segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Aprender a Aprender


Meu prefácio ao livro da Fundação Francisco Manuel dos Santos "Em Causa: Aprender a Aprender", de vários autores, que é lançado amanhã em Aveiro na Conferência daquela Fundação com o mesmo título que tem lugar na Universidade de Aveiro e que se repete no dia seguinte na Torre do Tombo, em Lisboa:

A expressão “aprender a aprender” tem aparecido cada vez mais no discurso pedagógico. Por vezes fala-se também em “aptidão para o pensamento crítico” e “aptidões metacognitivas”, expressões que aparecem elencadas por E. D. Hirsch, Jr., professor na Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, no seu livro “The Schools we need and why we don’t have them” (Anchor Books/Doubleday, 1999). Pretende-se transmitir a ideia de que os conteúdos da aprendizagem não são tão relevantes como o próprio processo de aprendizagem, manifestando-se antipatia pela excessiva transmissão de conteúdos. Ainda conforme Hirsch, diz-se também que “os factos não contam tanto como a compreensão”, “os factos ficam desactualizados” e “menos é mais”. Estas expressões são decerto familiares a quem frequentou cursos de educação ou simplesmente certas disciplinas de educação noutros cursos.

Fazem sentido? Apesar de algumas poderem fazer algum sentido, costumam aparecer emaranhadas umas com as outras, num discurso confuso, que pode seduzir quem as lê ou quem as ouve. O dito “aprender a aprender” por vezes não passa de um jogo de palavras que inebria quem as profere e que pretende inebriar quem as ouve. Usa-se também neste contexto o provérbio, de origem chinesa, “mais vale ensinar a pescar do que dar um peixe”. Percebe-se o que quer dizer, mas há um perigo óbvio: pensar-se que ao pescador interessaria mais o instrumento - a cana de pesca - do que propriamente o objecto – o peixe. Ora um pescador que nada pesque dificilmente pode merecer esse nome. E, além do mais, poderia morrer à fome. De facto, quem se inebria com a expressão “aprender a aprender” parte de um erro: que se pode separar o conhecimento factual da atitude para o adquirir. Como se podem transmitir atitudes em abstracto sem objectos que as exijam e sobre os quais elas actuam?

Os modernos avanços das ciências de educação, aliados com os avanços da psicologia experimental, têm lançado luz sobre estas questões das atitudes e dos conteúdos. Hoje, reconhece-se, em particular, que a memória se pode e deve treinar, mas isso não pode ser feito sem haver algo que se memorize. Era um claro exagero o ensino básico tradicional baseado na mera memorização de nomes de reis e de rios. Mas é exagero maior pensar que se pode obter essa capacidade de memorizar sem ter adquirido uma conjunto de informações que ficam residentes no cérebro prontas a ser usadas.

Neste livro, a Fundação Francisco Manuel dos Santos prossegue o seu programa de educação, procurando iluminar aspectos da psicologia, das ciências da educação e da prática educativa. John R. Anderson, Lynne M. Reder e Herbert Simon, da Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, dão-nos a sua visão sobre a aplicação da psicologia cognitiva na educação, Paula Carneiro, da Universidade de Lisboa, fala-nos sobre a promoção da apreendizagem através de testes e Pedro Albuquerque, da Universidade do Minho, esclarece-nos sobre o papel da memória na educação. A todos eles são devidos agradecimentos pela excelente colaboração, assim como a Nuno Crato, que, com a ajuda de Mónica Vieira, preparou, numa fase inicial, tanto o livro como o encontro que lhe está associado.

18 comentários:

Maria Nazaré de Souza Oliveira disse...

Uma abordagem excelente, como sempre!

Um abraço!

Paulo disse...

Uma das coisas mais nefastas que em Portugal e noutros países se faz quando se discute educação é reduzir um tema complexo a um conjunto de dicotomias: autoridade versus anarquia, conteúdos versus competências, exigência versus laxismo, etc. Nenhuma área da ação humana pode ser assim analisada e escrutinada de forma tão simplista, incluindo, naturalmente, a educação. É certo que no prefácio do Professor Carlos Fiolhais, quando ele aborda o tema do livro que prefacia, aprender a aprender, existe ocasionalmente uma pequena abertura para considerar que a expressão, juntamente com outras, poderá significar algo de substantivo. Por exemplo, quando afirma: “Fazem sentido? Apesar de algumas poderem fazer algum sentido, costumam aparecer emaranhadas umas com as outras, num discurso confuso, que pode seduzir quem as lê ou quem as ouve.” Mas logo resvala para um discurso crítico que, estruturado no tal espírito dicotómico que mencionei anteriormente, claramente tem um juízo de valor negativo relativamente ao assunto em questão.
Não li ainda o livro, cuja edição saúdo, mas sobre o tema gostava de dizer duas coisas. A primeira é que contrariamente ao que o Professor Carlos Fiolhais afirma a expressão é bastante antiga no domínio pedagógico. Se consultar o livro de Stephen Jay Gould, A Falsa Medida do Homem, verificará que ela foi usada por Alfred Binet, o pai do primeiro teste moderno de avaliação da inteligência, no início do século! Reconheço, todavia, que nos últimos 30 anos o conceito tem vindo a divulgar-se de forma mais expressiva.
A segunda coisa que gostaria de enfatizar é que se eventualmente a expressão aprender a aprender pode ser usada de forma menos rigorosa (e qual o conceito que não o pode ser?), ela tem vindo a ser gradualmente estudada no âmbito do que na psicologia da educação se designa por aprendizagem auto-regulada (self-regulated learning). Este conceito da área da psicologia tem atraído o interesse de inúmeros investigadores e baseia-se em quadros teóricos sólidos, sendo o mais conhecido a teoria sociocognitiva de Albert Bandura, um dos maiores psicólogos do século XX, ainda vivo felizmente.
Esta área de investigação e aplicação da psicologia, nomeadamente na área da educação, tem demonstrado que a aplicação de programas de promoção de aprendizagem auto-regulada tem conduzido a resultados positivos. Se desejar aprofundar mais este tema sugiro-lhe a leitura de uma referência que indico em baixo que descreve um estudo que apresenta duas meta-análises com estudantes de dois níveis de ensino. É mais fácil tecer um discurso “gasoso” sobre um tema como este do que fundamentar a nossa opinião em investigação sólida, mesmo para um não especialista como o Professor Carlos Fiolhais.

PJ

Dignath, C., & Buttner, G. (2008). Components of fostering self-regulated learning among students. Metacognition and Learning, 3, 231-264.

António Pedro Pereira disse...

Paulo:
Muito obrigado pelo brilhante comentário que fez.
Mas lamento dizer-lho, aqui é inútil, pois quer os «posteiros» se limitam a apresentar pontos de vista que correspondem às suas pré-concepções, quer os frequentadores/comentadores esperam precisamente, e só, esse tipo de pontos de vista.
Ai de quem se atrever a introduzir outras narrativas, ou é brindado com o silêncio como resposta, ou com comentários por vezes deselegantes.
Verdadeiras trocas de pontos de vista sem remoques, escondidos ou explícitos, nunca aqui os pude apreciar.

Leonel Morgado disse...

Já o dizia Papert (a propósito da programação de computadores poder servir no ensino como forma de reflectirmos sobre os nossos próprios processos de aprendizagem):


"You Can’t Think About Thinking Without Thinking About Thinking About Something"

Anónimo disse...

Durante a conferência não pude deixar de sorrir ao lembrar-me do comentário, já lá vão muitos anos, de uma colega: Ai cuidado, não deixes o teu filho memorizar!

Foi uma óptima conferência que me fez ter esperança no repensar das teorias e estratégias do ensino e da aprendizagem.

Ivone Melo

Fartinho da Silva disse...

Conheço tanta gente que paga propinas mensais de enorme significado para ter os seus filhos protegidas destas teorias pedagógicas...! Porque será?

Anónimo disse...

"Era um claro exagero o ensino básico tradicional baseado na mera memorização de nomes de reis e de rios." Era um exagero porquê? Memorizar não faz mal nenhum...Tem um problema (problema?): fortalece a memória (diz o Prof. Castro Caldas e comprova-o milhares de pessoas).
Pode ser que o autor responda e nos instrua ou... não.

Anónimo disse...

Caro Pedro Pereira:
O que diz passa-se neste blogue e em muitos. Uns intelectuais desabafam, em geral à pressa pois têm de ter ideias sobretudo e depois têm uma audiência de comentadores que, salvo raras excepções, incensam os génios. Cada um frequenta e comenta no blogues onde encontra o que quer ouvir. Aliás eu faço o mesmo. Mas ninguém é obrigado a ir cheirar nos blogues. Deixemo-los...hoje vive-se na época da quantidade. Já viu que na avaliação universitária, por exemplo, o que conta é o número de publicações, não a sua qualidade? Para se dar nas vistas o que importa é fazer o nome aparecer em muitos blogues.
Alguns preferem o anonimato. São chamados de cobardolas mas por acaso é entre os comentáriso anónimos que se encontram os mais notáveis. Por isso alguns donos de blogues pensam acabar, ou já acabaram, com os anónimos. No meu caso (espero que me chamem cobardolas) não assino por simples timidez.

António Pedro Pereira disse...

Caro Anónimo [Comentário de 12/10, 23:21]:

Cinco clarificações ao que disse:

1.ª - É evidente que cada um frequenta os blogues que quiser, mas como espaços públicos de discussão e de reflexão, podemos neles deixar as nossas críticas, desde que feitas de forma educada, não sejam insultuosas e tenham fundamento.

2.ª – Eu nunca frequento apenas os blogues em que possa ler só o que quero ler. Procuro muito os que apresentam pontos de vista bastante diferentes dos meus (não estou nem nunca estarei absolutamente seguro da «verdade» dos meus pontos de vista), pois é a partir do confronto que vou formando e refazendo permanentemente os meus pontos de vista.

3.ª – Sobre a crítica que se pode intuir no seu comentário em relação ao autor do Post, de «desabafar à pressa» e outras considerações sobre a vida universitária, devo dizer-lhe que não a subscrevo nem numa única vírgula. Tenho a maior consideração intelectual pelo Prof. C. Fiolhais (não tenho consideração pessoal porque não o conheço pessoalmente), a sua obra e acção como cientista falam por si. O que não quer dizer que concorde com tudo o que afirma, e concretamente alguns aspectos do Post sobre Educação e outras afirmações suas noutros contexto sobre o mesmo assunto.

4.ª – Quando comentei o Comentário de Paulo J. foi apenas para o alertar para que não esperasse o que não poderá encontrar aqui, tal o empenhamento e a sinceridade que pôs nas suas palavras.

5.ª – Não concordo de todo com anonimatos, seja onde for, devemos sempre dar a cara.

Anónimo disse...

Eu sou professora de Matemática. Se não soubesse tudo de cor e salteado não sei como daria aulas.
Laura Soares

Anónimo disse...

"podemos neles deixar as nossas críticas, desde que feitas de forma educada, não sejam insultuosas e tenham fundamento." É o Portugal do respeitinho? Pensei que estava em vias de desaparecimento.

Anónimo disse...

Caro anónimo das 13:36: parece que você lê as crónicas do Pulido Valente. Até concordo com ele neste ponto: temos a mania de andar a pôr regras a tudo quanto é debate. Ele deve ser educado, ter fundamento etc. Lembram-se disto os que tenham para aí quarenta e tal anos?

António Pedro Pereira disse...

Senhor Anónimo [13:36]:

Depreende-se do seu comentário que não concorda com a minha afirmação:

«… podemos neles deixar as nossas críticas, desde que feitas de forma educada, não sejam insultuosas e tenham fundamento.»

Portanto, considerará correcto que as críticas sejam feitas de forma mal-educada, sejam insultuosas e não tenham fundamento.
Nada que não seja comum, aliás, na maioria dos blogues da nossa blogosfera.
Essa é uma das razões porque cada vez menos os frequento, muito menos os comento; o Rerum Natura, felizmente é uma excepção neste aspecto. Quando não concordo com algumas coisas que aqui se publicam isso tem apenas que ver com as ideias, com a substância das afirmações.

De seguida, e de forma abusiva, faz uma analogia entre o que eu disse e o conceito salazarista de «respeitinho»?
É sempre arriscado fazermos comparações anacrónicas, pois, por mais perspicazes que sejamos, nunca conseguiremos saber verdadeiramente as reais intenções com que os outros fazem determinadas afirmações.

Anónimo disse...

Caro anónimo das 08:18: olhe não me insulte.

Anónimo disse...

Anónimo das 10:09: Estou a perceber, dizer que você não insulta já é para si um insulto. Começa a complicar-se se quisermos pensar até ao limite...

António Pedro Pereira disse...

Senhor Anónimo [das 10:09]:

Eu não sou anónimo, assumo sempre as minhas afirmações (chamo-me António Pedro Pereira), não obrigo os restantes comentadores a acrescentarem horas para identificar nos meus comentários.

Depois, diga-me, por favor, em que é que o insultei.

Anónimo disse...

O anónimo das 11:30 já deu a resposta. Isto complica-se com tanto anónimo. Desisto. olhe eu chamo-me João da Silva Santos e Cunha. Agora na vez da hora terão de pôr o nome que é bem mais comprido.

Anónimo disse...

Se em vez do nome passássemos todos a utilizar o número de contribuinte e mais nada. Para quê João ou António? Há tantos e número de contribuinte há só um.
Com os meus cumprimentos
vosso
253 738 004

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