sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

“TUDO COMO DANTES, QUARTEL GENERAL EM ABRANTES” (uma reflexão em final da segunda década do século XXI)

Um segundo texto do Professor Galopim de Carvalho, na continuação do anterior, reforçando o que nele disse.

Continuo profundamente desiludido com o andar da nossa escola pública. Quando, em 2015, no começo do seu mandato, o Primeiro Ministro afirmou que o nosso maior défice era o da Educação, deu-me razão, mas já passaram cinco anos e nada de verdadeiramente importante aconteceu. 

“Tudo como dantes, quartel general em Abrantes”, a frase que nos ficou do tempo da primeira invasão francesa, tem aqui total cabimento. 

Cada vez há menos incentivos que tragam os jovens para a docência. Espera-os uma ocupação mal paga, que perdeu o respeito e a dignidade que já teve. Espera-os o terem de andar de terra em terra, longe da família, com toda a frustração e os gastos que isso implica.

Muitos dos actuais professores que ainda resistem, estão cansados, desmotivados e desiludidos, ansiosos pela aposentação. Dentro de alguns anos não temos professores que cheguem para assegurar o ensino escolar obrigatório, universal e gratuito, até ao 12.º ano ou aos 18 anos de idade. E isto é grave. É, mesmo, muito grave.

Como o escrevi e não é demais insistir, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há 46 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar aos cidadãos cultura civilizacional e humanística, o que é muito grave, colocando-nos muito abaixo dos países que sabemos estarem mais avançados.

Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com a liberdade que, de facto, estamos a viver, e esta abertura à democracia, está a educação. E, aqui, a escola falhou completamente. É notório e os professores sabem bem que temos vindo a trabalhar para as estatísticas e para os “rankings”. 

Não é difícil acreditar que:
1 - A par de excelentes professores, que os há e são muitos, existem outros, sem preparação suficiente, que fazem do ensino um emprego, não uma profissão e, muito menos, uma missão, e outros, ainda, francamente maus, que, em avaliações a sério, já teriam sido afastados;
2 - O nível sóciocultural de milhares de famílias carentes de tudo, é umas das causas mais gritantes da situação que se vive no sector;
3 - A deficiente preparação científica e pedagógica de muitos professores também conta, e muito, na dita falência. Sempre defendi, devem saber muito mais do que o estipulado no programa da disciplina que devem ter por missão ensinar, não se podendo limitar a meros transmissores dos manuais de ensino. Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que, no presente, não têm. Há, pois, que libertá-los das tarefas que não sejam as de ensinar;
4 - É necessário e urgente fomentar, como inerência de cargo, a dignificação e o respeito pelo professor, duas condições que lhes foram retiradas com o advento da liberdade e que a democracia não soube aproveitar, e é igualmente necessário e urgente que a Escola recupere todas as competências fundamentais à disciplina, em democracia;
5 - É necessário e urgente rever toda a política dos manuais de ensino, em especial no que diz respeito à creditação científica e pedagógica dos autores e à correspondente supervisão, impondo-se repensar a política de exames e de classificação do aluno;
6 - É necessário resolver o grave problema da colocação de professores, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias;
7 - Impõe-se rever a remuneração dos professores que como tenho defendido, tem de ser compatível com a sua real importância na sociedade. Um(a) professor(a) universitário(a) não é nem mais nem menos importante do que um(a) educador(a) de infância ou de um(a) professor(a) do ensino secundário ou do básico;
8 - À semelhança dos professores universitários, que são avaliados, a sério, pelo menos três vezes ao longo da carreira, os professores do básico e do secundário têm de se submeter a avaliações dignas desse nome;
9 - É preciso e urgente que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na cuidada escolha dos titulares, como nas dotações orçamentais que permitam dar às escolas e aos professores as necessárias condições de trabalho;
10 - E necessário e urgente olhar para esta realidade e haver vontade política (despida de constrangimentos partidários) para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação desta nossa “máquina ministerial” poderosa e nebulosa, de há muito instalada, a ver desfilar ministros e secretários de estado. 
Cada vez estou mais convicto de que os graves problemas que nos afectam a nível da Escola (além de outros) decorrem do modelo económico da sociedade, dita do desenvolvimento, dominada pelo dinheiro. Se assim for, não conseguiremos inverter este estado de coisas sem ir ao âmago do problema.

A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

Rui Ferreira disse...

Clarividência, é o que posso dizer perante tal retrato.
E entrar isto na cabeça de todos e de cada um? Inclusivamente dos próprios professores!
Não querendo, porque não podendo, corrigir seja o que for do texto apresentado, desde logo pela qualidade mais que demonstrada de quem o escreveu, permita-me a cara Helena Damião de tecer apenas uma consideração acerca do assunto referido no primeiro ponto.

1 - A par de excelentes professores, que os há e são muitos, existem outros, sem preparação suficiente, que fazem do ensino um emprego, não uma profissão e, muito menos, uma missão, e outros, ainda, francamente maus, que, em avaliações a sério, já teriam sido afastados;

O kafkiano modelo de ADD atual não só não os consegue afastar como ainda por cima os promove. Como eles sabem muito bem o que valem (nada ou muito pouco), logo adotam uma performance, essa sim com enorme destreza, teatral que lhes sai imaculada. A nível interno resulta porque, na sua grande maioria, são os mesmos que fazem tudo para parecer junto hierarquia (nepotismo). A nível externo, o observador é presenteado com a artificialidade de duas aulas de 90 minutos, em tudo antagónico à natural realidade da miséria que decorrem as "restantes" 2398 aulas lecionadas durante os 4 anos do escalão (contas a fazer a 6 turmas, cada uma com 100 aulas anuais, vezes quatro anos = 2400 aulas).

Moral da história: para além de ser mau, o modelo de ADD é contraproducente.

Anónimo disse...

Tudo como dantes, quartel-general em Abrantes

No âmbito do ensino secundário, que atualmente já não é ministrado em liceus, mas em estabelecimentos com designações muito modernas e muito abstrusas, do tipo EB, 1,2,3 + S + JI, os serviços centrais do ministério perderam totalmente a vergonha e vão despejando cá para baixo diretivas atrás de diretivas, num eduquês fechado, cheio de inclusões, flexibilidades e aprendizagens essenciais, que querem simplesmente dizer que na escola democrática vale tudo, desde que os alunos transitem todos e com notas elevadas, independentemente da violência e indisciplina crescente e do conhecimento ausente. Infelizmente, não estou a exagerar. Quem exagera é o ministério da educação que ainda há dias fez sair na imprensa que este ano letivo os exames do 11.º Ano (os tais que valem 30 %) vão ser mais difíceis! O ano passado, em que muitas respostas erradas não contavam para a classificação, levou a que houvesse notas muito altas!
Para se atingir um bom perfil de cidadão, à saída da escolaridade obrigatória, vale tudo!
Portugal só tem futuro se os portugueses se unirem em torno do grande desígnio nacional que nos nossos dias é a "recuperação das aprendizagens", congeminada pela equipa chefiada pelo ministro Tiago Brandão Rodrigues.

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