sábado, 26 de maio de 2018

O PAPEL DO PAPEL: PASSADO E FUTURO DAS BIBLIOTECAS


Resumo da minha intervenção no TEDx de Aveiro hoje:

Os livros são feitos de papel e o papel vem das árvores. Foram os chineses os inventores do papel no séc. II a.C.: as primeiras impressões foram feitas na China, no séc. III. O papel chegou à Europa através dos árabes só no século XI, mas a imprensa não chegou. Teve de ser reinventada no séc. XV na Alemanha, por Gutenberg, que causou o que podemos chamar as “segundas impressões.” Foi uma verdadeira revolução no Ocidente. Carl Sagan escreve, em “Cosmos”, que a “escrita foi a maior das invenções humanas, ligando as pessoas, cidadãos de épocas distantes que nunca se chegaram a conhecer. Os livros quebram as cadeias do tempo, provam que os seres humanos são capazes de exercer a magia”.

O livro é, de facto, um instrumento mágico – permite-nos ouvir directamente alguém do passado - e com Gutenberg a magia passou a estar por todo o lado. A Revolução Científica nos sécs. XVI-XVII que significou o início da ciência moderna não teria sido possível sem a Revolução de Gutenberg: Nicolau Copérnico, André Vesálio, Galileu Galilei e os portugueses Garcia da Orta e Pedro Nunes escreveram livros que hoje se conservam em bibliotecas históricas, autênticas cápsulas do tempo, como a Biblioteca Joanina de Coimbra, não só uma das mais belas do mundo mas também uma das mais preciosas por guardar esses e outros livros como uma das Bíblias mais raras da época de Gutenberg e o exemplar único de um dos “Roteiros da Índia” de D. João de Castro, que ilustra a ponte que os Portugueses estabeleceram no séc. XVI entre Ocidente e Oriente. As bibliotecas foram desde sempre repositórios de cultura, sendo a ciência uma parte essencial da cultura.

Na segunda metade do século XX, irrompeu outra revolução que mudou o livro e as bibliotecas: a revolução electrónica. Os computadores, conectados pela World Wide Web, proliferaram pelo planeta. As bibliotecas, que continuaram obviamente a ter livros em papel, passaram a ser, para além de repositórios de papel, repositórios digitais, quer de livros em papel digitalizados, quer de livros e publicações eletrónicas. Uns e outros passaram a estar acessíveis urbi et orbi,  permitindo o acesso aberto ao conhecimento. Hoje as bibliotecas estão por todo o lado, mesmo no nosso bolso através dos telemóveis. Hoje podemos falar de bibliotecas sem paredes. Elas são uma extensão da nossa memória.

O papel e o digital não são inimigos, antes se complementam. Digitalizam-se as impressões de papel e até se podem colocar conteúdos digitais em memórias electrónicas de papel. Estou em crer que os livros em papel vão continuar tal como as bibliotecas que os albergam, ao mesmo tempo que os conteúdos digitais vão continuar a multiplicar-se: Já há, de facto, bibliotecas que não têm um único livro em papel, como a Biblioteca da Universidade Politécnica da Florida, que é apenas um belo sítio com wifi. Significará isso que à vista o fim do papel, do livro e das bibliotecas? As notícias da morte do papel são um bocadinho exageradas. Na nossa sociedade  cada vez se produz mais papel e cada vez se consome mais papel. Desenvolvimento é sinónimo de papel: os países com mais papel-moeda são também aqueles com mais papel em geral, com mais livros e mais bibliotecas… Um dos sinais de desenvolvimento é, de resto, a construção de novas bibliotecas contendo livros em papel, como a espectacular e muito recente Biblioteca de Tianjin, na China.

Conforme diz Carl Sagan: “Os livros permitem-nos viajar no tempo, beber na própria fonte a o saber dos nossos antepassados. A biblioteca põe-nos em contacto com as concepções e o saber, a custo extraídos da Natureza, das maiores mentes até agora existentes, com os melhores professores, provindos de todo o planeta e de toda a nossa história para menos inspirarem e dar a nossa contribuição ao saber colectivo da espécie humana. (…) A saúde da nossa civilização… pode ser medida pelo apoio que damos às nossas bibliotecas.”

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