O sistema educativo tem como escopo
principal formar cidadãos autónomos, críticos e participativos, e não apenas
produzir mão de obra de acordo com a lógica do mercado. A História desempenha
papel central na construção da identidade e na formação da cidadania. A
identidade nacional, reformulada em processo contínuo, cria consciência de
pertença a um país e vínculos entre cada geração e as gerações anteriores. No
caso singular português, constitui-se com base essencialmente na autonomia
política e na continuidade territorial, de duração extraordinária. O
conhecimento histórico incute a crença na possibilidade de mudança das
condições em que se vive, ao permitir compreender não só a diferença entre a realidade
atual e a pretérita, mas também que os direitos de que gozam hoje os cidadãos não
foram mercês do poder estabelecido, mas conquistas ao longo do tempo.
A História de Portugal (antecedida pela
Geografia da Península Ibérica), no 2º ciclo do Ensino Básico, assume
importância significativa para alunos cujo desenvolvimento cognitivo se
encontra no estádio de transição entre o pensamento concreto e o pensamento
formal. O conteúdo da disciplina já não se centra tanto nos acontecimentos
político-militares das elites e dos heróis (como na História tradicional), mas
ocupa-se também com as estruturas, as tendências, as mudanças da administração
central e local, da sociedade, da economia e da cultura. Como é evidente, nas
aulas, a cada passo estabelecem-se relações do passado com o presente e
vice-versa, interpreta-se conforme o contexto de cada época e promove-se a ação
investigativa.
Todavia, segundo o programa vigente, os
alunos partem para o estudo da história dum país de que pouco conhecem. De
facto, nestas idades, possuem um conhecimento restrito ao seu quotidiano e
ignoram bastante acerca do país e mesmo do local onde vivem, pelo que as
comparações passado-presente e vice-versa são obviamente muito frágeis, embora
ações com personagens em tempo e local remotos, por si sós, despertem interesse.
Acresce ainda que é no fim do 6º ano de escolaridade que aparece o capítulo
«Portugal Hoje», onde a turma praticamente não chega por falta de tempo, pelo
que pode terminar o 2º ciclo sem ter ideia precisa do país real. Ora, torna-se
mais natural conhecer primeiro «Portugal Hoje» para depois estudar o seu
passado desde as origens até à atualidade.
Além do mais, ao longo do 5º e do 6º ano, o
devir histórico é apresentado como noções esparsas, difíceis de reter e de relacionar
por falta de estruturação. Porém, para conhecer algo melhor há que em princípio
examinar parte por parte. Assim, para ficar mais clara a história dum país pode-se
seccionar em várias dimensões - política, militar, administrativa, social, económica
e cultural – e depois integrá-las em blocos coesos de cada época e em sucessão
ordenada.
A análise dimensional (sincrónica e
diacrónica) permite compreender de modo coerente e sistematizado (com menor
perda de informações) a História de Portugal e aproveitar melhor o seu
potencial transformador.
Nuno Pereira (psiquiatra)
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