A vida é um diálogo entre
fronteiras!
A vida no planeta Terra
só terá surgido quando se formou uma fronteira, constituída por uma membrana de
natureza lipídica primordial, que separou, de forma mais ou menos permeável e
selectiva, um espaço interior e o meio exterior envolvente.
Passados talvez um
pouco mais de 3,5 mil milhões de anos, a funcionalidade bioquímica dessa
membrana, dessa fronteira que permite diálogos entre o interior celular e o
espaço extracelular, continua a ser decisiva para a viabilidade da vida. É
através dela que entram e saem substâncias, tanto nutrientes como a glicose,
como “comunicadores” como as hormonas e neurotransmissores, por exemplo. Nas
células do sistema nervoso, nos neurónios, é através da fronteira membranar dos
seus axónios que os impulsos nervosos se propagam permitindo, por exemplo, o
pensamento. É na fronteira que o sonho explora a existência!
Num nível fisiológico
seguinte encontram-se os órgãos. Estes são formados por tipos específicos de
células, que os definem e caracterizam. A fronteira dos órgãos é essencial para
a sua função bem definida, para a sua integridade, forma, suporte, etc. E essa
fronteira também é funcional constituindo, em alguns casos, como seja o cérebro
(com a fronteira hematoencefálica), uma barreira protectiva contra a entrada de
potenciais substâncias nocivas. E é através das suas fronteiras que os órgãos
interagem homeostaticamente com o restante organismo de que fazem parte.
No nosso caso, assim como
em muitos outros seres vivos, o nosso corpo possui uma fronteira cuja
integridade e perfeita funcionalidade é essencial para a nossa vida: a pele.
Barreira protectora, por exemplo, contra microorganismos. Fronteira que também
permite a excreção de substâncias através do suor, que nos protege das
radiações solares e outros agentes nocivos, mas que também participa
activamente no controle da temperatura corporal. É uma fronteira que permite e
potencia o tacto, esse sentido tão importante para a humanidade com sentido.
Poderíamos discorrer sem
fim sobre as fronteiras geofísicas e/ou administrativas que delimitam as
freguesias, os concelhos, os distritos, os países, os continentes, os mares.
Essas fronteiras delimitam espaços distintos e elas próprias estão repletas de
conteúdos históricos, culturais, políticos, científicos e tecnológicos.
Mas
pensemos no planeta Terra como um todo e na importância para a vida dessa
fronteira feita de atmosfera. Sem ela, a vida não seria possível tal qual a
conhecemos. E a própria dinâmica geológica seria diferente na ausência da
atmosfera. O invólucro maioritariamente gasoso que caracteriza essa fronteira
condicionou a evolução da vida na Terra, permitindo-a, ao impedir que a maioria
das radiações a ela nocivas, como sejam as radiações ultravioleta e os raios
cósmicos, atinjam a superfície terrestre. Essa fronteira também está envolvida
na dinâmica do ciclo da água, substância ubíqua à vida, e na regulação da
temperatura da superfície do planeta. A sua história dinâmica alberga as preocupantes
alterações climáticas e o seu impacto decisivo para a vida. É a fronteira que
nos separa do nosso sentido cósmico.
E uma última fronteira, a
heliopausa, que delimita o sistema solar, que separa a heliosfera (a região
imensa de espaço sob a influência do vento solar) do resto do universo. Foi
atravessada há alguns anos pelas sondas Voyager que continuam as suas viagens
cósmicas em direcção a outras estrelas, outros mundos, repletos de fronteiras a
explorar.
Por fim uma questão
cosmológica, a de se o universo em que existimos, e que está em expansão
acelerada, terá uma fronteira. Se esta existe, o que é que existirá para além
dela?
António Piedade
Crónica primeiramente publicada na imprensa regional.
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