domingo, 22 de novembro de 2009
O papel da escola
Há uns dias, o nosso leitor Fartinho da Silva endereçou-me quatro perguntas, três das quais são as que seguem: Qual o papel da escola? Qual o papel do professor? Qual o papel do aluno? Admitindo que as respostas são múltiplas, procurarei responder centrando-me na primeira.
1. Se indagarmos o surgimento da escola, percebemos que ele se associa à necessidade que, como Humanidade, cedo se nos impôs de transmitirmos às novas gerações os saberes que, por um lado, se revelavam úteis à sobrevivência e, por outro lado, afirmavam a nossa especificidade como pessoas. Caso esses saberes se perdessem, as novas gerações teriam de partir do zero ou de algo próximo do zero, arriscando a própria subsistência da espécie.
Considerando que a brevidade da nossa existência contrastava com a incessante ampliação dos saberes, muitas sociedades resolveram depositar a responsabilidade da sua organização e transmissão em determinados sujeitos que, num período de tempo restrito, preparariam os mais jovens nos desígnios estabelecidos por essas sociedades. Esse passou a ser o papel daqueles que designamos por professores.
2. Tal cenário, apesar de mais ou menos estável, não tem tido apenas uma direcção. Na verdade, logo na Antiguidade e no seio duma mesma sociedade, surgiram dissensos relevantes quantos aos fins da educação, os quais originaram diversas escolas: a socrática e a sofista; a platónica e a aristotélica, etc.
Treinar para a guerra, conduzir à verdadeira sabedoria, amar o conhecimento, dominar técnicas, preparar para a vida, submeter vontades, conquistar a bondade e a felicidade… são alguns dos papéis que, desde então, temos solicitado à escola. Cada um deles determinando, naturalmente, o papel do professor e do aluno.
3. Podemos, pois, dizer que as perguntas postas pelo leitor surgiram com a própria ideia de escola, tendo-se mantido vivas até à actualidade, o que constitui um aspecto positivo, pois obrigam-nos a questionar constantemente os intentos e os caminhos que, como sociedade, traçamos para a educação formal.
4. Como o leitor põe a tónica no presente, penso que a resposta que tendemos a dar é a seguinte: a escola deve permitir que os alunos desenvolvam competências que lhes permitam resolver problemas complexos e exercer várias funções, num mundo de crescente exigência e em constante mudança. Desta maneira, o papel do professor não será tanto o de transmitir conhecimentos, mas mais o de organizar ambientes nos quais os alunos construam as suas aprendizagens que se revelam significativas; imputando-se-lhe igualmente um papel activo, que se traduz na participação em todos os passos do seu processo educativo e formativo, da planificação à avaliação.
5. Essa resposta não é nem pode ser, no entanto, a única possível, porquanto nela se omite um papel que, quer o admitamos ou não, está intimamente ligado à escola: transmitir conhecimentos a que atribuímos valor e que, nessa medida, entendemos que devem perdurar, sendo que nessa transmissão, sabemos hoje com provas empíricas, podemos desenvolver as capacidades cognitivas, relacionais ou motoras, que, em potência, trazemos connosco à nascença.
Por outro lado, essa transmissão não pode estar apenas virada para o desenvolvimento de cada sujeito, em particular, pois tem de estar também virada para a sociedade, no sentido de nos permitir melhorar ou pelo menos manter os nossos padrões de bem-estar, bem como para a humanidade, no sentido de preservarmos o que conseguimos construir até ao presente e de prepararmos o que podemos construir no futuro.
Em suma, entendo que o papel da escola, no seu sentido mais geral, foi, é e continuará a ser a preparação de crianças, jovens e adultos em conhecimento, pensamento e acção para que possam decidir de forma esclarecida, livre e responsável.
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4 comentários:
Creio que é isso mesmo, Helena. Creio que Educação é o processo de libertação humana das pessoas, desenvolvendo as suas atitudes e fornecendo‐lhes as competências necessárias para uma vida autónoma e resiliente . Nunca educamos verdadeiramente ninguém enquanto esse alguém não se libertar de nós.
Excelente texto, obrigado.
O quarto parágrafo contém os principais erros da escola actual: "o papel do professor não é transmitir conhecimentos", ..."os alunos constroem as suas próprias aprendizagens"... ..."que se revelam significativas", participam "em todos os passos desde a planificação à avaliação". Foi assim que chegámos onde estamos. Ou também assim. Ao ler o livro "O eduquês em discurso directo" fiquei com a ideia de que as metas que aponta são outras, e é com essas que me identifico. E o início do parágrafo parece-me tímido, ao afirmar que "essa resposta não é a única possível". Eu creio que vai sendo tempo de gritarmos: Não só não é a única resposta possível, como não é a resposta adequada nem desejável! Obviamente, o professor tem que transmitir conhecimentos, porque isso em nada colide com, nem impede nem perturba, a participação do aluno. Os alunos constroem as suas aprendizagem quando lhes fornecem (por indicação, sugestão ou transmissão, etc. ) as bases necessárias. Suponho que não é preciso vivermos muito tempo para nos envergonharmos de expressões como "aprendizagem significativa", quando assumirmos que a aprendizagem é boa ou menos boa e que não precisa de outros qualificativoa (o Ausubel havia de perdoar-me, se soubesse que existo). E quanto aos alunos participarem na avaliação dá, entre outras coisas, origem a mitos com consequências como o da auto-avaliação, quando todos sabemos que a natureza humana é como é, e que ninguém deve ser juíz (avaliador) em causa própria, em nenhuma circunstância. O mundo e a vida em geral não se compadecem com a mentira em que transformámos as escolas. E são os próprios alunos a rirem-se de teorias tão patetas, e mesmo eles percebem que há muita gente que não dá aulas, nem seria capaz de as dar, pelo menos no ensino secundário, tendo embora que porfiar na profissão de que retira os proventos. Pode, sem exagero, dizer-se que vivemos num faz de conta em que nem os diversos protagonistas acreditam. É tudo muito cinzento e triste. Estamos todos reféns do "educacionalment correcto" que transformou as escolas em "organizações aprendentes", seja lá isso o que for...Eu sou daquels que prefiro para os meus filhos "organizações ensinantes" (se me é permitido criar neologismos inconvenientes...). Depois criam-se nas escolas coisas aberrantes, como a área de projecto, que muitos professores e alunos tratam por "área dejecto" mas que todos são obrigados a suportar e a fazerem de conta que funciona: os professores fazendo de lorpas, sem se importarem muito com trabalhos tão perfeccionistas que sabem não ter sido os alunos a fazer, e os alunos a gabarem as virtudes da "disciplina" nas alturas da famosa "autoavaliação". Bem andam, nisto como noutras coisas, as escolas privadas, que os pais pagam a peso de ouro e em que exigem que os filhos sejam mesmo ensinados, porque é com o que lhes ensinam que eles depois constroem alguma coisa de útil, se estudarem. Esse é o construtivismo que interessa. O que sai do trabalho, e mais trabalho e mais trabalho e menos da farsa em que transformámos a escola pública.
Tal como afirma José Ascenção, o 4º parágrafo levou ao completo absurdo de "escola" pública que temos hoje!
Filho meu nesta "escola" pública de "aprendentes", do processo "ensino-aprendizagem", do "professor" que "orienta as aprendizagens significativas", do "aluno" que participa na sua própria "avaliação", etc., etc. nem pensar!
Cara Helena Damião, hoje há famílias que pagam cerca de 800 euros de propinas mensais para que os seus filhos possam ter uma escola onde os professores ensinam, os alunos estudam e os pais educam!
Cara Helena Damião, já pensou bem que estamos a falar de miúdos e miúdas com seis anos de idade? Ou de adolescentes com 15 anos de idade? Desde quando é que um miúdo de 6 anos de idade é capaz de descobrir um algoritmo que alguém com 50 anos demorou 15 anos a descobrir? E como pode um jovem de 12 anos descobrir alguma coisa orientado por um "professor" se tem ao seu lado mais 27 jovens? E não vale a pena falar em miúdos excepção, porque não é só com miúdos excepção que se faz avançar um país!
Não posso estar mais de acordo com o que escreve o José Batista da Ascenção.
M. Helena Cabral
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