quinta-feira, 27 de setembro de 2007

CIÊNCIA E POESIA PARA CRIANÇAS


São bem conhecidas as incursões por temas de ciência de alguns poetas portugueses. Bastará a este propósito ler a a “Obra Completa” de António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho), o “Limite de Idade” de Vitorino Nemésio” ou o “Limitável Oceano” de Eugénio Lisboa.

Mas são menos comuns os livros de poesia sobre temas de ciência destinados a um público infantil. Convém, por isso, chamar a atenção para um desses livros, que transmite vocabulário e ideias de ciência aos leitores mais novos. Saiu na colecção Assirinha, a colecção de poesia infantil da Assírio e Alvim, a maior editora portuguesa de poesia. O número dois da colecção data do ano 1999 e é de uma dupla de autores: Jorge Sousa Braga (poemas) e Cristina Sernadas (ilustrações). Intitula-se “Herbário” e ganhou um prémio que a Fundação Gulbenkian atribui para obras de literatura infanto-juvenil. O poeta é médico (a sua especialidade poderá ressaltar do título do seu livro de poesia “A Ferida Aberta”, saído na Fenda em 2001; há uma edição recente da obra reunida do poeta: “O Poeta Nu”). A mesma dupla é autora na mesma colecção de dois outros livros semelhantes: “Pó das Estrelas” e “Poemas com Asas”.

A maior parte dos poemas de “Herbário” são pérolas de bom gosto, inteligência e sensibilidade, que podem não só ser apreciadas por crianças como por adultos. Sabe-se aliás que os bons livros para crianças não têm limite para a idade dos leitores. No “Herbário” entra o mundo fantástico e de mil cores da botânica. Melhor porém do que perorar sobre as virtudes dos poemas, para o que faltam qualidades a este “crítico”, será transcrever dois exemplos que agucem a vontade de leitura. A minha selecção, como qualquer outra, tem uma marca pessoal: um trata do pai da genética Ernest Mendel, o monge beneditino que, no século XIX, no mosteiro de Brno, hoje na República Checa, descobriu as regras da transmissão das propriedades das ervilhas; e o outro trata de uma maravilhosa planta que consegue crescer na adversidade do deserto no Sul de Angola. Tanto a genética das ervilhas como a Welwitschia apareceram-me nas aulas do liceu (tenho, mais ou menos, a idade do poeta), a primeira nas Ciências Naturais e a segunda na Geografia (tínhamos de saber a flora das “províncias ultramarinas”), e ficaram-me gravadas na memória. Ficou também o assombro de perceber que a história que começou com as ervilhas veio a dar ao DNA e continua nos dias de hoje. E o assombro sempre renovado perante a capacidade da vida se adaptar ao seu meio ambiente – é justo que a “Welwitschia Mirabilis” se chame “Mirabilis”.

Eis os dois curtos poemas:

Mendel

Ao contrário dos monges beneditinos,
Que ficaram a meditar nas suas celas,
Ele gostava de meditar entre os pepinos,
Os bróculos, as favas e as beringelas.

E foi num momento de meditação
Entre ervilhas de casca lisa e rugosa,
Que descobriu por que é que os teus olhos
São castanhos e não azuis ou cor-de-rosa.

Welwitschia Mirabilis

No meio do mais árido deserto
Há uma planta que consegue medrar,
E até se dá ao trabalho de florir,
Mesmo que não haja ninguém por perto,
Que a possa contemplar.


Este último poema pode até ser relacionado com a teoria quântica. A planta do deserto existe mesmo que não haja ninguém para a ver e admirar, com os olhos de uma cor qualquer. Uma das grandes discussões do século XX foi precisamente a que ocorreu entre Albert Einstein e Niels Bohr sobre a teoria quântica. Uma das questões era: existe a realidade independentemente do observador? Existirá a Lua quando não há ninguém a olhar para ela?

É de pequenino que se torce o pepino. É de pequenino, e até com a poesia, que se pode começar não só com a biologia como com a física e a filosofia.

3 comentários:

Célia Jordão Alves disse...

Que interessante! Fiquei muito curiosa acerca deste livro. Obrigada pela dica.

Anónimo disse...

Quando não se sabe nada de fundamentos de física quântica dizem-se disparates deste género:

"existe a realidade independentemente do observador? Existirá a Lua quando não há ninguém a olhar para ela?"

A questão ontológica (idealismo material) que é colocada pela interpretação de Copenhaga, cinge-se - como Bohr tantas e tantas vezes repetiu - apenas ao "Mundo Atómico". A questão da Lua não tem aqui qualquer lugar. É apenas um disparate.

Sinceramente, tenho profunda vergonha sempre que Carlos Fiolhais entra pelos fundamentos de física quântica a dentro.

Anónimo disse...

ó carlos p, você parece um cão de fila a farejar tudo o que o Professor Carlos Fiolhais escreve. Sabe que já inventaram comprimidos para as dores?

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