sábado, 10 de outubro de 2009

IMAGINAÇÃO, CIÊNCIA E ARTE 1


Na altura em que entre nós tanto se fala das relações entre ciência e arte (e decorrem exposições sobre o assunto na Cordoaria em Lisboa e no Museu de Ciência de Coimbra) deixo aqui, em quatro partes, uma reflexão sobre o assunto que publiquei o ano passado na Revista "Biblos" da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e que integra alguns textos meus que saíram neste blogue:

Associa-se normalmente a imaginação à arte e o conhecimento à ciência. No entanto, a imaginação é essencial também na ciência. Apesar de a ciência tratar a realidade, sem imaginação não há a mínima possibilidade de ciência. A um dos maiores cientistas, o físico suíço e norte-americano de origem alemã Albert Einstein (1879-1955), criador da teoria da relatividade, alguém perguntou um dia o que era mais importante, a imaginação ou o conhecimento. Ele não teve dúvidas em dar a primazia à imaginação:

"A imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação dá a volta ao mundo." [1]

Noutra ocasião, o sábio disse o mesmo por outras palavras de modo:

“O conhecimento permite-nos ir de A para B, mas a imaginação permite-nos ir a qualquer lado”.

Noutra altura ainda disse mais em defesa da imaginação:

“Quando me examino a mim mesmo e aos meus métodos de pensamento, chego quase à conclusão de que o dom da imaginação teve para mim maior significado do que o talento para absorver o conhecimento absoluto.”

As expressões de Einstein são certeiras: a imaginação – a capacidade que tem o espírito humano de formar imagens - permite-nos não só “dar a volta ao mundo”, mas “ir a qualquer lado”, mesmo fora do mundo que habitamos. É a imaginação que permite à mente humana viajar a todo o lado de um modo extraordinariamente livre. O artista criador, seja qual for o campo da sua criação (na literatura, teatro, dança, artes plásticas, fotografia, cinema, etc.), não faz outra coisa do que usar a suA imaginação: por vezes, descreve o mundo real em que vive, enquanto noutras vezes constrói mundos virtuais, que retratam os seus mundos interiores. Mas o cientista, Einstein “dixit”, usa também a imaginação na medida em que esta é a mola do conhecimento que ele procura. O conhecimento resulta sempre de um exercício da imaginação. O método científico serve para avaliar a correcção das imagens criadas pela imaginação do cientista, o que exige o seu cotejo com o mundo real.

É, por isso, necessário desfazer a ideia feita segundo a qual a imaginação é estranha à ciência. De facto, é necessária uma grande imaginação, por vezes como aconteceu no caso da teoria da relatividade uma imaginação extraordinária, para realizar o empreendimento científico. A missão do cientista consiste na descoberta do mundo real, um mundo que é único e que pode ser contrastado com os muitos e variados mundos criados pela sua imaginação. De entre todos os mundos possíveis, vivemos num só, que se não é o melhor é decerto um dos melhores para a nossa vida (foi o filósofo e divulgador científico francês Voltaire, 1694-1778, quem se interrogou, depois do grande terramoto de Lisboa de 1755, na sua obra “Cândido ou o Optimista”, se viveríamos no “melhor dos mundos” [2]). Para saber como é o nosso mundo, é preciso em primeiro lugar adivinhar como ele é. Quer dizer, é preciso em primeiro lugar imaginá-lo. Depois é o veredicto ditado pela observação ou pela experiência que vai validar ou não o vaticínio, o voo mais ou menos temerário que, de início, a imaginação teve de fazer. Pode-se ir de A para B ou para C, conforme o salto, menor ou maior, da nossa imaginação. Mas acabamos por ir para um desses sítios, ou para outro, porque a observação ou a experiência assim o determinam. Porque o nosso mundo é de uma certa maneira e não de outra.

A matemática não é uma ciência experimental porque o matemático não tem a imaginação tão limitada como o cientista experimental que interroga a Natureza e obtém dela uma resposta. Uma conclusão matemática nem sempre é uma conclusão física, embora uma conclusão física seja sempre uma conclusão matemática (o mundo segue regras lógicas, as chamadas leis físicas, que se exprimem preferencialmente de uma forma matemática). De certo modo a imaginação do matemático assemelha-se mais à de um artista. Mas também um físico, para chegar ao conhecimento, tem de ter imaginação e de se deixar levar por ela tal e qual como um artista. Conforme declarou Einstein, cuja paixão pela música é bem conhecida (tocou violino durante toda a sua vida, tendo deixado o seu instrumento como herança ao seu neto): “Eu sou suficientemente artista para me deixar levar pela imaginação”.

REFERÊNCIAS:

[1] Esta citação tal como as seguintes de Einstein foram extraídas do livro “The New Quotable Einstein”, colecção e edição de Alice Calaprice, prefácio de Freeman Dyson, Princeton: Princeton University Press, 2005.

[2] Voltaire, “Cândido ou o Optimismo”, Lisboa: Tinta da China, 2006 (há muitas edições; a edição original é de 1759, ano da morte do autor).

IMAGEM:

Einstein a tocar o seu violino. Entre os seus compositores preferidos estavam Mozart, Bach e Schubert. A respeito do seu prazer pela música, o físico disse um dia: "Se eu não fosse físico, seria provavelmente músico... Penso muitas vezes ouvindo música. Sonho acordado com a música... Obtenho o maior prazer da vida a partir da música".

10 comentários:

platero disse...

não sei qual dos heterónimos dizia que
o Binómio de Newton não é menos belo
que a Vénus de Milo.

e que beleza maior poderia dar corpo à simplicidade:
e= mc2

Quem faria melhor para decorar uma T shirt?

Anónimo disse...

Mais um texto de catequese. Elementar, primário, contraditório, que oferece certezas sem perceber que nas dúvidas que contrai. Pobre epistemologia. Pobres Kant, Hume, Pierce, Einstein, etc. Pobre. Fiolhais.

Anónimo disse...

Atenção, Einstein era um violinista medíocre. Claro que a imaginação não supera a falta de conhecimentos. O que aqui se diz é mero palavreado que agrada muito aos adeptos do eduquês. É necessário maior rigor. Não basta Einstein ter dito para estar certo. Ainda se fosse a Bíblia...

platero disse...

é natural que PAGANINI se tenha preocupado, com Darwin, com a evolução das espécies
Naturalmente nunca o terá feito com a competência com que tocava violino

Anónimo disse...

Um pensamento desconhecido a muitos professores e académicos portugueses. O ensino português, universitário e não universitário premeia a memorização, o conhecimento enciclopédico. No entanto, é bastante céptico quanto à criação e à geração de novas ideias. No fundo, o "génio português" é aquele que facimente seria substituido pela enciclopédia Britânica, heis a principal falha do nosso ensino e da nossa sociedade... Conhecimento sem imaginação de nada serve...

Helena Ribeiro disse...

Pensar e imaginar são actos produtores de criatividade, ambos genuínos, nenhum melhor do que o outro. O antagonismo arte / ciência é anacrónico e redutor. E a arrogância com que é defendido é obscurantista.

Anónimo disse...

Conhecimento sem imaginação de nada serve diz um anónimo. É falso, serve.
E mais imaginação sem conhecimento nem imaginação é. Primeira de todas as condições: tem de haver alguma coisa na memória. Ou no disco rígido se preferir. A experiência é simples: faça "format" ao disco rígido e depois veja o que acontece.

Anónimo disse...

"Primeira de todas as condições: tem de haver alguma coisa na memória." Por favor, não altere as minhas palavras... Eu não disse que a imaginação pode existir sem conhecimento. O conhecimento é absolutamente necessário! o que digo é que o conhecimento tem que servir a imaginação para produção de novo conhecimento. É aqui o nosso ensino é limitado. A nossa educação baseia-se no conhecimento pelo conhecimento (já existente), premeia aqueles que sabem muito, mas condena aqueles que pensam diferente. É uma batalha dura na nossa sociedade, mas o que me dá esperança, é saber que para defender um esse modelo limitado já só resta destorcer as palavras de quem pensa diferente....

Anónimo disse...

Premiar os que sabem muito é justo.Quanto aos que pensam diferentemente é muito mais complicado. Há a diferença ou inovação para o bem que merece prémio. E há a diferença ou inovação para o mal que merece punição. Daí o ser-se inovador não ser automaticamente um bem. Daí não se saber de modo automático se, perante a inovação, se deve premiar, punir ou ser-se indiferente. É complicado, entre nós portuguese e em todas as culturas, umas mais que noutras...
Mas não é verdade que a nossa educação se baseia no conhecimento pelo conhecimento (já exstente), etc.

Anónimo disse...

"Mas não é verdade que a nossa educação se baseia no conhecimento pelo conhecimento (já exstente),"
O seu discurso demonstra que é verdade, por um individuo saber muito acha que deve ser "automaticamente" premiado, no entanto, por ser inovador deve-se pensar duas vezes antes de o ser. Quer outro exemplo? O recente "ranking das escolas". Um ranking baseado nas médias dos exames, no entanto, ninguém se preocupa o que os alunos fizeram com "essas médias". Basta comparar os métodos usados no THES para as universidades com o "nosso ranking" para ver as diferenças...
A mentalidade do conhecimento pelo conhecimento existe e está bem demonstrada na celébre frase: “ele até sabe o que é o esternocleidomastoideo”, em outras culturas esta mentalidade serve apenas para o espetáculo (circense), veja o exemplo do "Sr Memory" no filme "Os 38 Degraus"...

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