Realizou-se há poucos dias um mega Congresso de Nutrição e Alimentação, organizado pela Associação Portuguesa de Nutrição.
Foi notícia de jornal e de televisão (ver, por exemplo, aqui e aqui) o facto de esse congresso ter sido patrocinado por empresas de produtos alimentares e afins e ter incluído no seu programa comunicações de representantes dessas empresas.
A questão que sobressaiu é que entre essas empresas estavam algumas que os próprios nutricionistas afirmam a pés juntos não contribuírem em nada, com os seu produtos, para a saúde pública.
Presumo que se essas empresas estivessem ausentes e só estivessem presentes aquelas que produzem alimentos que os nutricionistas considerados saudáveis, não haveria notícia.
A questão está mal posta. Na verdade, é de outra natureza: trata-se de misturar trabalho científico com interesses empresariais e (o que não foi falado) com infiltração política, pois no programa constavam vários membros do Governo.
Um evento desta natureza deveria ser científico. Ponto.
Não importa que estejam em causa empresas amigas ou inimigas disto ou daquilo, de a infiltração política parecer razoável ou não; trata-se, tão simplesmente, de defender a isenção científica. Afinal, nesta matéria como noutras coisas, tal como a mulher de César, não basta ser, importa também parecer.
O problemas não é das empresas (que podem insinuar-se, sim) nem dos políticos (que podem ficar agradecidos pelos convites), é, unica e exclusivamente, das entidades científicas que têm o especial dever de defender a honestidade, a racionalidade e a isenção face a qualquer poder ou possibilidade de exercício de poder.
Mais, os próprios congressos, seminários, jornadas, colóquios... que se apresentam como científicos têm de ser mesmo científicos. Mas, do que vejo, isto tende a deixar de acontecer: muitos são, eles próprios, grandes ou pequenos acontecimentos empresariais, que garantem visibilidade e financiamento.
O que acabo de dizer aplica-se inteiramente aos eventos que se apresentam como científicos na área da Educação, sejam eles nacionais ou internacionais: lá estão as empresas, lá estão os políticos. E não só com produtos e ideologias: constam dos programas, com o mesmo protagonismo de quem estudou durante uma vida inteira, tomam a palavra e debitam certezas inabaláveis. Claro, quem quer vender ou ser eleito é com essas certezas que fala; as plateias, nada preparadas em termos científicos, gostam.
Neste cenário, que nem as academias nem as ordens profissionais acham estranho, resta a cada um tomar as suas próprias decisões. No que me cabe, há muito que tomei as minhas.
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5 comentários:
Ó Dona Élena, e quem acha que paga os cofee breaks, as jantaradas & as passeatas do chamado programa social ?
Prezado Leitor Anónimo
Pagamos todos e muito caro. O preço é a liberdade científica... que, sendo tão preciosa, não pode ter preço. Assim, se tivermos de pagar o nosso próprio café e se ficarmos sem (mais) uma pasta com caneta não há-de vir mal ao mundo.
MHDamião
- Seria interessante "apurar" o que, neste congresso e em muitos outros, poderia ser adjetivado honestamente de científico - de entre comunicadores e comunicações.
- Qualquer um se pode intitular de cientista; e qualquer "trabalho" poderá ser considerado científico. Não há - e que houvesse - entidades certificadoras de agentes e produtos científicos.
- Até há as "ciências ocultas" e muitas pantominices integradas nas ciências humanas (tudo com minúsculas, pois claro!)
Os professores, como eu, participam muitas vezes em congressos científico-educativos com o objetivo de poderem levantar a capa com o bloco e a caneta, antes do início da sessão plenária no anfiteatro grande, e, no fim, terem direito ao certificado com que justificarão a falta na escola. Estar confortavelmente sentado a assistir a preleções muito doutas sobre os mais modernos métodos e estratégias de ensino/ aprendizagem é muito melhor do que estar numa sala fechada com trinta adolescentes que estão fartos de nos ver e ouvir.
Penso que esta reflexão deve interessar-vos a todos, pois é a base da lógica destes fenómenos:
Olavo de Carvalho e Paulo Roberto de Almeida - Globalismo (Webinário 2018)
https://www.youtube.com/watch?v=0QiSU9216U8
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