sexta-feira, 15 de agosto de 2008
Energias alternativas e aquecimento global
O debate quente sobre o aquecimento global referido pelo Desidério pode manter as altas temperaturas neste Verão há alguns dias muito morno mas, na minha opinião, passa ao lado de um ponto importante que tem pouco a ver com possíveis efeitos climáticos e mais com efeitos económicos. De facto, e como já apontei, o debate sobre as alterações climáticas centra-se essencialmente no CO2 antropogénico, mais concretamente orbita aquele produzido pela combustão de um combustível fóssil em particular, o petróleo, e são postos na prateleira os outros GEEs. Assim, as directivas da UE - mas também as preocupações do encontro em Bali - incidem quasi exclusivamente na procura de fontes alternativas de energia e no aumento da eficiência energética dos dispositivos existentes (por vezes traduzidas em medidas absolutamente ridículas).
As medidas que a CE implementou, nomeadamente as metas que pretendem que em 2020 sejam obtidos de fontes renováveis 10% do combustível usado nos meios de transportes e 20% da energia produzida, não foram alteradas apesar de a primeira meta se ter revelado totalmente contraproducente. Os problemas dos biocombustíveis que se pretende substituam derivados do petróleo, abordados com alguma frequência no De Rerum Natura, são há muito apontados por diversos analistas mas isso não impediu a sua «venda» ao público em geral como uma energia «verde» salvadora do planeta. Na minha opinião, a «febre» dos biocombustíveis primários só será debelada a (relativamente) breve trecho com o remédio que resolverá a dependência do petróleo dos meios de transporte - e ditará provavelmente a morte dos motores de combustão interna. A solução que me parece mais provável, o motor eléctrico, remete para o verdadeira questão «quente» em todos estes debates: a necessária ruptura em relação ao actual paradigma energético.
De facto, o que me parece estar subjacente a muitas destas medidas não são apenas preocupações ambientais - que são utilizadas para justificar e «amenizar» o seu impacto no bolso dos eleitores - mas sim questões económicas e, provavelmente, geo-políticas. O paradigma energético actual é completamente dependente do petróleo (o que por seu lado implica uma dependência dos países produtores de petróleo). Esta dependência tem como consequências, para além das questões ambientais, aquelas de que os últimos tempo foram uma advertência, nomeadamente a instabilidade política e a crise económica que se seguiram ao aumento do preço do petróleo e ao efeito cascata que despoletou: aumento dos preços, da inflação e das taxas de juro, que por sua vez levaram a uma diminuição do consumo por parte dos particulares e do investimento por parte das empresas, para além de terem reduzido a factura energética cobrada pelo estado.
Este «abanão» corroborou o que muitos aprenderam com aqueloutro suscitado pelo primeiro choque petrolífero de 1973/74 e que foi de certa forma traduzido para o público em geral como a necessidade de um desenvolvimento sustentável, o tal «development that meets the needs of the present without compromising the ability of future generations to meet their own needs» que indicava em 1987 o Brundtland Report e que o Desidério considera curioso do ponto de vista filosófico. Mas na realidade penso que para muitos os que adoptaram esta expressão quasi como ex libris da sua actuação política as gerações vindouras estão longe das suas reais preocupações. De facto, quaisquer que sejam os modelos de crescimento económico que se utilizem, quer os endógenos, como os modelos Auerbach-Kotlikoff (AK) ou Schumpeter, quer os exógenos, por exemplo o modelo Solow-Swan, o sector energético faz soar campainhas de alarme em todos os analistas, campainhas que ressoam especialmente alto em Portugal.
Os últimos meses em particular evidenciaram a enorme vulnerabilidade da economia portuguesa face ao petróleo e a necessidade de alteração de paradigma energético cá no burgo, que mais que preocupações ambientais terá como objectivo a redução dos custos médios da produção de energia directamente consumida pelos sectores produtivos da economia. Em relação a Portugal, não há dúvidas de que a fonte de energia renovável de maior potencial a curto/médio prazo é a energia hídrica. Embora sejam de incentivar tecnologias como a fotovoltaica e a eólica, não me parece provável que a microgeração de energia eléctrica possa alguma vez representar uma fatia significativa das necessidades nacionais, prevendo-se que satisfaça cerca de 0,1% do consumo eléctrico em 2010 (tese de mestrado em formato pdf).
Assim, diria que é necessária uma visão energética de longo prazo e que tem a ver com o desenvolvimento de fontes de energia realmente alternativas face às previsões de consumo, como sejam o hidrogénio, que permitiria igualmente uma muito necessária produção descentralizada de energia, e a energia nuclear. Esta última, por uma razão que nunca percebi, é quasi um tabu em Portugal como a celeuma levantada pela sua referência pelo governador do Banco de Portugal ilustra. Mas a energia nuclear não se restringe à cisão, existe igualmente a fusão nuclear e em Portugal pouco se fala no tema embora o meu colega Carlos Varandas, do Centro de Fusão Nuclear (CFN), seja o presidente do consórcio europeu para o projecto ITER (Reactor Termonuclear Experimental Internacional).
Mas o que é realmente indispensável a muito curto prazo é uma completa alteração dos hábitos de consumo de energia porque se não existem ainda respostas objectivas sobre o que será o novo paradigma energético há quase a certeza que este não assentará nas soluções actualmente disponíveis no catálogo das renováveis. Teremos assim de esperar algum tempo para que novas soluções passem da fase de investigação científica para desenvolvimento tecnológico.
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3 comentários:
"A solução que me parece mais provável, o motor eléctrico, remete para o verdadeira questão «quente» em todos estes debates: a necessária ruptura em relação ao actual paradigma energético"
Mas de onde vem a electricidade? Os carros eléctricos produzem o CO2 das centrais térmicas onde é produzida quase toda a energia que consomem. Aliás o balanço global demonstra que o processo é pouco eficiente sob qualquer ponto de vista.
"Esta última, por uma razão que nunca percebi, é quasi um tabu em Portugal como a celeuma levantada pela sua referência pelo governador do Banco de Portugal ilustra. Mas a energia nuclear não se restringe à cisão, existe igualmente a fusão nuclear"
Concordo que a cisão é o futuro. Mas que não se esqueçam que estamos a brincar com o fogo. Nenhuma companhia de seguros aceita cobrir todos os riscos de um acidente nuclear o que quer dizer que se a coisa der para o torto o estado em geral, mas principalmente os cidadãos afectados terão de pagar um custo muito elevado (que o digam os ucranianos e os bielorrussos).
Não há para já nenhuma evidência que a produção de energia com fusão nuclear controlada seja possível com a tecnologia existente. Na verdade nem com a descontrolada.
José Simões
A discussão desta questão é mais ou menos inconsequente enquanto ela não for quantificada.
Vou fazer uma primeira tentativa de a quantificar no «outramargem». Sem grandes preocupações de rigor, basicamente irei apresentar um modelo muito básico de quantificação - outros terão a oportunidade de corrigir os meus números e aperfeiçoar o modelo.
comi a tua mae
vai po karalho
.l.
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