quarta-feira, 20 de agosto de 2008
Fatos do outro mundo feitos em Portugal
Há uns respeitáveis 50 anos, o presidente Dwight Eisenhower assinou o National Aeronautics Space Act, criando com um pequeno gesto da caneta aquela que hoje é a mais conhecida agência espacial do mundo. A NASA é especialmente conhecida do grande público pelas missões espaciais tripuladas e pelas sondas exploratórias que excitam o imaginário colectivo com missões como as da sonda Fénix ou das sondas Voyager.
Um conceito proposto pela NASA «To grasp the wonders of the cosmos, and understand its infinite variety and splendor» foi fundamental no avanço da astronomia e no nosso conhecimento do Cosmos: os grandes observatórios espaciais - compreendendo os quatro telescópios espaciais Hubble, Chandra, Compton e Sptizer - que permitem olhar para as maravilhas do cosmos em quatro comprimentos de onda.
Mas os benefícios práticos derivados de cinco décadas de investigação tecnológica e aeronáutica, investigações científicas na Terra e no espaço, tiveram uma imensa repercussão no mundo moderno que por vezes não é tão visível quanto as anteriores.
No post anterior referi um desses benefícios, a energia solar que promete ajudar a resolver o problema energético com que o mundo se debate. Mas os benefícios indirectos da corrida espacial vão desde o isolamento de ambientes, que permite que as nossas casas possam ser mais eficientes energeticamente, às aplicações médicas dos programas Mercury e Gemini que desenvolveram sofisticados sistemas para acompanhar as condições fisiológicas dos astronautas. Actualmente, esta tecnologia espacial é absolutamente indispensável nas Unidades de Cuidados Intensivos e unidades cardiológicas especializadas em todo o mundo desenvolvido.
De igual forma, muitos se maravilham com as imagens incríveis capturadas pelo Hubble mas poucos saberão que os CCDs (Charge Coupled Device, Dispositivo de Carga Acoplada) que permitiram a fabulosa imagem da galáxia do Sombrero a milhões de anos-luz da Terra são fundamentais hoje em dia, por exemplo, na detecção do cancro de mama.
Numa altura em que muitos, nomeadamente os nossos media, se focam nas performances dos atletas portugueses nos Jogos Olímpicos, é interessante referir a contribuição da NASA (com uma ajuda portuguesa) na disciplina olímpica que mais tinta tem feito correr. Refiro-me em concreto à natação e, claro, à prestação simplesmente fabulosa de Michael Phelps, o atleta norte-americano que se estreou aos 15 anos nos Jogos Olímpicos de Sydney e oito anos depois conseguiu bater o recorde do lendário Mark Spitz em Munique com oito medalhas de ouro.
Mas não foi apenas Phelps a bater recordes. Alan Thompson, o técnico da equipa australiana, referiu a propósito dos 24 recordes mundiais batidos:
«Tentam achar uma série de explicações para tantos recordes. A verdade é que os nadadores estão cada vez mais rápidos e os treinadores estão cada vez melhores».
Não querendo desmerecer os devidos méritos de treinadores e nadadores, importa referir que a natação é talvez a disciplina onde a ciência tem tido a palavra mais importante na pulverização de recordes. Essa investigação não se restringe à investigação biomecânica que muito contribuiu para a evolução técnica que apreciámos. Para além disso, todos os que como eu seguiram as transmissões das provas de natação ouviram certamente muitos louvores aos contributos da física para os feitos alcançados, nomeadamente no desenho revolucionário do Cubo de Água que será certamente emulado em todo o mundo.
Mas um factor não despiciendo a ter em conta são os fatos dos nadadores, quiçá os mais revolucionários desde que um obscuro estilista francês, de seu nome Louis Reard, provocou um efeito na moda feminina de banho comparável ao que se verificaria em Julho desse mesmo ano, 1946, no atol de Bikini.
De facto, a maioria dos nadadores que esmagaram recordes fizeram-no dentro de fatos Speedo LZR Racer desenvolvidos pela Speedo com o auxílio da NASA e de vários nadadores, entre eles nada menos que Michael Phelps.
Steve Wilkinson, o engenheiro aeronáutico do centro Langley da NASA, na foto inicial com Katie Hoff e Natalie Coughlin, ajudou a desenvolver este fato extraordinário, fabricado na Petratex, uma fábrica localizada em Paços de Ferreira. Wilkinson testou no seu túnel de vento cerca de 60 amostras de tecido diferentes (ou padrões diferentes do mesmo tecido, em que sulcos pequenos, quase invisíveis, são aplicados ao tecido para reduzir o atrito e a resistência aerodinâmica).
Os resultados dos testes da NASA foram fundamentais à equipa de investigação e desenvolvimento da Speedo, a Aqualab, no design do fato vestido por Phelps e introduzido apenas em Fevereiro deste ano e que mesmo antes de Pequim já tinha ajudado na queda de 48 recordes mundiais. Agora que as provas olímpicas de natação estão terminadas, as estatísticas são ainda mais esmagadoras: basta referir que dos 77 recordes mundiais estalecidos desde Fevereiro, 71 foram-no dentro de um Speedo LZR Racer.
De facto, o atrito e/ou a fricção na pele dão conta de cerca de um terço da resistência ao movimento sentida pelos nadadores e, de acordo com a Speedo, estes fatos em relação aos anteriores reduzem o atrito em 10% e aumentam a «eficiência de oxigenação» em 5%. Em 1972, Spitz nadou os 200 metros livros em 1 mn e 52.78 s, quase 10 s mais que o recorde estabelecido por Phelps no passado dia 12, 1 mn e 42.96 s. Podemos apenas pensar nos tempos que Spitz poderia ter feito se o Speedo fosse outro...
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
CARTA A UM JOVEM DECENTE
Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente . N...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
8 comentários:
Palmira,
Minuto no SI é "min" e não mn; e se fosse mn não seria 1nm, mas sim 1 mn, com espaço.
Palmira,
As metodologias de treino evoluíram, sendo referido com pouco destaque neste post; não foram só os fatos, ou as infraestruturas de competição.
Para mim continua a ser "muito barulho por nada". Mais um belo exemplo de sermos os "escravos fabris" da Europa... O fato é PRODUZIDO em Portugal mas pensado e desenhado por engenheiros e investigadores estrangeiros! De que lado fica a patente? De que lado fico o conhecimento? Pois... Contos destes não faltam em Portugal e como a ficar cansado desta publicidade enganadora... O que falta é produtos pensados e desenhados por portugueses e em Portugal de maneira a ficarmos com as patentes e com o conhecimento, de maneira a termos produtos inovadores que mais ninguém possa imitar a não ser pagando para isso.
Alvares:
A patente é portuguesa, como indica um dos artigos de que deixei o link.
IUG:
já acrescentei o espaço que faltava no primeiro tempo, obrigado pela detecção da gralha :)
palmira:
Obrigado e desde já peço desculpas pela leitura "menos atenta".
Encontrei este link interessante sobre a questão da patente do fato:
http://www.marcasepatentes.pt/index.php?action=view&id=73&module=newsmodule
Não importa se a patente é portuguesa. Se há distinções genéticas nas características do génio humano, elas não estão decerto correlacionadas com virtualidades voláteis como nações e civilizações.
Mas se o fato é assim tão impressionante, deveria ser usado por todos os nadadores da competição, pois o que queremos ver avaliadas são as suas capacidades e disciplina de treino.
Claro que o treino em si beneficia de tecnologias só acessíveis a alguns países, mas enquanto dois atletas diferentes respondem distintamente a um treino idêntico, os fatos garantem a priori igual vantagem a ambos.
Carlos Daniel
Enviar um comentário