quarta-feira, 23 de maio de 2018

DISCURSO MEU E DE JOSÉ EDUARDO FRANCO POR OCASIÃO DO RECEBIMENTO DO PRÉMIO JOSÉ MARIANO GAGO


Cabe-me agradecer, em meu nome e do José Eduardo Franco, o Prémio José Mariano Gago de divulgação científica, distinção que nos concedeu a Sociedade Portuguesa d Autores –   SPA e que muito nos honra. São vários os motivos que concorrem para a nossa honra: em primeiro lugar, o prémio ter o nome de José Mariano Gago, nosso saudoso Amigo, homem de ciência e de cultura e grande construtor do edifício da ciência em Portugal. O dia do seu aniversário, 16 de Maio, celebrado há pouco é o Dia do Cientista Português, mas também é, curiosamente, o Dia Internacional da Luz, por determinação da UNESCO. Coincidência adequada: Mariano Gago fez luz sobre um país que estava em parte escurecido! Em segundo lugar, o facto de se tratar da primeira edição do prémio, em boa hora instituída pela SPA para que a ciência seja uma parte mais visível da cultura. Em terceiro lugar, porque o Prémio é entregue no Dia do Autor Português, no 93.º aniversário da SPA. A pluralidade e riqueza de autores aqui presentes, alguns deles justamente distinguidos, reflecte bem a imensa variedade e virtuosidade da cultura nacional. Estamos orgulhosos de estar na Vossa companhia.

A Obra que o júri decidiu premiar não é uma, é um conjunto de 30 volumes, dos quais só saíram 8 até à data: “Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa”, saídas sob a égide das Universidades de Coimbra e Aberta e com vários apoios e patrocínios.. Reúne um conjunto selecionado de obras nos mais variados ramos da cultura e do saber que, escritas de raiz na língua portuguesa, inauguraram esses ramos entre nós. São, em 30 volumes, cerca de 80 obras, de praticamente outros tantos autores que vão do século XII ao século XIX. Hoje é o dia deles, não só o dia dos autores actuais mas também o dia dos autores pretéritos sem os quais os actuais não podiam ter feito obra. Como disse o Padre António Vieira:

“Pigmeus nos reconhecemos em comparação daqueles gigantes que olharam antes de nós para as mesmas Escrituras. Eles sem nós viram muito mais do que nós pudéramos ver sem eles, mas nós, como viemos depois deles e sobre eles, pelo benefício do tempo vemos hoje o que eles viram, e um pouco mais. O último degrau da escada não é maior que os outros, antes pode ser menor; mas basta ser o último e estar em cima dos demais, para que dele se possa alcançar o que dos outros se não alcançava.”
in História do Futuro, Obras Completas, Tomo III, Vol I,  Lisboa, CL, 2014, p. 147

O trabalho de edição, que é publicada pelo Círculo de Leitores – muito obrigado ao Círculo pelo seu excelente trabalho, que está em curso - só é possível graças a um enorme esforço interdisciplinar, a cargo de uma vasta equipa interdisciplinar de cerca de 170 investigadores de meia centena de centros de investigação. O prémio é, claro, também deles. E porque o trabalho é colectivo, eu e o José Eduardo Franco decidimos que o valor do prémio fosse entregue ao projecto das “Obras Pioneiras”, de modo a que alguns jovens autores possam ver retribuído de forma justa o seu trabalho. A SPA torna-se assim mecenas da obra, juntando-se a outros como a Fundação Gulbenkian, sem os quais as “Obras Pioneiras” não poderiam ter surgido.

Ciência é cultura, como as “Obras Pioneiras” mostram. Os primeiros versos impressos de Camões vieram à estampa num livro de ciência em português de 1563: “Colóquio dos Simples” de Garcia da Orta,  precisamente uma das “Obras Pioneiras”. Camões canta O fruto daquela Orta onde florescem/ Plantas novas, que os doutos não conhecem,” mostrando que onde cresce a ciência cresce também a arte. Há que divulgar ciência e arte juntas, pois as duas são faces do grande mundo da cultura.

Muito obrigado!
Lisboa, 22 /Maio/2018

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