sábado, 1 de setembro de 2007
OS GLORIOSOS MALUCOS DAS MÁQUINAS VOADORAS
Minha crónica do "Público" de ontem:
O filme inglês, realizado por Ken Annakin, com o título de cima é uma louca comédia que mostra uma corrida aérea efectuada em 1910 de Londres a Paris. Uma corrida minimamente parecida à do filme é o que esperam os mais de meio milhão de espectadores este fim de semana no Porto e em Gaia na Red Bull Air Race.
Há, porém, uma enorme diferença em rapidez e segurança entre as máquinas voadoras de antes da Primeira Grande Guerra e as actuais. Em 1910 viviam-se ainda os primórdios da aviação: Foi em 27 de Abril desse ano que um avião voou cá pela primeira vez: o arrojado piloto que sobrevoou a 50 metros de altura o Mosteiro dos Jerónimos foi o francês Julien Mamet num Blériot XI (na foto), cuja réplica se pode ver hoje no Museu do Ar em Alverca. O avião era o mesmo modelo da aeronave que o francês Louis Bleriot tinha usado, no ano anterior, para a primeira travessia aérea do Canal da Mancha, concretizando o primeiro voo internacional. Mas não dava mais do que uns míseros 70 à hora ao passo que os aviões da corrida Red Bull podem atingir uma velocidade seis vezes maior. A aviação progrediu bastante durante a Primeira Grande Guerra, tendo ficado famoso o alemão Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho, que morreu em combate aos 26 anos depois de ter vencido mais de 80 duelos aéreos. Alguns oficiais portugueses aprenderam então a voar lá fora.
Em 1912, antes da Guerra, o primeiro português a voar sobre solo nacional foi Alberto Sanches de Castro, que sobrevoou os arredores de Lisboa num Voisin Antoinette, parecido com um dos monoplanos do filme dos “gloriosos malucos”. Contudo, os mais famosos aviadores lusos foram Artur Sacadura Cabral (piloto) e Carlos Gago Coutinho (navegador, com um sextante que ele próprio adaptou), que realizaram a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, em 1922, a bordo de um Fairey F III-D (o hidroavião que chegou pode hoje ser visto no Museu da Marinha).
Castro, Cabral e Coutinho foram dignos sucessores do Padre Bartolomeu de Gusmão, o lendário português (ou melhor brasileiro, mas o Brasil era então parte do Império português) que demonstrou um aeróstato em 1709, na corte de D. João V, e terá voado na “Passarola” do Castelo de S. Jorge para o Terreiro do Paço, muitas décadas antes dos irmãos Montgolfier. Por seu lado, Gusmão seguiu a tradição de um outro herói aéreo, o pouco conhecido barbeiro João Torto, que, equipado com umas toscas asas e um barrete em forma de cabeça de pássaro, se lançou em 1540 do alto da Sé de Viseu para se estatelar no solo e falecer a seguir. A experiência deu para o torto!
Antes da invenção do radar, voar foi sempre perigoso. Sacadura Cabral, que tinha sobrevivido às batalhas da Primeira Guerra, desapareceu no nevoeiro do Mar do Norte aos 41 anos, em 1924. O brasileiro Santos Dumont escreveu de França a Gago Coutinho: “Porque não seguiu ele os meus conselhos de descansar depois de tão grande feito que foi a viagem Portugal-Brasil?” Mesmo depois voar foi perigoso. O momento mais trágico da aviação militar portuguesa ocorreu em 1955, quando oito aviões F-84 de uma esquadrilha de 12 embateram, no meio de nuvens baixas, na Serra do Carvalho, em Poiares, causando a morte imediata dos seus pilotos.
Mas amanhã, no Douro, vai ser tudo muito seguro. As mais modernas tecnologias como o GPS equipam as naves acrobáticas, que são comandadas por alguns dos melhores pilotos do mundo. As margens do rio serão um bom estádio para uma espectacular corrida que poderá parecer a dos “podracers” (os veículos com um “cockpit” ligado a dois poderosos motores, do “Starwars”). O seu vencedor será uma espécie de Anakin Skywalker (George Lukas deu-lhe o nome Anakin para homenagear o realizador dos “gloriosos malucos”). Haja pão que o povo quer é circo... Até os dois autarcas desavindos das duas margens do rio se juntaram para pagar irmãmente o “show”. Se os aviões antigos levantaram voo em Lisboa, os modernos voam entre Porto e Gaia. Vai ser um S. João diurno, onde “os balões são os abiões, carago”!
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9 comentários:
Como quase sempre acontece quando o Prof. Fiolhais escreve, há correcções de facto a fazer:
- Sacadura Cabral e Gago Coutinho utilizaram três e não um Fairey F III-D para realizarem a sua travessia do atlântico sul.
- O Barão Manfred von Richthofen morreu aos 25 anos (não 26), com 80 aviões abatidos confirmados. Sendo que a maioria destes abates dificilmente entra na categoria de duelos.
- "Antes da invenção do radar, voar foi sempre perigoso". O mesmo se poderia dizer da invenção dos estabilizadores, da direcção, do altímetro, da introdução da estrutura de metal em substituição da madeira e lona, da cabine pressurizada, etc. Sendo que, qualquer uma destas coisas é bem capaz de ter sido bem mais importante que o radar no que concerne à segurança.
- O Blériot XI, que aparece representado na imagem, atingia os 90 à hora.
Página onde certamente o Prof. Carlos Fiolhais se "inspirou" para escrever parte deste post: http://www.emfa.pt/www/po/musar/index.php?lang=pt
Teria sido mais útil ter logo dado a indicação desta página (ou de outra com os mesmo dados) ao invés de vir para aqui com mais este falsete.
Há tipos desagradáveis, que gostam de armar ao pingarelho. Bolas! Se não gosta, não visite.
O sarcasmo é verdadeiramente inaceitável.
Para além do que nada do que diz Carlos Fiolhais está errado:
- "a bordo de um...", significa que usavam esse modelo de avião e não outro.
- O barão Richthofen: (May 2, 1892 - April 21, 1918). Faça as contas.
- A velocidade máxima do Blériot era mesmo 70, apesar de existir uma versão mais rápida.
- Voar sem radar é mesmo perigoso.
Leitor atento
A velocidade máxima do Blériot que atravessou o canal da mancha era de cerca 70 km/h. Há, pelo menos, cinco modelos deste avião. Alguns podiam chegar aos 110 km/h.
A questão dos aviões abatidos é melindrosa. Confirmados são 80. Mas é bastante possível que tenham sido mais. Pelo que o termo "mais de 80" parece ser o mais correcto. Contudo, já nesta altura, muitos dos combates aéreos não eram duelos. Os combates eram realizados, normalmente, com, pelo menos, cerca de uma dezena de aviões em simultâneo.
- Voar sem radar pode ser perigoso. Mas, ainda assim, prefiriria voar num Fokker D VII do que num Fokker E. III com radar. Penso que concordará comigo.
O que me faz mais confusão é afirmação que o primeiro voo internacional tenha sido entre a França e a Inglaterra. Não digo que esteja errado, mas tenho as minhas dúvidas. Gostaria que o Fiolhais tivesse tido o cuidado de deixar aqui a referência.
Caro Luis Silva
Encontra-se ena página da International Civil Aviation Organization
http://www.icao.int/cgi/goto_m.pl?icao/en/hist/history01.htm
"Louis Bleriot's cross-Channel flight of 1909 was the first international flight by a heavier-than-air machine. A year later the first international air navigation conference was convened in Paris"
A mesma informação aparece noutros
sítios, como:
http://alex.edfac.usyd.edu.au/blp/websites/Fatinah/page6.htm
Claro que não posso jurar que está certo, pois não sou especialista no assunto.
Carlos Fiolhais
Caro Carlos Fiolhais:
Obrigado pela indicação. Parece-me estranho que ninguém tivesse feito antes um voo entre a França e a Bélgica, a Escócia e a Inglaterra ou mesmo entre os EUA e o Canadá. Mas, pelo vistos, assim terá sido.
Carago, carago, carago! Foi um espanto.
Repararam naquela moldura humana compacta nas duas margens?
Parabéns Porto. Parabéns Gaia.
Podem ver-se duas anedotas ilustradas, dos "anos 30" do século passado, acerca de aviões em: http://sorumbatico.blogspot.com/2007/08/o-red-bull-de-outros-tempos.html
«Padre Bartolomeu de Gusmão (...) que demonstrou um aeróstato em 1709, na corte de D. João V, e terá voado na “Passarola” do Castelo de S. Jorge para o Terreiro do Paço, muitas décadas antes dos irmãos Montgolfier.»
Terá mesmo Bartolomeu de Gusmão voado na Passarola do Castelo até ao Terreiro do Paço?
Segundo Rómulo de Carvalho (in História dos Balões), Bartolomeu de Gusmão nunca terá voado na Passarola ou noutra máquina voadora. A Passarola apenas terá existido em desenho fantasista, embora de facto de autoria do nosso inventor. Contudo, este tê-lo-á executado - e propositadamente deixado cair de um bolso! - tão só com o intuito de se divertir com o modo como Lisboa reagia às suas experiências com aeróstatos mais modestos, não tripulados, mas que, de facto, já se elevavam nos ares para grande espanto dos cidadãos do seu tempo! :-)
Eu estava quase terminando de ler quando FINALMENTE li tu comentares algo sobre o saudoso Santos Dumond, e mesmo assim, falou pouco. Quase nada.
Tudo bem que o ponto do seu texto era falar as aviações portuguesas e o que abrange Portugal, como quase tudo neste blog, mas não citar o INVENTOR da aviação e falar mais detalhadamente do Barão Manfred von Richthofen, por exemplo, é incompreensível!
Fico torcendo para que tu não estejas tentando negligenciar nada!
Agora, essa corrida que ocorrerá (ou já ocorreu) na tua cidade também ocorreu aqui no Brasil, no Rio de Janeiro. Não tive vontade de prestigiar nem pela TV, mas levou milhares de pessoas às ruas. Aliás, o que não leva milhares de pessoas às ruas aqui no Brasil?
Um abraço, Antônio.
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