sexta-feira, 21 de outubro de 2011
O PAI DA PÍLULA EM PORTUGAL
Minha crónica publicada hoje no "Sol" (na foto Carl Djerassi):
A 28 de Outubro próximo a Universidade do Porto vai conceder a sua mais alta distinção científica – o doutoramento honoris causa – ao chamado “pai da pílula”: o bioquímico norte-americano Carl Djerassi, professor da Universidade de Stanford que, nos anos 50, efectuou a primeira síntese de um esteróide contraceptivo oral, a pílula.
Djerassi tem, porém, uma “segunda vida” como autor de peças de teatro científico, isto é, peças que recorrem a temas científicos. Já tinham sido representadas em Portugal as suas peças Esse espermatozóide é meu, no Teatro da Trindade, Lisboa, em 2004, e Oxigénio, no Teatro do Campo Alegre, pela Seiva Trupe, no Porto, em 2006, esta em co-autoria com o Nobel da Química Roald Hoffmann. Aproveitando a vinda do eminente cientista, estrearão em Portugal mais duas das suas peças: Falácia, de novo pela Seiva-Trupe, sobre as íntimas relações entre a arte e a química, e Cálculo, em Coimbra, pelo companhia Marionet, sobre a prioridade na invenção do cálculo infinitesimal disputada entre o inglês Isaac Newton e o alemão Gottfried Leibniz.
Em Cálculo, cuja tradução em português sairá em breve do prelo da Imprensa da Universidade de Coimbra, Djerassi serve-se da linguagem do teatro para nos dar conta não só da famosa controvérsia do tempo da Revolução Científica, mas também das perenes questões associadas ao carácter humano da ciência. A construção da ciência é um drama que se insere no grande drama humano no mundo. A personalidade de Newton dá ensejo, no palco, a um personagem que é ao mesmo tempo um génio e um vilão. Um grande génio, mas também um grande vilão, uma pessoa que, de forma inteligente, não hesita em escolher refinados meios para alcançar os seus pérfidos fins. Em particular, presidindo à Royal Society, a sociedade científica mais antiga do mundo em contínua actividade, não hesitou em nomear uma comissão internacional de sábios inteiramente controlada por ele e com trabalho em larga medida forjado por ele para corroborar a sua posição na polémica da invenção do cálculo. O pobre Leibniz, sem ser ter sido visto nem achado, acabou condenado como um reles plagiador. Quase não há matemática na peça. Não há nenhum cálculo. Mas há pessoas calculistas. Há questões pessoais, defeitos psicológicos, falhas éticas, males bem anteriores ao século das luzes e que permanecem actuais nos tempos de hoje.
Carl Djerassi, que é professor jubilado da Universidade de Stanford, confrontado com a ameaça de um cancro, resolveu a certa altura mudar de vida. De cientista passou a escritor, procurando como ele diz fazer “science-in-theatre”, isto é, colocar a ciência dentro da ficção: “Procuro contrabandear ciência na ficção para que as pessoas de divirtam e ao mesmo tempo aprendam”.
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