É sempre com
o maior prazer que reproduzo textos (publicados
no “Jornal de Letras”) do académico e crítico literário Eugénio Lisboa, meu prezado Amigo, como este sobre a Feira do Livro de
Leipzig (2021):
Leio nos
jornais que Portugal será convidado de honra na Feira do Livro de Leipzig, em
2021, pensando-se que, com isso, se possa dar um pequeno passo no sentido de se
captar um pouco mais o interesse dos alemães para a literatura portuguesa. Para
isso se providenciaria, nessa altura, que algumas novas traduções, para o
alemão, de obras literárias portuguesas, estivessem disponíveis, bem assim como
a presença física de alguns dos autores traduzidos.
Estes
momentos de intensa “festa” têm, sem dúvida, a sua importância, embora, como
sublinha a conselheira cultural da nossa embaixada, em Berlim, conviesse que
nos preocupássemos também com o pós-2021, com o objectivo de fazer com que o
momentâneo interesse pela cultura portuguesa não esmoreça, a seguir ao foguetório
da Feira.
Gostaria de
aqui fazer duas observações que vêm, acho eu, muito a propósito. Portugal –
sobretudo Lisboa, mas não só Lisboa – parece, neste momento, cavalgar uma onda
alta no sector do turismo. Os estrangeiros estão a “descobrir” que Lisboa é uma bela e atraente cidade e que
Portugal e os portugueses são um destino turístico especialmente aprazível e
amistoso. Julgo que teríamos a obrigação, que até seria vantajosa, de alargar o
nosso conceito de turismo para áreas que transcendem a boa culinária, o bom
vinho, o bom sol, algum fado e o bom feitio dos lusíadas. Há todo um sector – o
turismo cultural – que conviria ser profundamente trabalhado, cavalgando esta
onda de simpatia de que Portugal, de momento, desfruta.
O valor do
turismo cultural, com circuitos turísticos organizados tematicamente e
envolvendo, por exemplo, a Lisboa de Fernando Pessoa ou de Eça de Queirós ou a
Trás-os-Montes de Miguel Torga ou de Teixeira de Pascoaes, entre muitos outros
que não custa muito congeminar – é incontestável. Este turismo cultural visa
uma fatia especial de turistas: é um turismo que fixa mais profundamente o turista à nossa terra e à nossa cultura e
o torna, eventualmente, um frequentador mais assíduo e persistente do nosso
país.
A este turista, seria propiciada sempre a aquisição, na sua língua, de obras literárias ou de outra natureza, para as quais se sentiria seduzido pelo próprio interesse que encontra nos sítios, nos monumentos, nas pessoas. E nem seria muito de admirar que esta espécie de conquistado novo amigo da nossa terra e da nossa cultura acabasse por desejar aprender a nossa língua, não só para melhor comunicação, mas também para um contacto mais directo – sem o intermediário da tradução – e mais eficaz com a nossa literatura e cultura.
A este turista, seria propiciada sempre a aquisição, na sua língua, de obras literárias ou de outra natureza, para as quais se sentiria seduzido pelo próprio interesse que encontra nos sítios, nos monumentos, nas pessoas. E nem seria muito de admirar que esta espécie de conquistado novo amigo da nossa terra e da nossa cultura acabasse por desejar aprender a nossa língua, não só para melhor comunicação, mas também para um contacto mais directo – sem o intermediário da tradução – e mais eficaz com a nossa literatura e cultura.
Há hoje, em
Portugal, alguns bons especialistas em turismo cultural e não seria difícil aos
nossos serviços de turismo, com o apoio de tais especialistas, organizar bons e
apelativos circuitos culturais que vendessem aos turistas interessados. Seria
um bom e duradouro investimento e a captação de amigos permanentes de Portugal.
E, por falar
na aprendizagem da língua, venho agora ao meu segundo tópico: precisamente, o
ensino da língua portuguesa. Falámos atrás na propiciação de traduções de obras
de bons autores portugueses, destinadas aos utentes dos circuitos culturais
centrados na figura dos autores traduzidos. É uma primeira aproximação à nossa literatura, esta que se faz por intermédio de
traduções. Mas não chega a ser muito satisfatória.
Nenhuma obra traduzida – sobretudo se for de um grande escritor – dá nunca medida justa do talento ou do génio desse escritor. Fernando Pessoa traduzido não é Fernando Pessoa: é apenas uma pálida alusão ao grande poeta. Eça de Queirós traduzido perde grande parte do fulgor, da picante maldade, da mordedura do estilo, que se patenteiam nos seus romances admiráveis. Com a poesia é talvez muito pior do que com a prosa.
Dizia o poeta sul-africano Roy Campbell que poesia é aquilo que fica de fora, quando se traduz um poema. Isto é: a tradução de poesia propicia tudo … menos poesia. Dificilmente concebo O’Neill, Herberto Helder ou Sophia em traduções que transmitam, mais ou menos intacto, o fulgor do original. Toda a tradução é mais ou menos infiel. Dá tudo menos o essencial. Não concebo, facilmente, uma boa e eficaz tradução de A Confissão de Lúcio, de Sá-Carneiro, para dar só mais um exemplo de versão de extrema dificuldade.
Portanto, o nosso objectivo último deve ser convencer os estrangeiros a lerem os nossos poetas, os nossos ficcionistas, os nossos dramaturgos, na língua original deles, que é o português. Se quisermos que o seu génio seja realmente apreciado, só há, em última análise, uma via: promover que o maior número de estrangeiros estudem a nossa língua.
Deverá pois ser essa a política do Instituto Camões: considerar que a promoção de obras portuguesas traduzidas é apenas uma etapa provisória e relativamente insatisfatória, enquanto se não habilita o estrangeiro ao contacto com a realidade viva da língua portuguesa. Este esforço deve ser levado a efeito nos próprios países onde se pretende que o português seja aprendido. E não só a nível universitário, com a proverbial ajuda dos “leitores” de língua portuguesa.
Eu diria mais: e, sobretudo, a nível não universitário, até porque este será sempre subsidiário do afluxo de alunos que já venham preparados, do ensino primário e secundário e que irão abastecer os cursos do superior.
Não se trata, convenho, de uma tarefa fácil – integrar o Português nos currículos das escolas – e nisto têm de se empenhar com persistência as embaixadas portuguesas acreditadas nos países que se visa sensibilizar para o ensino do Português. Enquanto este não fizer parte integrante dos cursos primários e secundários – não como disciplina “outsider”, mas como cadeira inserida no currículo escolar – a batalha não estará ganha.
Isto pressupõe um persistente esforço diplomático, uma tarefa de persuasão, uma insistente luta com os ministérios de educação dos diferentes países, seduzindo-os, eventualmente, com contrapartidas aliciantes (por exemplo: cursos de formação, em Portugal, para docentes estrangeiros de português que iriam depois ensinar nos seus países). Mas é à conquista da disseminação da língua portuguesa que devemos partir.
Enquanto não trouxermos o estrangeiro até à nossa língua, teremos ficado apenas a meio do caminho. Vender a nossa literatura em tradução é apenas a primeira metade da tarefa que nos incumbe. Os nossos grandes escritores são para serem lidos em toda a força da sua própria língua. Dá-los traduzidos é propiciar apenas uma sombra do que são. O picante de Eça, as sinestesias e metáforas de Sá-Carneiro, a malícia peculiaríssima de O’Neill não são ofertáveis em pálidas versões que pouco mais serão do que contrafacções.
No dia em que pudermos oferecer percursos culturais fortes, apoiados em obras aliciantes que o turista estrangeiro possa manusear na sua frescura original, estaremos a percorrer um bom e seguro caminho. Não se fará em dias, em meses, em poucos anos. Será uma longa conquista.
Mas é o caminho. Portugal está na moda: saibamos aproveitar a ocasião para começar a vender, de par com outras capitosas iguarias, a língua portuguesa, veículo essencial para uma melhor aproximação à literatura e à cultura.
Eugénio Lisboa
Nenhuma obra traduzida – sobretudo se for de um grande escritor – dá nunca medida justa do talento ou do génio desse escritor. Fernando Pessoa traduzido não é Fernando Pessoa: é apenas uma pálida alusão ao grande poeta. Eça de Queirós traduzido perde grande parte do fulgor, da picante maldade, da mordedura do estilo, que se patenteiam nos seus romances admiráveis. Com a poesia é talvez muito pior do que com a prosa.
Dizia o poeta sul-africano Roy Campbell que poesia é aquilo que fica de fora, quando se traduz um poema. Isto é: a tradução de poesia propicia tudo … menos poesia. Dificilmente concebo O’Neill, Herberto Helder ou Sophia em traduções que transmitam, mais ou menos intacto, o fulgor do original. Toda a tradução é mais ou menos infiel. Dá tudo menos o essencial. Não concebo, facilmente, uma boa e eficaz tradução de A Confissão de Lúcio, de Sá-Carneiro, para dar só mais um exemplo de versão de extrema dificuldade.
Portanto, o nosso objectivo último deve ser convencer os estrangeiros a lerem os nossos poetas, os nossos ficcionistas, os nossos dramaturgos, na língua original deles, que é o português. Se quisermos que o seu génio seja realmente apreciado, só há, em última análise, uma via: promover que o maior número de estrangeiros estudem a nossa língua.
Deverá pois ser essa a política do Instituto Camões: considerar que a promoção de obras portuguesas traduzidas é apenas uma etapa provisória e relativamente insatisfatória, enquanto se não habilita o estrangeiro ao contacto com a realidade viva da língua portuguesa. Este esforço deve ser levado a efeito nos próprios países onde se pretende que o português seja aprendido. E não só a nível universitário, com a proverbial ajuda dos “leitores” de língua portuguesa.
Eu diria mais: e, sobretudo, a nível não universitário, até porque este será sempre subsidiário do afluxo de alunos que já venham preparados, do ensino primário e secundário e que irão abastecer os cursos do superior.
Não se trata, convenho, de uma tarefa fácil – integrar o Português nos currículos das escolas – e nisto têm de se empenhar com persistência as embaixadas portuguesas acreditadas nos países que se visa sensibilizar para o ensino do Português. Enquanto este não fizer parte integrante dos cursos primários e secundários – não como disciplina “outsider”, mas como cadeira inserida no currículo escolar – a batalha não estará ganha.
Isto pressupõe um persistente esforço diplomático, uma tarefa de persuasão, uma insistente luta com os ministérios de educação dos diferentes países, seduzindo-os, eventualmente, com contrapartidas aliciantes (por exemplo: cursos de formação, em Portugal, para docentes estrangeiros de português que iriam depois ensinar nos seus países). Mas é à conquista da disseminação da língua portuguesa que devemos partir.
Enquanto não trouxermos o estrangeiro até à nossa língua, teremos ficado apenas a meio do caminho. Vender a nossa literatura em tradução é apenas a primeira metade da tarefa que nos incumbe. Os nossos grandes escritores são para serem lidos em toda a força da sua própria língua. Dá-los traduzidos é propiciar apenas uma sombra do que são. O picante de Eça, as sinestesias e metáforas de Sá-Carneiro, a malícia peculiaríssima de O’Neill não são ofertáveis em pálidas versões que pouco mais serão do que contrafacções.
No dia em que pudermos oferecer percursos culturais fortes, apoiados em obras aliciantes que o turista estrangeiro possa manusear na sua frescura original, estaremos a percorrer um bom e seguro caminho. Não se fará em dias, em meses, em poucos anos. Será uma longa conquista.
Mas é o caminho. Portugal está na moda: saibamos aproveitar a ocasião para começar a vender, de par com outras capitosas iguarias, a língua portuguesa, veículo essencial para uma melhor aproximação à literatura e à cultura.
Eugénio Lisboa
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