terça-feira, 3 de novembro de 2009

Paideia

A Educação é uma preocupação em qualquer sociedade organizada que valorize a intervenção cívica e democrática dos cidadãos. Nela se continuam a projectar as expectativas económicas, sociais e culturais de cada nação. Através das opções e da estruturação do sistema educativo poder-lhe-emos tomar o pulso.

É na Grécia antiga que começa a História da Educação e, nessa medida, conhecer essas origens dá sentido à nossa realidade. De facto, são os Gregos quem, pela primeira vez, problematiza o conceito de educação: na literatura grega vêem-se sinais claros disso na poesia, na tragédia ou na comédia. É no século V a. C., com a Sofística, com Sócrates e Platão, com Isócrates e Aristóteles, que esse questionamento se torna central na Filosofia.

Os ideais educativos da paideia – que era o modo de garantir uma intervenção digna, justa e boa, sendo treinada na liberdade e nobreza de carácter (ethos) – desenvolvidos nesse século baseiam-se em práticas educativas muito anteriores, mas é nessa época que eles são debatidos, reordenados ou ampliados.

Assim, o homem kalos kai agathos, por definição «belo e bom», é o modelo do cidadão educado na ginástica, na música, na geometria e na gramática. Platão define paideia como «(...) a essência de toda a verdadeira educação ou paidéia é a que dá ao homem o desejo e a ânsia de se tornar um cidadão perfeito e o ensina a mandar e a obedecer, tendo a justiça como fundamento». Isócrates, no seu discurso A Demónico, lembra que «só os que seguirem este caminho é que serão capazes, no sentido genuíno da palavra, de chegar à virtude, o mais sagrado de todos os bens».

Porém, Jaeger, na sua obra Paideia, discute a dificuldade de transposição para a sociedade moderna de uma realidade muito complexa, que abarca conceitos tão diversos como os de cultura, literatura, civilização ou educação.

Esta viagem de breves linhas até autores helénicos conduz-nos à pergunta: que escola queremos para os nossos alunos? O que lhes devemos ensinar? Como os devemos ensinar? Penso que este conceito de paideia tem subjacente uma verdade intemporal. Hoje, tal como ontem, deveríamos querer que os alunos sejam capazes de uma cidadania responsável, tendo para isso de ser proficientes em diversas áreas. Deveriam conhecer suficientemente tanto as ciências como as humanidades, crescendo na virtude e na inteligência. Só assim poderão ter «a justiça como fundamento».

Qualquer modelo no qual os estudos humanísticos e científicos não sejam fortes e complementares fraquejará em vitalidade e integralidade. E fraquejará porque será apenas mais um modelo de moda, temporário. O pulso da nação começará a faltar.

11 comentários:

Carlos Pires disse...

A "dificuldade de transposição para a sociedade moderna" dessa concepção de educação reside sobretudo no facto de tentarmos (bem, na minha opinião) que a escola seja para todos. Essa universalidade da escola é, suponho, algo inédito em termos históricos.
Uma escola destinada a todos será compatível com a tentativa de formar o ser humano «belo e bom»?

alexandra azevedo disse...

A democratização do ensino não deve ser motivo para afastarmos da escola a qualidade científica humanista, estética ou moral. Na verdade, será paradoxal se assim for, se o critério de chegarmos a todos, nos obrigar a diminuir os horizontes que abrimos. A escola tem uma obrigação inalienável para com todos os que a integram - o dever de educar.

Rui Baptista disse...

Prezada Alexandra:

Aproveitando para a saudar pelo seu oportuno"post", julgo que ele vai ao encontro de uma formação humanística que contemple uma formação científica e vice-versa (enfim, ao serviço de uma verdadeira Cultura) contemplada na frase lapidar de Abel Salazar - professor catedrático de Medicina , falecido em 46, homem de muitos e profundos saberes, homenageado com a atribuição do seu nome ao Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade do Porto - , que cito de memória:

"Um médico que só sabe de Medicina, nem isso sabe!"

Carlos Pires disse...

Alexandra:

Não nego o valor do ideal. Apenas perguntei se será realizável.

Outra questão:
na formação humanística e na formação científica que referiu há lugar para um ensino profissionalizante?
E se certas pessoas estiverem interessadas num ensino apenas profissionalizante, deverá o Estado impor-lhes uma formação mais completa?

Cumprimentos.

Anónimo disse...

É preciso não esquecer que o modelo de educação de Platão era para servir um estado totalitarista, cujos cidadãos existiam para o servir.

Nan disse...

«Uma escola destinada a todos será compatível com a tentativa de formar o ser humano «belo e bom»?»
Com a tentativa, certamente que sim, com o êxito é que talvez não.
A escola pode e devia fornecer esse modelo, do belo e do bom. Pelo menos para que quem não pode contactar com ele em mais lado nenhum saiba que ele existe. Mas a escola tem também que poder impor limites e regras. Leram bem: impor a quem não traz de casa esse mínimo de civilização. Como está actualmente, a escola chegou a um beco sem saída: está impedida de impor regras e limites, e o modelo do belo e do bom foi baixando de exigência devido à ideia fascizante de que devemos exigir menos dos pobres porque são pobres, ideia que, estranhamente (ou não?) foi defendida pela esquerda.
Ana Gualberto

Anónimo disse...

Obrigada pelo seu post.
Quando terminei o meu curso (científico) a minha Mãe (das humanidades) ofereceu-me "Paideia" do Jaeger. Livro a recomendar cada vez mais.
Será possível que a massificação do ensino não nos obrigue a "assucatar" o produto? Sim, mas é muito difícil.
Helena Cabral

Anónimo disse...

Todo o ensino que elege bíblias como a Paideia como leitura obrigatória para ser bovinamente repetida é uma fraude.

Anónimo disse...

Sobre a educação ou a nutrição do espírito,

O mundo da cultura, segundo Kant (Barata Moura, 2007), é sobretudo o mundo da educação, da nutrição do espírito e os seres humanos são as únicas criaturas que têm de ser educadas. Neste contexto de raciocínio, cultura é sinónimo de saber, mas é também a massa, a rapidez e a interactividade e a sua acumulação numa relação constante entre património, novidade, tradição e modernidade (Wolton, 2000).
A identidade cultural, é um sentimento influenciado pela pertença a um grupo, cultura ou a um indivíduo, é a procura de sentimentos que se assemelham à pessoa. Deste modo, identidade é igualdade.

Abç,
Madalena Madeira

Leonardo disse...

Alexandra,

Muito oportuna sua reflexão, mesmo para nós aqui do outro lado do "mar sem fim". Não acredito que o melhor para a educação seja criar um modelo ou até se espelhar em um (no caso dos clássicos). Na verdade deveríamos ter escolas que suprissem as necessidades de cada grupo, cidade, sociedade, família etc. conforme eles as escolhessem.

Tenho um lema para a educação:

Educação livre, educadores livres!

Vejo que nós, povos irmãos, temos problemas bem semelhantes!

Fartinho da Silva disse...

Concordo em absoluto com a Nan e acho muito giros e irrealizáveis quase todos os restantes comentários!

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...