:

Com o respeito que me merecem todos os comentários, talvez, que com este exemplo possa entender a lógica forçada que preside ao seu comentário. Isto porque, sendo a ginástica (assim como o desporto) um dos meios de que o professor de Educação Física utiliza no seu magistério, assim como o professor de Matemática se utiliza dos números no seu múnos, nada justifica que eu ("vade retro Satanas!"), ou quem quer que seja, se atreva a tratá-lo por professor de números.

Aliás, se bem se lembra, a Mineralogia era tida na gíria irreverente da “estudantada” como o estudo dos calhaus. Recordo-me, a propósito, do caso de um aluno que numa oral de Ciências Naturais, depois de ter respondido (quase diria, com brilhantismo) às perguntas feitas até então, ao ser confrontado com esta matéria respondeu não perceber nada de calhaus, tendo chumbado por, nesse tempo, os liceus serem escolas de formação cívica e não apenas de instrução.

Anónimo disse...

O autor do post nem perguntou ao sr. Carlos Fiolhais se tinha ficado ofendido com tão pouco.

José Mesquita disse...

Nada como um post oco, e consequente discussão de lana caprina, para desentorpecer o cérebro e preparar uma semana de trabalho...
Por vezes é tão bom não perceber.
"Ignorance is bliss". This time, blessed ignorance.

Rui Baptista disse...

Caro Daniel Marques: Segui o seu conselho em ver (e não rever, porque não o tinha visto antes) o vídeo sobre a participação de Artur Santos Silva na sessão promovida pela Câmara do Porto. Sob minha palavra de honra, nunca tentei passar a mensagem de que me acusa e, muito menos, deturpá-la.
A prova disso está bem patente no post que publiquei, neste blogue, minutos atrás . Donde, não aceito o epítome que me atribui de faccioso. Aliás, grande parte do que critiquei (em posts anteriores), e que continuo a criticar, fica-se a dever a uma espécie de braço de ferro entre os profissionais do sindicalismo, com destaque para Mário Nogueira, da Fenprof, e a então ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues em que os professores foram simples espectadores e grandes prejudicados por um processo adiado para as Calendas Gregas.

Anónimo disse...

Quem gozar com catedráticos de Coimbra leva...
José Fonseca

Rui Baptista disse...

Caro José Mesquita: Quem acusa deve fazer a respectiva prova. Não basta, portanto, dizer que ele é oco.Embora não merecendo, de forma alguma, tão honrosa companhia, no que ao raciocínio lógico respeita, não posso deixar de citar Oliveira Martins: “O ensino da Filosofia…era um modo de entreter, com frases ocas e dissertações estéreis, a actividade mental dos discípulos.”

Desafio-o, só porque a isso me obriga, a desmontar peça por peça a falta de substância do meu post. Como diria Ramalho, “estabeleçam-se forças lisas e desatravanque-se a arena; não se admitem cá tiaras que resguardem as frontes, nem degraus a que não seja lícito subir nem púrpuras em que seja fácil de tropeçar.”

Ora,das duas uma: ou o douto comentador fez uma leitura em diagonal do meu post ou, a fazer fé na crítica que lhe faz de falta de conteúdo, embora, gaste o seu tempo e a sua massa cinzenta em o comentar, esmiuçou-o até ao tutano. Ou fê-lo só porque a minha ignorância lhe traz felicidade?

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