segunda-feira, 10 de outubro de 2011

ÁGUA CADENTE!


Crónica publicada no Diário de Coimbra.

Na passada noite de 8 para 9 de Outubro, o planeta Terra, no seu movimento de translação ao redor do Sol a uma velocidade de cerca de 30 km por segundo, atravessou um “campo” de poeiras, quais grãos a aguardar sementeira. Estes grãos milimétricos são memórias em pó das passagens do cometa 21P/Giacobini–Zinner, que nos revisita de seis em seis anos (a última vez foi a 2 de julho de 2005 - a próxima está prevista para 11 de fevereiro de 2012). Diga-se, também de passagem, que este foi o primeiro cometa a ser observado por uma sonda espacial, a ICE, a 11 de Setembro de 1985. A sonda ICE aproximou-se a cerca de 7800 km do núcleo do cometa e estudou a composição da atmosfera da sua cauda resultado da interacção com o vento solar (ver aqui).

O mergulho nesta zona espacial repete, anualmente, o acontecimento astronómico divulgado por chuva de estrelas Darcónidas, assim designadas por parecerem provir da constelação de Dragão. As poeiras “darcónidas”, ao penetrarem a ionizada mesosfera terrestre (zona da atmosfera entre 50 e 85 km de altitude), incendeiam-se devido ao atrito causado pelo choque daquelas com as moléculas desta. Alguns dos seus componentes sofrem combustão com o oxigénio e os nossos olhos regalam-se com a visualização do rastro luminoso efémero, assim deixado pela “estrela cadente”.

Na antecâmara do desejo, as temperaturas elevadas vaporizam as substâncias presentes num rasto luminoso que recompensa a nossa perseverança. Moléculas de água, congeladas na poeira, sublimam-se e entram no ciclo da água do nosso planeta. Muito longe das nuvens, dos oceanos e rios, esta fonte de água sideral contribui, partícula a partícula, para a hidrosfera que acolheu o desenvolvimento de vida na Terra.

Nesta janela que vos abro, a complexidade e diversidade da vida neste planeta e a inteligência humana que as contempla e estuda estão, assim, ligadas ao brilho da visita de um cometa e às chuvas de poeiras do seu rasto, estrelas cadentes que semeiam a Terra de elementos, água e outros compostos, após tracejarem de luz o breu sideral e excitarem miríades de neurónios cerebrais!

António Piedade

3 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

E contudo, quem ensinar biologia e geologia aos meninos das escolas secundárias portuguesas tem que lhes fazer engolir que a Terra é um sistema fechado, por não haver troca de matéria através das fronteiras do nosso Planeta.
É o que poderíamos chamar de "actualidade científica educativa portuguesa" ou qualquer outra calinada equivalente.
E isto é tão extraordinário que já saiu em exames, com o objectivo de que os alunos referissem o que acima é mencionado.
Sem incomodar (quase) ninguém.
Digam(-me) agora que não estamos (há muito, desde sempre?...) no bom caminho?
E tão bons somos que nem temos tido dificuldades em encontrar o melhor professor (do ensino secundário) de cada ano letivo. Mesmo sem prémio. Ainda que de 500 euros. E dessa maneira se evita novo escândalo (e respectivo "escabeche") a somar ao que por aí vai, quase suplantando o problema da dívida soberana (?) e dos buracos orçamentais.

Era uma vez um país...

Um amigo meu diz que se devia ir a Guimarães e, na frase, inscrita na muralha, que afirma: "Aqui nasceu Portugal" apôr uma vírgula e acrescentar:

"E nasceu uma grande coisa!"

E eu propûs-lhe que, de seguida, se chamasse Alberto João Jardim para que, sobre o assunto, se recolhesse e registasse a sua ponderada opinião.

Apresentaria desculpas, se elas fossem aceitáveis, mas a paciência não dá para mais.
Com pesar.

António Piedade disse...

Caro José Batista da Assunção

Sinto a sua mágoa e digo-lhe que é de forma oposta ao estado da situação que refere, que escrevo.
Espero poder ajudar, humildemente, pelo menos a sinalizar a má navegação.

Um abraço

António Piedade

José Batista da Ascenção disse...

Meu caro António Piedade

Bem o sei, bem o sei.
É em escritos como os seus, na sua pedagogia (a que eu chamo verdadeira pedagogia), na sua poesia, na sua persistência formativa, nas suas acções de divulgação e até na sua bonomia e na sua simpatia que eu e outros ainda vamos buscando alguma esperança e algumas energias.
Coisa que acho grande é também a sua humildade, sensível e educada.
O senhor faz parte daquele conjunto de pessoas boas que elevam a dignidade do país.
Creia que é enorme a sua ajuda.
E por isso lhe sou imensamente grato.
Com muito gosto, retribuo o abraço.

PS: Quem vir neste comentário adjetivação superlativa, faça o favor de tomá-la como prova genuína de que o autor destas linhas não vê só desgraças em tudo e em todos.

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