sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O CARNAVAL MADEIRENSE


Minha crónica no jornal Publico de hoje:

O desfalque nas contas públicas na Madeira de Alberto João Jardim, que foi recentemente revelado, é um caso de polícia e de tribunais que, como não foi nem vai ser resolvido com a indispensável pontidão, mostra que não há grande diferença entre Portugal e a Grécia. Ou se há, é para pior aqui, pois a ilha de Creta não tem a irresponsável autonomia de que tem gozado a Madeira. Nem nenhuma das outras ilhas gregas.

O culpado tem um rosto e uma voz, pois deu logo a cara e reclamou logo, com irrepremível orgulho, que era ele. Alegou até, usando linguagem criminal, ter actuado em "legítima defesa”, pois “eles ainda nos tiravam mais dinheiro se andássemos a mostrar o jogo”. Mas foram cúmplices, ao nível político, tanto os correligionários de João Jardim que sabiam e ficaram calados, como os seus adversários que agora fazem enorme alarido mas que estiveram antes no governo da nação sem terem sido capazes de acabar com o regabofe financeiro na Madeira e noutros lados. E também, ao nível administrativo e judicial, todos aqueles que, em vez de verem as contas, fizeram de conta que as viram.

Ilibo o actual ministro da Economia, o independente Álvaro Santos Pereira, que estava no Canadá. Ele analisou com argúcia os incríveis gastos de João Jardim no seu livro "Os Mitos da Economia Portuguesa" (Guerra e Paz, 2007) e perguntou: "Porque é que João Jardim é João Jardim?" Respondeu que o madeirense jogava o "trunfo independentista". E destrunfou, embora sem tomar partido por essa opção: "Se a Madeira quiser, um dia poderá tornar-se independente". Se João Jardim voltar a ganhar por maioria absoluta as eleições de 9 de Outubro e se, não tendo entretanto actuado a justiça, o país todo – Portugal no seu conjunto, incluindo o Continente, a Madeira e os Açores - tiver de continuar a pagar os seus desmandos, em vez de ser ele a pagar pelos crimes económicos que permitiu e encobriu, será caso para encarar essa até agora remota possibilidade. Eu gosto tanto da Madeira que, para lá ir, não me importo de trocar, no aeroporto, os meus euros pela nova moeda que lá queiram criar.

Dando razão a quem defende que todos os políticos são mentirosos (para o vulgo não são todos os cretenses, mas sim todos os políticos), o inefável João Jardim veio depois afirmar que, afinal, não disse o que nós lhe ouvimos dizer sobre a ocultação da dívida. O experiente político invocou um “ ‘lapsus linguae’ normal na torrente discursiva e emocional de um comício", fazendo-se passar por um principiante na tribuna. Não, não foi nenhum lapso momentâneo. Ele quis, obviamente, dizer aos seus eleitores aquilo que disse, a fim de ganhar as eleições por uma larga margem. A aceitar a tese do lapso, ter-se-á de reconhecer que existe, desde há 33 anos, um lapso permanente no Governo Regional. João Jardim é um político relapso, que se compraz a disfarçar com insultos e chistes a sua manifesta inaptidão para o lugar.

Razão teve e tem, neste assunto, o de resto apagado líder do PS, António José Seguro: O líder do PSD e primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, está confrontado com um sério problema político. Como o PSD apoiou e continua a apoiar João Jardim (este até pediu num dos últimos comícios para votarem nele porque o Governo Nacional é do partido dele!), fica com pouca credibilidade para falar de rigor e exigência nas contas públicas. A não divulgação antes das eleições dos futuros cortes nas remessas para a Madeira foi um claro apoio já que, se esse anúncio tivesse ocorrido, o político que desfila nas ruas no Carnaval perderia muitos votos. Quando o PSD finge que não tem nada a ver com as extravagâncias e delírios do Governo Regional, sustentado por si ao longo de décadas, é a mascarada total. Se, na política portuguesa, houvesse alguma decência, o Carnaval político da Madeira já teria sido interrompido. Assim, vai continuar a bambochata. Na Madeira, governada por um rei Momo que quer “fazer as pessoas felizes”, há Carnaval todo o ano e, provavelmente, na falta de liderança moral no país, vai continuar a haver.

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