Minha crónica no "Sol" de hoje (na imagem João Magueijo):
O pintor Salvador Dali disse um dia: "Vou ser génio. Talvez incompreendido e desprezado mas um génio grandioso”. Pois, em 1906, dois anos após Dali vir ao mundo, nascia em Catânia, na Sicília, um físico que foi um génio grandioso mas quase ignorado. Chamava-se Ettore Majorana e, se não deixou mais obra, isso deve-se em parte à brevidade da sua vida. Como diz uma placa na casa natal: “O seu génio tímido e solitário escrutinou e iluminou os segredos do Universo comom o brilho de um meteoro precocemente desaparecido de entre nós, em Março de 1938, deixando-nos o mistério do seu pensamento.”
O seu tutor, o italiano Enrico Fermi, um dos maiores físicos do século XX, colocou-o nos píncaros da ciência, ao lado de Galileu e Newton, e, portanto, acima dele próprio. Majorana era um prodígio no cálculo mental e Fermi, numa disputa para ver quem fazia mais depressa contas complicadas, nem ajudado por uma régua de cálculo o conseguiu bater. O professor ficava irritadíssimo quando via o discípulo garatujar num maço de cigarros uma nova ideia científica, expressa em belas equações, e, no fim de fumar, deitar o maço ao lixo. A Majorana bastava o prazer solitário da descoberta, não sendo necessário o reconhecimento dos pares. Fermi e os seus outros alunos eram extrovertidos, discutiam muito, competiam entre si para serem os primeiros. Mas o siciliano preferia a contemplação, o recolhimento e o silêncio. Ele era o único que conhecia o mistério da sua mente.
O físico português João Magueijo, professor no Imperial College de Londres, acaba de publicar, em português, na Gradiva, uma biografia do enigmático sábio: O Grande Inquisidor. O autor revela-se, nesse livro, fascinado pela vida e pensamento de Majorana e tenta penetrar no mistério. Tenta compreender o génio, criativo e extravagante. Porquê Grande Inquisidor? Pois a famosa escola de Fermi foi fundada, na Roma de Mussolini, por um senador, em geral ausente, a quem chamavam Deus. Fermi era o Papa, o representante de Deus na Terra. E Majorana só podia ser Inquisidor pois se comprazia em pôr tudo e todos em causa. Apesar de resistir à publicação, a sua originalidade ficou bem patente numa teoria quântica relativista alternativa à do inglês Dirac, num modelo das forças nucleares paralelo ao do alemão Heisenberg e na proposta de um neutrino diferente do que foi concebido pelo austríaco Pauli e baptizado por Fermi. Todos estes foram grandes nomes da física moderna e com todos eles Majorana pediu meças.
A lenda de Majorana ganhou proporções maiores quando ele desapareceu, sem deixar rasto, depois de ter deixado uma nota de despedida à família: “Recordem-me, se puderem, nos vossos corações, e perdoem-me”. Ter-se-á deitado ao mar num navio entre Palermo e Nápoles, mas não se sabe ao certo.
2 comentários:
Bom dia, acabo de ler com interesse a sua crónica, sobre uma figura que sempre me fascinou. Aproveito para lhe indicar um romance/documento/investigação de um dos maiores escritores italianos do século XX, Leonardo Sciascia, "La scomparsa di Majorana", publicado em Itália pela Adeplhi. Bellissimo.
Um leitor do blogue Sorumbático chamou-me a atenção para o erro da citação de Dali, que fiz de cor. De facto, ele considerava-se um génio. Disse:
"Vou ser gênio. Talvez incompreendido e desprezado mas um gênio grandioso".
O meu erro foi ter querido usar a citação, essa sim verdadeira:
"A única diferença entre mim e um louco é que eu não sou um louco".
Confundi, por qualquer associação neuronal, pois génio e louco, o que, concordo, não é bem a mesma coisa.
Emendo, por isso, o post, para memória futura, agradecendo à pessoa que me corrigiu.
Carlos Fiolhais
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