quarta-feira, 10 de julho de 2019

É preciso proteger os alunos de Immanuel kant

Reproduzimos abaixo uma parte substancial da nota do editor da revista Ler, Francisco José Viegas, constante no seu último número, saído neste mês. 
É uma nota de grande interesse sobre o "politicamente correcto" ou "censura beneficiente", que se vê consolidado nos sistemas educativos, incluindo as universidades, precisamente o contexto em que nunca deveria ter entrado a não ser como objecto de crítica.

O editor ilustra a sua denúncia com um recente exemplo de advertência sobre Kant e as suas obras, que de resto, já haviam sido objecto de atenção por parte de outros novos censores (ver aqui). É preciso proteger os alunos das ideias do filósofo, explicando-lhe que ele viveu há muito tempo, quando as pessoas eram muito desagradáveis umas para as outras!

Maria Helena Damião e Isaltina Martins
"Será que as pessoas se sentem mais seguras quando não utilizamos certas palavras? Parece que sim: especialmente quando utilizamos as palavras corretas, quando não discutimos certos assuntos e quando se proíbe a evocação de determinados temas. É esse o princípio que preside à criação dos safe places (lugares seguros) em universidades americanas e britânicas. Trata-se de uma espécie de «bolha» imune a ideia contrárias, especialmente a ideias perigosas e, também criminalizadas. 
A bolha dos safe places funciona como um filtro em que nãtram conversas desagradáveis, ideias com que não se concorda, pessoas que achamos detestáveis (...)
Nas universidades, a proibição afecta um grupo numeroso de frequentadores e, no seu conjunto, o espírito e o fundamento da própria universidade. Para quem estudou minimamente a história intelectual da Europa, um dos momentos mais altos foi, sempre, a peregrinação de polémicas de universidade em universidade, de cidade em cidade; escapando aos poderosos, às Igrejas e aos censores, intelectuais e vadios ilustres defendiam (contra a ameaça das fogueiras e da prisão) ideias perigosas, perseguidas, revolucionárias ou conservadoras, temidas, desejadas, enigmáticas ou - até - criminosas. O resultado é a Europa como nós a amamos; e não a Europa submetida a vários regimes de chumbo, como o fascismo, o comunismo ou o nazismo, ou amedrontada e vigiada pela Inquisição, pelas várias políticas do trono e do altar, ou pela sombra da infantilidade, como agora parece ser o caso (...) 
Esta vigilância sobre as opiniões, as palavras e as ideias está a ameaçar a liberdade intelectual - mas também as instituições de ensino. Perseguindo à lupa atropelos racistas, xenófobos, homófobos, atentatórios de igualdade de género ou do veganismo, facilmente se passará (tal é a agressividade da sanha - à criminalização efectiva e à denúncia pública em massa, bem como a uma reconstrução do passado para eliminar todos os crimes, desvios, contracurvas e maldades que é normal o passado registar. Literatura, teoria da história, filosofia, pintura, escultura, artes em geral, «línguas mortas» (o latim e o grego como expressão de violência cultural), rituais - tudo deve ser revisto e, se possível, explicado em novilíngua" (página 2)
(...)
"Tornaram-se moda nos EUA (e também no reino Unido) os chamados safe places, uma espécie de «bolha» criada para não importunar as meninas e os meninos das universidades com ideias e linguagem que não apreciam: nestes espaços (...) as boas almas que o sistema educativo está a preparar em laboratório não serão atingidas por linguagem racista, transfóbica, homofóbica, colonialista, machista ou considerada inimiga da igualdade de género - nem por violência, assédio, discussões, ideias que não partilham, pessoas de que não gostam especialmente e, enfim, os outros, o inferno. Isto estaria bem se não fosse um modo de, por extensão, as próprias universidades tenderem a transformar-se em safe places de onde são excluídos todos os que a bolha considera estranhos aos seus ideais de bondade, sentido da História e moralidade. 
Em Edimburgo, por exemplo, a associação de estudantes declarou todo o espaço da universidade um safe place, proibindo inclusive aplausos durante os debates e sessões ou discursos - uma vez que os aplausos podem ser considerados ofensivos para os surdos ou pessoas com outro género de distúrbios físicos ou emocionais, além de serem humilhantes para quem não é aplaudido.
Quem não é aplaudido é o Sr. Immanuel Kant, que teve a infelicidade de ter vivido entre os anos 1724 e 1804, o que o inabilita para compreender ideias básicas sobre tolerância, respeito pela identidade dos seus semelhantes ou até veganismo e talvez podolatria. 

Um amigo mostrou-me o frontispício de uma edição americana das obras de Kant (que inclui a Crítica da Razão Puraa Crítica da Razão Prática a Crítica da Faculdade do Juízo) onde se lê este benevolente aviso: 

que este livro, note-se, é «um produto do seu tempo» e não refletiria os mesmos valores se fosse escrito hoje; além disso, os pais também devem esclarecer os seus filhos sobre as opiniões do filósofo sobre «raça, género, sexualidade, etnicidade e relações interpessoais» (...)" (página 12)

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

Depois destas informações, para mim espantosas, vou pensar que talvez as crianças e os jovens estejam mesmo em risco de se viciarem nas leituras de Kant, caso comecem a lê-lo, o que não me parece ser o caso, ou seja, não me parece que haja crianças e jovens a lê-lo e, quanto aos adultos, também não. E, se o lessem, duvido que isso fosse contagioso ao ponto de toda a gente o querer fazer.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...