Texto recebido de António Mota de Aguiar:
O seu nome foi Manuel António Gomes. Porém, durante a sua passagem pelo Seminário de Braga, por ser muito alto, os seus colegas alcunharam-no de Himalaya, nome que guardou para o resto da sua vida.
Filho de agricultores, o Padre Himalaya nasceu na pequena aldeia de Cendufe, concelho de Arcos de Valdevez. Ainda criança trabalhou na terra e pastou o gado, o que lhe terá despertado o interesse pela Natureza.
Aos 14 anos entrou no Seminário de Braga para continuar os estudos, tendo, durante os anos de estadia aí, lido muitas obras de ciência, adquirindo o gosto pelo experimentalismo, que anos mais tarde o ajudará nos estudos científicos. Foi ordenado padre em 1890, tinha 22 anos.
Após o seminário, seguiu para Coimbra, onde se tornou capelão no Colégio dos Órfãos. Algum tempo depois partiu como missionário numa longa caminhada por países africanos, mais tarde pela Ásia e pelas Américas, do Norte e do Sul.
Embora autodidacta, pois não se lhe conhecem estudos científicos superiores, o padre Himalaya foi um homem de ciência, tendo feito ao longo da vida incursões em vários ramos do saber: energia solar, geologia, sismologia, medicina, etc. Mas o seu feito científico mais célebre foi a invenção de uma máquina solar a que deu o nome de Pyrheliophero, engenho que experimentou em Portugal e nos Pirenéus orientais franceses, antes de, em 1904, levar a sua invenção à Exposição Internacional de São Luis, nos Estados Unidos, assim descrita pelo Padre Mariotte:
“(…) Os Estados Unidos quiseram fazer em São Luís um balanço mundial do progresso, abrindo uma exposição universal que, ainda mesmo com o seu monumental fiasco, foi um grande acontecimento industrial” (Amadeu de Vasconcelos, Padre Mariotte, Tipografia Ocidental, Porto, 1905), p. 269
Pode-se dizer que a ideia do Padre Himalaya, em 1900, era genial: ele queria generalizar uma energia gratuita, renovável. O seu engenho despertou enorme curiosidade e admiração na Exposição de São Luis.
Diz-nos ainda o padre Mariotte:
“O Sol é o supremo regulador da vida no nosso globo, o motor imenso de energia multipartida…”. (…) Porque não utilizar ‘directamente’ parte desta energia antes do que ir buscá-la modelizada às variadas formas em que ela se oculta?
Assim o pensou um ilustre português, o rev. Padre M. A. Gomes Himalaya que conseguiu vencer as enormes dificuldades que eriçavam o problema e que têm desafiado a hábil técnica de muitos e sábios experimentadores, dando-nos una temperatura superior aos 3500º do forno eléctrico. Ao Sol, pois, vai o ilustre inventor buscar uma força calorífica de milhares de graus, por meio de um aparelho por ele denominado pyrheliophero.”, p. 277.
Se o pyrheliophero, tal como o padre Himalaya o concebeu, não foi para a frente, ele despertou um grande interesse pelas energias renováveis, tendo em França deixado raízes, pois existem ainda hoje “Les Amis du Père Himalaya”, defensores das “energies positives et renouvables”, que advoga a racionalização científica da energia.Inventou também explosivos com fins agrícolas, a que deu o nome de Himalayte, defendeu a agricultura sustentada, a irrigação descentralizada das terras e uma arborização ampla e diversificada, tornando-o um ecologista consequente.
Mas as suas pesquisas científicas abrangem ainda outras áreas: terá mesmo inventado um canhão e feito alguma incursão na medicina. Sobre o canhão que o padre Himalaya terá inventado sabe-se pouco e sobre a sua incursão em medicina ainda menos.
O seu principal biógrafo, Jacinto Rodrigues (A Conspiração Solar do Padre Himalaya, Árvore - Cooperativa de Actividades Artísticas, Porto, 1999) entrevistou o médico José Crespo, já falecido, que conheceu pessoalmente o padre Himalaya e que só não escreveu sobre ele por “infelizmente já não ter forças para concluir a biografia que me propunha escrever”.
Dessa entrevista ressalto:
“Muitos dos seus conselhos terapêuticos são perigosos!...(…) O padre Himalaya condenava a intervenção dos tratamentos químicos e contra a pneumonia propunha então compressas de queijo branco!... (…) O Dr. Crespo (…) contou-me histórias cheias de graça sobre motores a gás pobre e o carro que o padre Himalaya construiu em Palhais. Falou-me longamente das experiências de fazer chover, com canhões, do uso dos explosivos na agricultura, de complicadas turbinas para a utilização da energia das marés e de vários modelos de moinhos de ventos.
Referiu ainda as pesquisas geológicas do padre Himalaya e os seus planos de irrigação, fazendo estas considerações:
- O padre Himalaya era um misto de Júlio Verne e Edison. Não tinha talvez capacidade de materializar as invenções como fez o inventor americano. Não teria, certamente, os mesmos meios económicos. Mas também pode ser que a sua imaginação fosse excessivamente fantasiosa para se tornar operativa!...”, p. 19.
Terá sido o padre Himalaya um grande inventor? Possivelmente nunca o saberemos, porque a maior parte dos seus trabalhos se perderam, incluindo as suas cartas e a história da sua vida pelos continentes em que viajou, em parte destruídos por um seu familiar, desconhecedor do valor histórico da documentação que queimara.
Contudo, foi sem dúvida um curioso da ciência, um experimentalista, por quem se interessou o Prof. Mário Silva, talvez para trazer a sua obra para o Museu da Ciência e da Técnica de Coimbra.
O padre Himalaya foi um homem de vasta cultura, viajou pelo mundo, conheceu outras religiões, mas manteve-se sempre no seio da Igreja Católica, embora crítico por a Igreja proibir o casamento dos sacerdotes. Foi um homem de fé, “que viveu quase à margem da Igreja sem nunca ter abandonado as suas convicções espirituais,” servidor da Igreja, a quem muito deu e da qual pouco recebeu em troca. “Sempre declarou que o fim último dos seus estudos era «a glória de Deus e o bem da Humanidade».
Morreu no dia 21 de Dezembro de 1933 em Viana do Castelo, acompanhado pela sua governanta, Rosa Cerqueira. Teve pouca gente a acompanhar o funeral. O Primeiro de Janeiro publicou a seguinte notícia:
“(…) Foi muito comentada a ausência de elementos católicos neste funeral. Dir-se-ia que não se tratava de uma figura eminente da Igreja, à qual emprestara tanta glória (…)”
Defensor da energia solar, o padre Himalaya teve a intuição de que esta se poderia tornar a energia do futuro, tornando-o por isso pioneiro do que hoje chamamos ecodesenvolvimento.
António Mota de Aguiar
7 comentários:
Num tempo marcado pelo fundamentalismo (fanatismo mesmo) de muitos dos defensores das energias fósseis (em particular a nuclear), e que tão «bons» resultados têm dado no que respeita à poluição do ambiente e à destruição de ecossistemas, é quase uma heresia a publicação deste Post.
Mas é sempre bom lembrar quem gera e/ou alimenta ideias pioneiras, mesmo que «irrealizáveis» devido, por vezes, às suas fragilidades intrínsecas, mas tantas outras aos sistemas de forças/interesses que tornaram possíveis (e generalizáveis) outras ideias mais «pragmáticas».
Interessante. Muito obrigado.
António:
veja também:
The Niche Of São Tiago - O Nicho de São Tiago de JC Rodrigues
http://www.abcdeledition.com/livre-detail/livre-39.html
jornais americanos
Daily public ledger. (Maysville, Ky.) de 5-12-1904, p.3
New-York tribune. (New York [N.Y.]) de 28-12-1904, p.6
The Richmond climax. (Richmond, Ky.) de 08-06-1904, p.12 e 13
The San Francisco call. (San Francisco [Calif.])de 07-11-1904, p.1
The St. Louis Republic. (St. Louis, Missouri) de 22-06-1904, p. 13;
06-11-1904, p.13
02-10-1904, p.31
27-10-1904, p.6
The Washington times. (Washington [D.C.]) de 07-11-1904, p.12
pesquisa realizada para o ano de 1904 pela palavra chave "himalaya" em:
http://chroniclingamerica.loc.gov
atentamente
Armando:
Obrigado.
Muito interessante o post, obrigado pelas informações!!!
Ver a propósito do Padre Hymalaia a vasta obra e trabalhos diversos do prof Jacinto Rodrigues da FAUP.
Luísa Barbosa
Obrigado Armando Quintas.
Abraco
www.jcrodrigue.com
Enviar um comentário