"... quisemos centrar a política educativa em três pilares: sucesso - entendido como aprendizagem e construção de um perfil dos alunos que vai para além de saber coisas que se esquecem, e não como estatística; inclusão - a escola tem de ser para todos e há que contrariar o fatalismo da pobreza -; e cidadania: a escola tem de nos capacitar para uma cidadania ativa e informada.A afirmação transcrita é de um secretário de estado da educação português, em entrevista recente ao Jornal i (os destaques são meus).
Se nada conhecesse do nosso sistema educativo nem das imposições externas a que ele está sujeito (nem tivesse qualquer senso crítico) seria levada a pensar que está "tudo nos eixos" e que, portanto, o futuro não pode ser menos do que fantástico: todos os nossos alunos "incluídos", com sucesso pleno na escola e na vida, serão cidadãos exemplares.
Os bons profissionais da educação, com destaque para os professores preocupados e empenhados, é isso que querem, é a sua utopia. Mas eles sabem distinguir o que é dessa ordem e o que é da ordem da realidade.
Ora, esse equilíbrio requer conhecimento: conhecimento do que já aconteceu e conhecimento relativo à educação formal.
Quanto ao primeiro, que implica memória, talvez o entrevistado não se lembre que a reforma de 2001, com a mesma orientação política, integrava os três pilares que menciona. Logo, esse pilares não são novos, não são deste governo. Nem são da política educativa portuguesa: são, na formulação ligeira e dúbia acima enunciada, pilares da reforma global da educação, que está em curso em múltiplos países, potenciada sobretudo pela OCDE.
Quanto ao conhecimento relativo à educação formal, naquelas poucas palavras se percebe que de nada conta: não são as meias verdades com as quais obviamente todos concordamos (por exemplo, "a escola tem de ser para todos e há que contrariar o fatalismo da pobreza") que tornam o discurso aceitável. Até porque essas meias verdades estão misturadas com incorrecções extraordinárias (por exemplo, "aprendizagem... que vai para além de saber coisas que se esquecem", como se não valesse a pena aprender o que se há-de esquecer ou, melhor, não recordar de modo imediato).
Independentemente do que escrevi nesta breve nota, entendo que quem se importa com a escola pública e com os alunos que lá estão, deve ler ao pormenor a mencionada entrevista e outros textos que se publicam, porque é importante saber. E pensar sobre o que se sabe. Isso é, afinal, como diz o secretário de estado, a "cidadania activa e informada", responsabilidade de todo o educador.
7 comentários:
Desculpe mas não estou disponível para ler entrevistas de quem menospreza o conhecimento.
São poucos os professores que se apercebem de que a escola pública está a tornar-se num embuste. Só folclore e é isso que dá visibilidade e rótulo de bom profissional, escola dinâmica etc, etc, ...
Sempre fui defensora da escola pública mas, hoje, se tivesse filhos em idade escolar não saberia onde inscrevê-los. É triste mas os currículos estão a ser esvaziados.Não há lugar para a verdadeira educação formal: aquela que forma espíritos críticos e cidadãos interventivos devido à consciência lúcida sobre os problemas e à capacidade argumentativa.
Gostava que me explicassem como podem formar-se espíritos esclarecidos à margem do conhecimento e da verdadeira estruturação da linguagem.
A contínua desvalorização do conhecimento, a pretexto do esquecimento, é a antítese do que significa aprender. A aprendizagem é cumulativa, e é também por isso que o conhecimento adquirido num dado momento será "esquecido" para dar lugar a novo conhecimento que desejavelmente se complexifica e possibilita as tão propaladas capacidades de "pensamento crítico" ou de "aprender a aprender". Há muito que a ciência demonstrou a natureza progressiva e hierárquica da aprendizagem e do desenvolvimento cognitivo que a acompanha. Não deixa por isso de ser preocupante que certos discursos educativos ignorem os pressupostos científicos e se traduzam em decisões que, de antemão, se sabe serem infrutíferas. Diminuir a desigualdade social não passará certamente por privar de conhecimento (e do desenvolvimento cognitivo que ele estimula) os/as alunos/as socialmente desfavorecidos, empurrando-os para todo o tipo de desvantagem formativa e intelectual. Uma tal estratégia só poderá perpetuar as desigualdades. E se algum elevador social daí resultar, só poderá ser o de um elevador descendente, quer para as crianças e jovens de classes sociais desfavorecidas, quer para a escola pública em geral (que passará a nivelar por baixo), quer ainda para o futuro do país que pagará com prejuízos para o seu desenvolvimento os custos de gerações impreparadas.
O valor de uma hipótese mede-se na prática.Se os objectivos continuarem s distanciar-se,teremos que falar.
Interessa-me pouco quem sabe mais; sigo respeitosamente quem faz melhor.
O Senhor Secretário de Estado, acompanhado pela maioria esmagadora dos professores e educadores de infância portugueses, quer centrar a política educativa em três pilares: sucesso - passagens de ano garantidas por lei, com elevadas classificações, que permitam aos alunos pobres, à saída do ensino secundário obrigatório, dar entrada em cursos superiores como medicina, engenharia, ou direito, que dão dinheiro, independentemente da bagagem intelectual e científica adquirida por cada um; inclusão - a escola pública, desde os tempos do Professor Veiga Simão, ao longo de mais de cinquenta anos, tem sido uma coutada das famílias mais ricas deste país. Na escola que estamos a construir, todos os alunos pobres, incluindo os pouco inteligentes, poderão vir a frequentar cursos universitários, como Engenharia Aeroespacial ou Física Nuclear, porque, na conclusão do 12.º ano, serão tão bem classificados como os seus colegas das pequena, média e alta burguesias; e inclusão: a escola deve incentivar os alunos mais pobres a fazerem trabalhos de "copiar e colar", tirados da internet, tal como fazem os seus colegas ricos, para os apresentarem em sessões solenes, no final do no letivo, versando temas como a poluição, a igualdade de género, a guerra, o aquecimento global, etc.
Não se esqueça que, qualquer que seja o sistema de ensino, pode-se ser excelente professor e excelente aluno. O mesmo se diria de um sistema político e da consecução dos objetivos. O sistema educativo não está a salvo de críticas, nem de opiniões, seja de quem for. Mas o que realmente interessa é uma base factual consistentemente estudada. Os dados disponíveis serão imprescindíveis na mesa de uma qualquer análise, investigação, sobre o mérito, demérito, eficácia, vantagem...de políticas, estratégias, programas, práticas, resultados. Tudo o mais é conversa em torno de um problema sobre o qual todos acham que sabem dizer alguma coisa, mas que não resolvem nada.
Infelizmente a escola pública já está a nivelar por baixo, fruto das medidas oriundas da tutela.
Eu também respeito quem faz melhor, mas quem não sabe não pode fazer bem.
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