Embora não goste, alturas há em que tenho de transcrever posts já aqui publicados, quanto mais não seja para avivar a memória de todos, incluindo a dos governantes. Reproduzo, ligeiramente adaptado, parte do meu post “Um tecto para as despesas de saúde?” de 15/03/2010, na altura em que o PEC já incluía medidas desse tipo, que agora se estão a agravar. Revejo-me nas palavras de Eça: “Deixemos no bengaleiro a nossa perpétua inclinação nacional de escutar odes – e entremos só com a tendência humana de resolver problemas":
"Em declarada crise económica que assola grande parte do planeta e num pequeno país como Portugal, em que há um evidente desequilíbrio entre as despesas públicas e as receitas fiscais, tomam-se medidas de desenrascanço de apertar o cinto que pouco afectam quem usa suspensórios!
Desta forma, em vez de se cortarem em esbanjamento de dinheiros públicos (finalmente e pelos vistos, pelo menos o TGV e o Aeroporto de Alcochete parecem estar em banho-maria) tenta-se cortar em despesas com pouco significado positivo para os cofres estatais e muita expressão negativa no que diz respeito à justiça social.
(...) Actualmente são deduzidos para efeitos de IRS 30% das despesas feitas nas farmácias com determinados medicamentos. Ou seja, quem tem uma saúde de ferro beneficia do dom precioso em não gastar um cêntimo em medicamentos. Por outro lado, quem tem uma saúde frágil que anda associada, frequentemente, a achaques da velhice, como sejam, por exemplo, para não falar de outras graves bem mais graves, doenças do foro reumatismal, em que, para apaziguar dores insuportáveis, o paciente é obrigado a encharcar-se em analgésicos, gastando quantias que fazem perigar, ainda mais, o seu periclitante equilíbrio financeiro em busca de uma dignidade humana que não se curve amparada por uma bengala para não abdicar da sua ascendência bípede de milhões de anos.
A ser levada a medida de cortar nas deduções para efeitos de saúde, um doente de magros ou remediados cabedais de vencimento ou esquálida reforma que, porventura, tenha uma gripe ao atingir o referido tecto terá que deitar contas à vida e pedir a Deus para que uma possível pneumonia não lhe bata à porta na pior altura. Ou, nessa infelicidade, empenhar os anéis para ficar com os dedos, ou mesmo sem os anéis e os dedos, como se a própria vida 'não fosse o último hábito que se quer perder porque é o primeiro que se toma", como escreveu Alexandre Dumas Filho'.
(...) Ir buscar umas migalhas no cotão de certos bolsos que a actual crise virou do avesso e não em ordenados escandalosos, sinecuras principescas e chorudas contas bancárias é o mesmo, como nos ensina a sabedoria popular, que "poupar no farelo para gastar na farinha", promovendo o desaparecimento de uma classe média com reformas que se degradam de ano para ano, necessitadas, como tal, de cuidados fiscais intensivos que lhes transmita e à economia portuguesa um novo e desejável alento para sair do pântano em que se encontram mergulhadas.
Num abreviar de razões, a solução deve ser procurada numa ainda mais apertada malha que taxe o cidadão com sinais exteriores de riqueza de quem "cabritos vende e cabras não tem", segundo os seus reais rendimentos e haveres e não sobre aquilo que ele dolosamente possa declarar serem os seus hipotéticos rendimentos e haveres. A isto, sim, chamar-se-ia, com toda a propriedade, justiça fiscal!"
Pelas razões atrás expostas, nunca, por nunca, baixar o tecto das despesas dos velhos reformados da classe média com a saúde para um terço do montante actual!
3 comentários:
De acordo com a lei da natureza, os mais fracos fenecem e os mais fortes permanecem. Também foi assim para nós. Mas parece que depois evoluímos e tornámo-nos civilizados. E uma sociedade civilizada distingue-se da ordem natural, entre outras coisas, pela proteção dos mais fracos. Temos garantidamente todos os motivos para seriamente nos preocuparmos com os mais vulneráveis, porque o estado já não existe para nos proteger, mas para nos f...!!!
HR
"O pequeno deus do mundo não mudou,/Desde o dia primeiro mui singular ficou./Viveria melhor se não fosse enganado/ Pelo lampejo de luz com que o haveis dotado;/ Razão lhe chama, e serve-lhe afinal/ Para ser mais bicho que qualquer animal." (diz Mefistóteles...)
HR
Limitei-me a factos relativos a questões de saúde. Ou melhor de doença! Como escreveu Bernardim Ribeiro: "Todas as minhas queixas/Se me puseram diante".
Unicamente, omiti (revendo o meu "post", disso me apercebi: "mea culpa"...)o exemplo de igual violência para todos aqueles a que a doença bate à porta e que não escolhe idades tornando de igual descaro a diminuição do tecto com despesas de saúde para um terço em verdadeiro atentado para com a justiça fiscal!
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