Sobre a estupidez, li há uns anos uma obra em dois volumes da autoria de Vítor J. Rodrigues, escrita num registo humorístico e pretensamente científico.
Este psicólogo, que também é professor, esclarece no primeiro volume – Teoria geral da estupidez humana – que essa característica não é a ausência de inteligência, mas a resistência activa à inteligência e, por isso, deve ser vista como positiva. Na verdade, apresenta inúmeras vantagens: faz ganhar tempo, evita ataques cardíacos, depressões e angústias, está associada ao sucesso profissional... Posto isto, pergunta: Será a estupidez um bem? Será uma necessidade prática não só do presente mas de todos os tempos passados e futuros? Poder-se-á acabar com a estupidez sem que daí adviesse mal ao mundo?
No segundo volume – A nova ordem estupidológica – o autor vai um pouco mais longe, partindo do princípio que a “estupidez ganha terreno à inteligência”, não deixa de salientar a importância da sua aprendizagem. Assim, explica como poderemos, com base numa só observação, ver se uma pessoa é estúpida ou inteligente, quais os passos a dar para acelerarmos a vitória da estupidez, como sabermos se somos fundamentalmente estúpidos ou nos devemos os esforçar para lá chegar, e, finalmente, quais os estratagemas vulgarmente utilizados pelos inteligentes e de que maneira os podemos derrotar.
Aproximando-se a passos largos o Natal, época em que os adultos costumam atafulhar as crianças de brinquedos, pode ter interesse ler o que se segue, e que é retirado segundo volume, páginas 160-162:
"Os estudos da Psicologia da estupidez têm conformado tudo isto e, por essa razão, podemos, desde já apresentar algumas sugestões acerca do que é recomendável. Note-se que elas foram elaboradas com base em inúmeras investigações longitudinais acerca dos efeitos desenvolvimentistas de uma espécie de jogos, brinquedos e brincadeira e do seu eventual impacto estupidificante precoce ou tardio.
BRINQUEDOS
Os brinquedos a adquirir devem obedecer, pelo menos, a duas ou mais dentre as seguintes directivas pedagógicas:
a) Apologia da Agressão
Os brinquedos feitos para uso agressivo ou promotor de agressividade lúdica preparam as crianças para aceitarem precocemente a guerra como uma coisa natural entre seres humanos quer seja travada com armas de destruição física ou com armas de destruição psicológica (palavras acutilantes, machadadas verbais, argumentos que pulverizam, etc.). Isto é verdade tanto para simples espadas de plástico quanto para sofisticados aviões ou robôs de combate a pilhas. Devemos realçar a importância da absorção da mensagem profunda contida num boneco de plástico com uma metralhadora (ou canhão, lança-foguetes, granada, simples faca, etc.) ou num monstro muito repelente que deve ser combatido: é fundamental que as crianças compreendam que os heróis, os modelos a seguir, são caracterizados pelo potencial destrutivo e pela adesão a ideias de justiça muito simples herdadas de Gronk, o troglodita, estilo «Tu mau ser feio levar mocada».
Os acessórios imitando armas reais para utilização directa pelas crianças podem ter a vantagem adicional de as levarem a sentir-se na pele de estúpidos muito activos e em plena campanha. Se cultivarem o hábito de efectuarem emboscadas umas às outras tanto melhor: talvez desenvolvam, desse modo, a arte da desconfiança e da preparação de armadilhas. As várias modalidades lúdicas de exercício da agressividade, sobretudo quando cultivada precocemente, preparam os nossos filhos para que saibam proceder como quase toda a gente no mundo de hoje (…)
b) Carácter acabado
Numa sociedade rica em enlatados torna-se logicamente evidente que os brinquedos que interessam a estúpidos são os que já vêm pré-produzidos não conduzindo a criança a nenhum trabalho intelectual construtivo digno de nota. Pelo contrário, o único esforço intelectual que devem exigir-lhe é o requerido para absorverem a mensagem subjacente a tais brinquedos e para os usarem da maneira prescrita.
É estritamente desaconselhada a aquisição de materiais que permitam às crianças a construção ou a modificação dos seus próprios brinquedos.
Referências:
- Rodrigues, V. J. (1992). Teoria geral da estupidez humana. Lisboa: Livros Horizonte.
- Rodrigues, V. J. (1992). A nova ordem estupidodógica. Lisboa: Livros Horizonte.
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3 comentários:
Sobre a estupidez, considero ainda imprescindível a obra; TABORI, Paul - Historia de la estupidez humana. Buenos Aires, Ediciones Siglo Veinte, 1983.
Nela descobri que, no séc. XVII, se tornou moda no centro da Europa a genealogia. Não houve então nobre de província que não pagasse a supostos especialistas, para estes encontrarem no seu passado ascendentes ilustres. Os mais bem pagos eram os que conseguiam fazer remontar a origem do nobre pagante à família de Jesus Cristo. Num quadro que ainda hoje se conserva num castelo esquecido da Áustria pode ver-se a mulher do nobre seu proprietário a tentar ajoelhar-se diante de N.ª Senhora e esta a impedi-la com as palavras que surgem sobre a sua cabeça (como nos balões da banda desenhada contemporânea):
- Então, então, entre nós não existem essas formalidades, prima.
Fundamentais são ainda as cinco leis da estupidez:
"Primeira Lei: sempre subestimamos o número de pessoas estúpidas.
-
Segunda Lei: A probabilidade de que uma pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica de sua personalidade.
-
Terceira Lei (a de Ouro): Uma pessoa estúpida é alguém que ocasiona dano a outra pessoa, ou a um grupo de pessoas, sem conseguir vantagem para si, ou mesmo com prejuízo próprio.
-
Quarta Lei: As pessoas não estúpidas sempre subestimam o poder de causar dano das pessoas estúpidas. Constantemente elas se esquecem que em qualquer momento, e sob qualquer circunstância, associar-se com gente estúpida invariavelmente constitui-se em erro com prejuízo.
-
Quinta Lei: A pessoa mais perigosa que pode existir é a estúpida."
Encontrei-as em:
http://gandalf.it/stupid/portug.htm
A este propósito só me ocorre convidar as pessoas a lerem O Reino da Estupidez, poema crítico da vida académica de Coimbra, atribuído ao médico Francisco de Melo Franco, e cuja 1.ª edição saiu a lume, em 1819, em Paris.
Realmente, a estupidez eleva-se a uma forma de arte.
Ao QI deveria ser adendado o QE, onde o avaliado prestaria provas de estupidez estrategicamente formuladas. Só assim é possível identificar a sua adaptabilidade a uma determinada carreira.
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