Neste blogue tenho dado exemplos do modo como certos manuais escolares, operacionalizando as orientações da tutela, que, por sua vez, operacionalizam um certo modo de conceber a educação escolar, procuram ser documentos atraentes, simpáticos, politicamente correctos, direccionados para a preparação dos alunos para a (ou para uma certa ideia de) vida quotidiana próxima, concreta, real, a partir da (ou daquilo que se supõe ser a) sua vida quotidiana próxima, concreta, real. Parte-se do que pensam, sentem e fazem para se abordar o que pensam, sentem e fazem.
Tenho dado pouca atenção aos livros de inglês. Por isso, pego, agora, em vários para os segundo e terceiro ciclos do Ensino Básico. A minha impressão mais imediata é que são todos muitíssimo parecidos.
Destaco um para o 8.º ano de escolaridade porque na capa refere-se que a sua redacção beneficiou de um consultor linguístico e pedagógico. Fico com curiosidade em ver qual é, então, a linha pedagógica seguida. Sem recorrer às ferramentas que uma verdadeira análise académica recomendaria, faço uma apreciação em função dos tópicos que se seguem.
QUE ALUNOS SE TERIAM EM MENTE?
Supondo que com a preocupação de reproduzir a diversidade de alunos-consumidores-do-livro, apresentam-se muitas fotografias de jovens (quem serão?) com diversos "estilos" (a maior parte não sei identificar), mas quase todos sorridentes, esbeltos, dinâmicos, tão dinâmicos que parecem ter a intenção de saltar da página e passar por nós a correr sabe-se lá para onde. Corpo perfeito, dentes perfeitos, indumentária a respeitar os cânones da moda da estação (não falta uma modelo esquelética), do grupo ou etnia de pertença… Algumas meninas de umbigo à mostra, rapazes com piercings e calça de ganga rasgada (“detalhes” que algumas escolas proíbem)…
Apreciam o rap e o pop, os cantores e as cantoras do top, deslumbram-se com os concertos de milhões.
Citadinos, falam desinibidamente da sua família, dos seus gostos, dos seus hábitos. São assertivos, não parecem afectados por “crises da adolescência”, já se mostram vencedores natos e defensores das causas que os telejornais elevam ao estatuto de cruzadas.
Infere-se que, independentemente de serem negros, indianos, hispânicos, chineses ou brancos, defendem o ambiente, pugnam pela igualdade de género, empenham-se na reciclagem, escolhem criteriosamente uma alimentação saudável, estão conscientes da fome em África…
Tudo isto aparece pela enésima vez aos alunos-consumidores-do-livro, pois desde o primeiro ano, em todas ou quase todas as áreas curriculares, estes temas são recorrentes.
O QUE FAZEM ESSES ALUNOS?
Estudam, naturalmente, e praticam desportos, sobretudo desportos radicais, passeiam-se pelas grandes “superfícies comerciais” dispersas pelo mundo, telefonam dos seus portáteis, escrevem e-mails informais, jogam nas suas consolas, vêem séries de televisão populares, vão ao cinema para assistir aos filmes que arrastam as multidões, a parques temáticos, e vão de férias para a neve, para a praia, para o fundo do mar, para a montanha, para o deserto. Tudo isto em cenários idílicos como os que aparecem nas páginas dos prospectos de agência de viagens e sem a sombra de pais e professores a persegui-los. Independentes, vão de mochila às costas explorar o mundo, acampando aqui e ali ao sabor dos seus interesses.
Também lêem: jornais e revistas, e alguns livros, sobretudo os que são muito actuais, aqueles que tornam rapidamente os respectivos autores milionários. Há reproduções de capas que indicam diversas “tonalidades”, algumas a tenderem para o erudito e outras claramente para o cor-de-rosa (muito claro), mas tudo na mesma página do manual, porque tudo é, afinal, igual, tudo tem, afinal, o mesmo valor.
O QUE O QUE SE PRETENDE COM O EXEMPLO DESTES ALUNOS?
Suponho que se pretende que os alunos-consumidores-do-livro "construam o conhecimento" a partir da vivência (sempre da vivência): dos outros e da sua.
A exemplo da história de vida dos jovens fotografados, do que comem, do que preferem, do que fazem, do que pensam, solicita-se-lhes que se revelem. As perguntas incisivas ajudam: Que filmes vês? Que livros lês? Usas muito o computador? Quais os sites que consultas? Gostavas de ser jornalista? Etc., etc., etc.
E, claro está, a solicitação aos alunos da "sua própria opinião" (o que pode haver de mais importante do que a opinião dos alunos?) gruda-se a tudo isso. Mas, na lógica seguida, está certo: afinal o aluno é o centro da sua vida, e a sua vida é o centro da educação escolar.
Para que não se aborreça, são-lhe apresentados jogos, crucigramas, espaços para preencher, textos autobiográficos para escrever… Muitas destas tarefas são colaborativas, para que desenvolva a sua sociabilidade.
Os textos são, em geral, pequenos, raros são os que têm autor. E os de autor estão bastante longe do estatuto de clássicos. Não obstante, como é regra nos manuais de Língua Portuguesa, também estes são adaptados e foram-lhes suprimidas passagens. Maiores e integrais são os textos como o que acima se reproduziu: sobre a vida (claro, a vida!) de Britney Spears
EM SUMA:
Começámos por referir que o livro em causa foi objecto de consultoria pedagógica. Não duvido que tenha sido: certas perspectivas pedagógicas defendem tudo o que acima se refere. Mas, devo salientar que existem teorias que não vão no mesmo sentido. São essas que estão afastadas dos sistemas educativos.
UMA NOTA A TERMINAR:
Não sei se estes manuais beneficiam ou não os alunos do ponto de vista da aprendizagem, mas tenho a certeza que quem ficará muitíssimo grato aos respectivos autores e editoras são as empresas internacionais que vêem as suas fachadas devidamente reproduzida nas páginas. O mesmo acontece com as embalagens dos seus produtos: jogos electrónicos, batatas fritas, referigerantes, cereais, creme para as borbulhas, etc. Isto sem esquecer os logótipos de carros, de comida pronta, de marcas de computadores, de telemóveis, de roupas de marca, de material de desporto, de gasolina... Tudo coisas que este jovens, se não compram já, poderão vir a comprar!
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4 comentários:
http://fiel-inimigo.blogspot.com/2011/10/o-mundo-ervilha-dos-alunos-rumo-ao.html
Chapelada.
É a educação para os filhos dos outros...
Então nos manuais de Biologia é o regabofe modernaço de manipulação política disfarçada de ciência.
Mas a culpa é de quem elabora os programas. Eu conheço pessoalmente alguns desses aleijados politicamente correctos. Dominam a linguagem hermética do eduquês, mas no fundo são uns "doutores" completamente ignorantes.
No programa do 12º Ano, a pseudo-ciência reina.
Os alunos começam a ser endoutrinados com os problemas de reprodução e bébes proveta, passam de imediato para o instituto de oncologia, onde estudam oncogénes e anticorpos monoclonais, (matérias marginais mesmo para quem quer entrar em Medicina); depois para o programa político da Green Peace, com especial destaque para a ideia peregrina da sustentabilidade, sem o mínimo de reflexão sobre o que significa a sustentabilidade e sobretudo como se pratica a sustentabilidade.
No fim, estudam uma ETAR que só pode servir para depurar esta porcaria de programa. Valha-nos isso!
Os alunos entram na Universidade sem saber o mínimo de Botânica, Zoologia, Teoria de Evolução, Embriologia, Sistemática, etc.
A maioria dos professores são incapazes de perceber, que mais do que um programa de Biologia, estão a reproduzir inconscientemente um programa político radical.
Miguel Marques
Prof de Biologia há 30 anos
Os manuais escolares são apenas mais uma expressão da alienação que a televisão consubstancia, diariamente, em horário nobre. Os programas televisivos estão a criar uma mentalidade massificada aberrante. Normalmente atribui-se que a falta de qualidade dos programas televisivos se deve ao consumo da população, eu vejo as coisas ao contrário, se a televisão oferecesse qualidade, ou pelo menos “normalidade”, o pensamento massificado seria modelado nesse sentido. O poder da televisão não está a ser devidamente equacionado. No entretanto, o lixo que invade os manuais escolares contribui para a formatação das crianças e jovens para uma mediocridade sem paralelo, ao mesmo tempo que amolece os miolos dos mais corajosos.
HR
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