quarta-feira, 16 de maio de 2018

Uma nova narrativa para a "educação que queremos"


Estamos a co-criar uma nova narrativa 
da "educação que queremos" 
que traduz a visão do "futuro que queremos", 
e das "competências transformadoras" 
de que os alunos precisarão para tornar 
o “futuro que queremos” numa realidade. 
OCDE, 2017, p.7.

A um nível muito global, nos anos que antecederam a passagem de século – do XX para o XXI – e que lhe sucederam, tem-se consolidado uma certa “narrativa” para a educação escolar que tem sido avançada por entidades como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Trata-se de uma “narrativa” extensa e complexa, nela sobressaindo a ideia de que o mundo/a sociedade mudou radicalmente e que os alunos são diferentes dos do passado. Logo, o ensino não pode manter as suas características “tradicionais”, tem de sofrer mudanças profundas.

A diferença imputada ao mundo/sociedade é traduzida na mnemónica VUCA: volatilidade (“volatility”), que designa natureza, dinâmica e velocidade; incerteza (“uncertainty”), que designa falta de previsibilidade, complexidade (“complexity”), que designa multiplicidade e imbricação de questões, e ambiguidade (“ambiguity”), que designa confusão entre as causas e os efeitos) (OCDE, 2017). Ou seja, um mundo
delineado por múltiplos factores entre os quais se contam: alterações tecnológicas, globalização e crescente diversidade, aumento das desigualdades globais, alterações demográficas, alterações climáticas, esgotamento de recursos, desestabilização ecológica, perda de biodiversidade, novas formas de comunicação e interacção, alterações de valores em larga escala, instabilidade de normas, conflitos e novas formas de violência, pobreza e movimentos populacionais, desequilíbrio entre desenvolvimento económico, social e ambiental (OCDE, 2017, p.6). 
A diferença imputada aos alunos traduz-se sobretudo na designação de “nativos digitais”, porque nascidos após a difusão das novas tecnologias da informação e da comunicação, cuja influência se faz sentir nas várias dimensões da sua vida e que tem particular impacto na empregabilidade. Assim, já não basta que demonstrem conhecimentos:
A educação e as habilidades são centrais para a empregabilidade. Jovens que saem da escola antes de atingir um nível de proficiente de alfabetização e numeracia têm dificuldade de entrar no mercado de trabalho. Cada vez mais os empregadores procuram trabalhadores que não sejam só proficientes nestas habilidades cognitivas mas que possam aplicá-las a resolver problemas e que também dominem “soft skills” tais como comunicar e funcionar em equipa (OCDE, 2015).
Enfim, percebe-se os futuros adultos terão de ser:
indivíduos capazes de perceber questões de desenvolvimento local, global e intercultural, entender e apreciar diferentes perspectivas e visões de mundo, interagir com sucesso e respeito com os outros, e adoptar uma acção responsável em direcção à sustentabilidade e bem-estar colectivo (OCDE, 2017). 
Terão, em suma, de demonstrar competência(s), palavra que no projecto “DeSeCo (Definition and Selection of Competencies”, OCDE, 2001) integra conhecimentos, capacidades, desempenhos, valores e atitudes. Mais recentemente, a UNESCO definiu-a do seguinte modo:
combinação de conhecimentos, habilidades e atitudes adequadas ao contexto (…) indica a capacidade de aplicar resultados de aprendizagem num determinado contexto (de educação, de trabalho, de desenvolvimento pessoal ou profissional). Não se limita a elementos cognitivos (envolvendo o recurso a teorias, conceitos ou conhecimentos tácitos); também abrange aspectos funcionais (envolvendo técnicas e habilidades), bem como atributos interpessoais (por exemplo, habilidades organizacionais) e valores éticos UNESCO (2018).
A mudança em causa é apresentada como:
- inequivocamente positiva, pois será benéfica para todos; 
- plenamente justificada, pois colhe o apoio das mais diversas entidades académicas, sociais e políticas; 
- inevitável, na medida em que decorre de uma demanda que não pode ser travada; e 
- indiscutível porque dará resposta às numerosas e difíceis questões que as novas gerações terão de superar.

É preciso, portanto, declara a OCDE, afirmar uma “narrativa” forte, capaz de mobilizar os mais diversos agentes para concretizar o “futuro que queremos” (“the future we want”). 

Uma análise dessa “narrativa” (que, parecendo simples e compreensível, é imbricada e obscura) deixa perceber uma única via para a educação, solicitando, portanto, uma aceitação conformada. 

Solicita mas não pode solicitar pois educação requer uma constante atenção crítica. Este é um princípio que sempre a acompanhou e que não pode ser descuidado; um princípio que não é compatível com declarações categóricas, últimas, finais, definitivas.

Por isso, ainda que delineada por organismos supranacionais e legitimada por um número crescente de países e regiões tem de ser conhecida e debatida à luz de conhecimento fundamental sobre a educação escolar. De outro modo é o "argumento de autoridade" que a guiará.

2 comentários:

Anónimo disse...

A esquizofrenia está a tomar conta do sistema de ensino. Se não me engano, há dias ouvi na televisão que um tal Bruno de Carvalho, um energúmeno que não tem a mínima noção daquilo que diz da boca para fora, é licenciado em Gestão!!!
O líder principal da claque dos super-dragões, Dr. Fernando Madureira, o Macaco, alcançou o grau de Mestre!!!
Com este presente, torna-se angustioso pensar no futuro da educação!
Estamos a afundar!
Salve-se quem puder!

Anónimo disse...

Isto que temos hoje não é ciência, é um acumular de "conhecimento científico" tendencioso. Cito um Artigo que ridiculariza a perpétua insustentabilidade de conclusões nada científicas. O Artigo acaba de sair e espelha a revolta abafada da classe científica que ainda é séria e integra do seu trabalho:

« Having said all the above, we cannot avoid to ask
ourselves how could such a result have been published
at all, wondering how a similar paper would have
been received if the conclusion were the other way
around. This points to the responsibility of journals
that at present adopt standards orders of magnitude
lower to publish results favouring the dark matter
hypothesis compared to the ones required to papers
claiming the opposite. Our sad conclusion is that
science cannot progress this way. »

Vários, Reply to the claim by van Dokkum et al. for a galaxy not containing dark matter; Date: May 13, 2018; https://arxiv.org/pdf/1805.04817.pdf

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