A
notícia sobre os recebimentos não declarados de Manuel Pinho quando era
ministro da Economia no governo de José Sócrates entre 2005 e 2009 está a
transformar-se num tsunami que pode
causar dano à democracia portuguesa. Segundo revelou o Observador, Pinho recebeu nessa altura, através de um esquema de offshores, a quantia de 14.963,94 euros
por mês, num total de cerca de meio milhão de euros, sendo esta apenas uma
parte dos 2.110.672,80
euros recebidos entre 2002 e 2014. A
proveniência é o chamado “saco azul” do BES, banco para o qual Pinho trabalhou
antes e depois de ser ministro e que era accionista da EDP, empresa que terá
beneficiado. O recebimento por um ministro de uma quantia destas viola a mais
elementar ética política. O caso é decerto judicial, mas é primeiro que tudo político.
Se um membro do governo tinha uma remuneração extra num valor que excedia
largamente o seu salário, isso significa que o servidor do Estado servia a mais
alguém, que parece estar acima do Estado. É a credibilidade do sistema político
que está em causa.
Pinho,
se estivesse a ser injustiçado, só tinha uma atitude: desmentia, imediata e categoricamente,
a notícia. Não o fez: o seu silêncio é estrondoso, faz muito mais barulho do
que se falasse. Algumas vozes do PS, partido em cujas listas ele foi eleito
deputado em 2005, foram dizendo o óbvio. Primeiro a deputada europeia Ana Gomes
disse que o PS devia reflectir sobre como “se prestou a ser instrumento de
corruptos e criminosos” e depois o presidente e líder parlamentar Carlos César
disse que a situação é “incompreensível e lamentável.” O PSD apareceu a seguir,
pedindo a comparência de Pinho no Parlamento. Na sequência, o BE, logo apoiado
pelo PS e PCP, propôs uma Comissão de Inquérito que escrutinasse as medidas do Ministério
da Economia, designadamente na sua relação com a EDP pois tudo indica que o
Estado tem estado a pagar rendas excessivas de energia. O advogado de Pinho informou
que o seu constituinte aceita prestar declarações ao Parlamento (onde se
distinguiu a fazer corninhos!), mas só depois de ser ouvido pelo Ministério
Público, o que vai acontecer sabe-se lá quando. Invocou razões ponderosas, que
não podia divulgar, para o ex-ministro se quedar mudo e calado. Pinho não
percebe que a questão é política para além de judicial, sendo diferentes os meios
e os prazos da política e da justiça. E não percebe que o seu silêncio
prejudica o PS e, claro, o regime.
José
Sócrates, acusado de também ter recebido dinheiros do referido “saco azul”,
nada disse até à data sobre os recebimentos indevidos do seu ministro. Os dois
partilham segredos de uma governação “incompreensível e lamentável” para não
dizer “corrupta e criminosa,” para citar as poucas vozes que procuram salvar a
honra do convento. Os dois fazem parte da mesma rede. Para ver como funcionam
as redes de influências vale a pena escutar este diálogo telefónico entre
Sócrates e Pinho, em que o segundo tenta obter o apoio do primeiro para montar
um duvidoso “intercâmbio académico” em Nova Iorque. Na conversa, de Abril de
2014, Sócrates refere Lula (Observador,
21/3/2018):
“MP: É o seguinte: fazer aqui um…
programa que envolva países de língua de expressão portuguesa, não é? Ou seja… (…) Oh pá, são 10 dias… eh pá,
de… lavagem ao cérebro, pá, convivem com a malta, pá…
JS: Sim, mas quem financia isso?
MP: O que é que eu preciso? Eu
preciso de um financiador brasileiro (…)
JS: Mas portanto isso, você
precisa do Instituto Lula… Lula da Silva e de uma grande empresa brasileira,
que financie isso, não é?
MP: (…) Quantos tipos do PS têm uma experiência destas, de uma semana ou duas
nos Estados Unidos onde vão à Bolsa, vão aos museus, vão às galerias, têm umas
aulas porreiras, isto e aquilo?”
2 comentários:
O desajuste é que ignore que há dez anos atras li uma lista de 34 membros do governo nomeados por Ricardo Salgado. Onde etavam os distraidos que hoje saem a terreiro naturalmente indigniados ? estiveram a dormir na forma ? emigraram e voltaram agora ? ou só agora é que é oportuno mostrar que se repugna esta permiscuidade ?
A moralidade em voga, construída por contraposição à moral cristã, herdada de Salazar e Caetano, prescreve que, pelo menos, até trânsito em julgado da sentença, Sócrates e Pinho são tão inocentes como os três pastorinhos de Fátima. Depois, logo se vê! Os recursos sucessivos para instâncias superiores, ao longo de anos e anos, muitas vezes conseguem adiar para as calendas gregas o cumprimento das penas que impendem sobre os arguidos!...
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