Meu artigo de opinião para o site Ponto SJ:
Foi há semanas anunciado que o
Colégio dos Jesuítas em Cernache, perto de Coimbra, denominado “Colégio da
Imaculada Conceição” (CAIC), foi forçado a fechar portas, devido ao “final dos
contratos de associação com o Estado Português, em vigor há 40 anos. Tratou-se
de uma opção repentina e unilateral tomada, na altura [2016], pelo Ministério
da Educação, à qual o CAIC foi alheio e
à qual se opôs desde a primeira hora, mas sem sucesso” (transcrevo do
comunicado afixado como no sítio da Internet que era do CAIC).
Resido em Coimbra e conheço o
trabalho do CAIC. Conheci alguns professores que lá trabalharam e fui lá uma
vez, convidado, dar uma palestra sobre Física para os alunos. Considero que foi
um erro grave a extinção, imposta pelo governo, de um estabelecimento de ensino
com amplas provas dadas, desde 1955, na formação de numerosos alunos, mais de
dez mil, de uma região periférica – e bastante desfavorecida – de Coimbra. Ouvi
alguns debates sobre o fim dos referidos Contratos de Associação e pareceram-me,
em geral, tolhidos pela ideologia: os
defensores da medida governamental partem do princípio de que um serviço
público só pode ser prestado por uma entidade pública, o que não é verdade, por
abundarem os exemplos, entre nós e lá fora, de serviços públicos prestados por entidades
privadas com o necessário apoio estatal. O ponto principal, julgo que
incontestável, é que o encerramento da escola – para além do prejuízo dos
professores e funcionários, alguns deles com carreiras de muitos anos – redundou
num claro prejuízo para os alunos, que não dispõem de uma solução com as mesmas
proximidade e qualidade. Costuma
dizer-se que os colégios são, em Portugal, lugares dos “meninos ricos”. Mas
este não era seguramente o caso do CAIC, frequentado maioritariamente por
crianças e jovens de camadas sociais baixas, como mostram as estatísticas dos
resultados escolares (é conhecida a correlação entre estes e o estatuto
económico-social das famílias dos alunos).
Um aspecto que merece relevo é a aparente
ignorância da história que mostraram os nossos actuais políticos, que
determinaram ou permitiram o fecho desta escola. Não sabem, por exemplo, que uma
das mais antigas casas de formação dos jesuítas em todo o mundo foi o Colégio
de Jesus, em Coimbra, fundado no ano de 1542 (o seu edifício é hoje parte da
Universidade de Coimbra e, portanto, Património Mundial da Humanidade; no Museu
da Ciência, que ocupa uma parte dele, tem estado uma exposição sobre os Jesuítas
e a ciência). A Companhia de Jesus, fundada sob o forte impulso de Inácio de Loiola
e reconhecida por bula papal em 1540, chegou a Portugal neste mesmo ano. O
Colégio de Messina, na Sicília, foi fundado pelo próprio Loiola em 1548. O
Colégio Romano, que tomou o de Messina como modelo, só foi fundado em 1551,
isto é, quase uma década após as primeiras casas portuguesas (em 1542 também tinha
surgido o Colégio de Santo Antão em Lisboa), mas logo se constituiu o nó
central de uma rede pedagógica que, com a ajuda da plataforma portuguesa, se
estendeu rapidamente a todos os continentes. Pode dizer-se que Portugal, que
acolheu S. Francisco Xavier e Simão Rodrigues, ambos do grupo inicial de Loiola,
foi a “rampa de lançamento” dos Jesuítas no mundo. É algo paradoxal que
Coimbra, que instalou uma das primeiras escolas dos Jesuítas do mundo, não
tenha agora nenhuma. Um filósofo espanhol que visitou há anos a Lusa Atenas
perguntou-me onde estavam os Jesuítas, sabendo bem da influência que tiveram os
Conimbricenses no século XVII (até
Descartes, embora torcendo o nariz, estudou por eles no Colégio de La Flèche, o
mais importante de França). Respondi-lhe que havia muito poucos na cidade:
tinham uma casa próximo da Universidade e um colégio nas vizinhanças. Agora o
colégio já não existe… Os governantes
que na prática mandaram fechar o CAIC, prestando um mau serviço à educação, desconhecem
provavelmente os contributos dos Jesuítas para o ensino, para a ciência e para a cultura. Não devem saber,
por exemplo, o que foi o Ratio Studiorum,
o código das orientações pedagógicas que, oriundas do Colégio Romano, se
espalharam ao longo de uma rede global. O
mesmo se aplica aos autarcas de Coimbra,
que não se moveram em defesa dos interesses dos munícipes afectados.
A história dos Jesuítas em
Portugal é trágica. Em 1759 o Marquês de Pombal expulsou-os, fechando ou
reconvertendo as suas escolas. Os historiadores tendem hoje a concordar que a
interrupção da rede de colégios inacianos conduziu a uma ruptura do ensino
secundário de que o país demorou a recuperar. Não havia alunos em número
suficiente para alimentar a reformada Universidade de Coimbra (reforma que, em
muitos aspectos, era de resto necessária). Os Jesuítas regressaram a Portugal
em 1829, mas só permaneceram cinco escassos anos. Regressaram de novo em 1848,
mas voltaram a ser expulsos em 1910, para regressarem de novo em 1923.
Hoje só existem dois colégios
jesuítas em Portugal: o das Caldinhas, em Santo Tirso, que remonta a 1932, e o de
S. João de Brito, em Lisboa, inaugurado em 1947. Um maior conhecimento da
história assim como uma melhor ponderação do interesse dos alunos teria levado
a uma decisão diferente da que excluiu Coimbra e a região Centro do país de uma
escola que se integrava uma rede que tem feito jus ao seu lema, “educar para
servir.”
1 comentário:
Um mau serviço à educação é o estado apoiar colégios cujos critérios de admissão são inadmissivelmente exclusivos, aceitando apenas familiares de Jesuítas, de trabalhadores no colégio e por aí estreitamente... Afiguram-se como autênticos nichos sociais seriando candidatos, em fina rede, preparando-os para um mundo de elitismo cristão, em autoevangelização narcísica, o que não me parece razoável nos dias de hoje, por muita excelência que possam apregoar. Inclusão e abertura é a palavra de ordem, sem ser preciso perder a identidade. Deveriam ouvir mais vezes o frei dominicano Rui Grácio.
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