quarta-feira, 31 de julho de 2019

É preciso tornar a "matemática mais suave“

No discurso usado para justificar as reformas curriculares em curso sobressaem diversos argumentos relativos aos conteúdos disciplinares. Eis três exemplos: o aprofundamento dos conteúdos implica a sua redução; devem prevalecer os conteúdos úteis e funcionais; os conteúdos não têm de ser ensinados na escola porque estão disponíveis no google/na internet.

Sendo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) responsável pelo Programa Internacional de Avaliação do Estudantes (PISA) e medindo esse programa as competências requeridas no quotidiano derivadas da aprendizagem na Língua Materna, Ciências e Matemática, de alguma forma fomos levados a pensar que, pelo menos nestas três áreas, seriam mantidos os conteúdos que servissem tal fim. 

Enganámo-nos: a OCDE mudou a sua orientação, aposta agora em competências "suaves", sobretudo de ordem "social e emocional", a "felicidade" é o objectivo central que traça para os sistemas de ensino. É preciso tornar a "ciência e a matemática mais suaves“, disse o seu máximo representante para a educação, A. Schleicher, na Câmara dos Comuns em 27 de Fevereiro de 2919 (ver aqui)

Em Portugal, como noutros países, corrobora-se esta orientação. Livremo-nos dos conteúdos disciplinares, mesmo que sejam de matemática, é a ideia que se faz passar. E isto em todos os níveis de escolaridade, mesmo no superior, nos cursos que formam professores. Na verdade, se os conteúdos desaparecem não faz sentido preparar quem os ensine.

Esta nota é a propósito de um texto saído anteontem no Público intitulado Matemática!? Matemática nunca! e assinado por Isabel Hormigo, professora de Matemática. Começa desta maneira:
No médio prazo, o problema mais sério da educação resume-se em poucas palavras: que professores vamos ter daqui a 10 ou 15 anos, quando a atual geração se reformar? Como estarão eles preparados para educar as novíssimas gerações? Serão pelo menos tão conhecedores e dedicados como a geração atual? 
Devemos ter confiança no futuro e nas novas gerações. Mas é a nossa, precisamente a nossa, que às vezes toma decisões egoístas e cegas que comprometem o futuro. 
Um exemplo desse egoísmo e dessa cegueira foi dado recentemente por vários membros do Conselho Nacional de Educação quando disseram que os novos professores não precisam de saber matemática (...) Expliquemo-nos. 
Continua aqui.

3 comentários:

Anónimo disse...

O papel de Portugal, e dos portugueses, na definição das suas políticas educativas, tal como acontece com as socioeconómicas e culturais, por exemplo, é irrelevante!
Seja como for, eu, qual cavaleiro andante português, continuo bem estribado no meu cavalo de batalha: se a escola pública já não serve para ensinar, transformada que está num espaço destinado a transformar os filhos das classes mais desfavorecidas em engenheiros e doutores, sem olhar à vocação para as letras de uns e de outros, a expensas de recursos financeiros colossais para um Estado depauperado como é o nosso, proponho uma redução de 50 %, pelo menos, do corpo docente nacional, porque, a bem da verdade, para passar resmas de diplomas falsos, não são necessários professores nem educadores de infância. Só quem não frequenta as escolas é incapaz de entender o alcance das minhas palavras.
Quem está no convento é que sabe o que lá vai dentro!

Cisfranco disse...

É preocupante saber que o ensino está com o nível que este artigo e outros a que faz referência referem. O ensino está tão suave que acaba por não ensinar nada. Afinal está tudo na net e o que é preciso é consulta-la e papaguear o que aí se encontra. E como se distingue o certo do errado, se não houver sólida formação de base? Estamos a criar a geração de pessoas agarradas o dia todo às máquinas que as escravizam, sem que os que as usam se apercebam. Caminhamos para uma sociedade em que todos são doutores, mas que são ignorantes, sem uma máquina que possam dedilhar.

Rui Ferreira disse...

Esta lucidez torna-nos mais infelizes. É o custo da consciência.
O texto não dá azo ao "eu acho". É demasiado real e objetivo.
Parabéns à Helena Damião pelo saber que partilha. Muito obrigado.

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