segunda-feira, 13 de julho de 2009

"Poesia temperada com música" – 2

Continuação da entrevista a Paulo Rato, iniciada aqui. Fala-se, agora, da intenção manifestada há alguns meses pela Antena 2 da Rádio de conquistar novos, variados e mais jovens públicos.

P: Depois de tantos anos a fazer rádio, se deitar um olhar para o futuro pensa que o caminho é investir em programas que contribuam para a "educação dos públicos", mas que têm nichos de audiências, ou é antes a subordinação aos "gostos" do público?

R: A "educação dos públicos" dilui-se na quantidade de estações que atravancam as radiofrequências, a maioria sem sombra de intenção cultural ou "educativa" (ou, mesmo, seja do que for). O que passa por muitos microfones e leitores de CD ou outros suportes de áudio é, não raras vezes, catastrófico. Mas são esses "conteúdos" que atingem (mortalmente?…) vastas audiências. É por isso que considero perigosa a ideia de "aligeirar", com mui deslizante ligeireza, a programação da Antena 2, no intuito de "conquistar novos públicos, sobretudo os jovens".

Parecer-me-ia melhor que se aprofundasse e alargasse a programação, partilhando mais esclarecidamente, com a Antena 1 e a Antena 3, a abordagem dos diversos géneros musicais e temas culturais, de modo a que todas as antenas incluíssem "pequenas amostras" dos conteúdos das vizinhas, em quantidades variáveis em cada uma delas: não me chocaria nada que houvesse um pequeno programa semanal sobre a música pop de maior qualidade na Antena 2, porque ela existe e habita o mundo onde estamos e por ela passam e com ela convivem muitos dos jovens criadores culturais. Sabendo distinguir a cultura popular da de massas, não podemos ignorar esta última e o que nela se gera com qualidade. Pelo contrário, parece-me francamente demais uma hora diária de música étnica (era muito mais interessante um programa semanal de meia hora, que houve há uns anos, da autoria de um investigador dessa área, mais tarde professor universitário) e outra de jazz, género que escasseia na Antena 1 e que não deve existir na Antena 3.

A poesia caberia em todas estas antenas, e não tenho qualquer dúvida de que iria conquistar muitos "fãs". É claro que a Antena 2 terá sempre, neste campo, especiais deveres. Mas sei que, actualmente, o dinheiro escasseia, a rádio passou a ser o parente pobre da "R e T de P", enquanto há gastos que me parecem, em tempo de crise, francamente deslocados no serviço público, como os enviados especiais ao funeral do Michael Jackson ou à recepção ao Cristiano Ronaldo (mas, atenção, puritanos!, há que dosear as coisas, incluindo a publicidade, que também pode fazer parte do espectáculo, para alguns sectores da audiência — uma audiência que o serviço público deve procurar manter num patamar aceitável). E, entretanto, a União Europeia vigia, qual urubu, não vá o serviço público receber "favores" do Estado e estragar o negócio dos queridos operadores privados.

P: Presumo que seja uma pessoa atenta ao ensino da poesia e da música que é facultado às nossas crianças e jovens. Qual é a sua opinião a respeito?

R: Creio que o ensino da música melhorou muito. Há muito mais escolas e professores, o nível pedagógico é bem mais elevado e temos hoje uma quantidade muito maior de intérpretes de grande qualidade, bem como de jovens compositores. Quanto ao ensino, em geral… não quero bater mais no ceguinho! Quanto ao ensino do Português, é público e notório que os programas têm decaído, os governantes (estes e os outros, não esqueçamos) aparentam ter desistido da educação, embora não o queiram confessar. E, quanto aos "últimos desenvolvimentos", a Ministra podia ser um génio e os professores uns madraços, todos uns… Mas quem é incapaz de descobrir que não é possível nem útil insistir em reformas contra a quase totalidade daqueles a quem se aplicam é, na minha modesta (e politicamente incorrecta) opinião, demasiado estúpido, mesmo para um génio.

Tudo junto, os resultados estão à vista e ao ouvido: poesia, para despertar a atenção da maioria dos jovens, terá de incluir muitos "palavrões". Espero que ninguém se ofenda. O que são os chamados "palavrões"? Termos de origem tão nobre e latina (ou grega ou…) como os outros — em geral relacionados com matérias que as ideologias dominantes foram tornando escusas, pecaminosas, inefáveis! —, de que o povo, isto é, as classes baixas, a ralé, faz uso, à falta de outros, mais eruditos, mas igualmente — inefáveis... Pelo que - perdoe-se-me - a sua utilização não me choca absolutamente nada.

A "palavra feia" poderia ser outra, se a sua etimologia fosse diversa. E, depois, os sons não têm culpa das maldades que lhes atribuem e que variam consoante as línguas: se tem algum amigo chamado Rui que tencione visitar a Rússia, recomende-lhe que escolha outro nome para se apresentar...; e há os termos que são perfeitinhos ou "obscenos", conforme o contexto, como o (le) baiser francês; e que malandrice tem, tomado palavra por palavra, o ternurento echar un polvito?

Não consigo perturbar-me com estas coisas, como não me comovem outras normas de "etiqueta". Porque é que não posso rapar o prato da sopa? Porque é feio, dizia a minha avó... ora, ora: é mas é para mostrar que "não preciso" — se o menino quiser mais, a criada traz, diria a senhora dona...

O que me incomoda é que a vulgarização do palavrão lhe retira as fortes conotações que adquiriu ao longo de tantos séculos de dura vida, tornando a sua utilização — ocasional mas oportuna — inócua, sem significado, incapaz de cumprir a sua função de transmitir uma honesta indignação, uma fúria, um susto, uma dor de martelada num dedo.

Como saborear Em Creta, com o Minotauro, de Jorge de Sena, se perderem força expressões como: "(… e, como todos os heróis gregos, um filho da puta…)" ou "toda esta merda douta cagada há séculos pelos nossos escravos, …)". Tenham dó! Senão lá se vai todo o encanto dos grandes poemas fesceninos…

O que verdadeiramente me choca é que a frequência dessa linguagem "de carroceiro" (classe baixa, ralé!...) traduz uma tal pobreza de vocabulário que a comunicação praticamente deixa de existir. Palavras que eu conhecia quase desde a mais tenra infância são hoje completamente desconhecidas de tais falantes (?) e receio que, com o avanço de tantas e tão boas reformas pedagógicas, o nosso português caminhe para o "grunhês". De resto, com o precioso auxílio dos media (e não "mídia", como os sambistas adoptaram e os nossos especialistas anglocoiso ostentam, orgulhosamente incultos), onde a asneira, falada ou escrita, fervilha.

Imagem: http://attambur.com/Imagens0/Banco36/violino1m.jpg

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