Minha recensão publicada na última Gazeta de Física:
Não são muitos os professores de
Física portugueses que põem à disposição dos seus alunos e dos alunos de
outros, sob a forma de livro impresso, elementos de estudo. Muitos fazem-no sob
a forma de notas de curso on-line.
Mas o livro está bem longe de estar morto e todos sabemos que a manipulação
física das folhas de um livro para a frente ou para trás não é exactamente o
mesmo que percorrer um ficheiro num ecrã. O conteúdo pode ser exactamente o
mesmo, mas o design conta. Num livro
que seja nosso podemos sublinhar e anotar o que bem queremos (bem sei que isso
é de certo modo possível também num ficheiro pdf, mas não é a mesma coisa…)
É, por isso, de saudar que os
físicos António Silvestre e Paulo Teixeira, professores do Instituto Superior
de Engenharia de Lisboa (o primeiro doutorado pela Universidade de Lisboa e
especialista em ciência de materiais e o segundo doutorado pela Universidade de
Southampton e especialista em matéria mole), tenham decidido publicar as suas lições do
curso de Mecânica Geral que ensinam na sua escola a estudantes do primeiro ano
de Engenharia Química e Biológica. O livro foi um êxito, pois, saído em 2013,
um ano depois aparecia a segunda edição, convenientemente revista. No prefácio
à primeira edição os autores justificavam a sua obra referindo a escassez de
obras de Física Introdutória em português. De facto, como eles próprios,
reconhecem há muitas em português do Brasil, quer em tradução quer originais.
Eles referem dois dos clássicos traduzidos para português, o Sears e Zemansky e
o Halliday e Resnick. Mas há outros, como o Tipler (que adoptei quando ensinei Física Geral em
Portugal) ou o Hecht (que adoptei em cursos desse tipo que dei nos Estados
Unidos e que tem tradução em português). Não penso, como os autores, que as
traduções brasileiras sejam más, mas concordo com eles que constitui um lucro para
a cultura portuguesa a publicação de obras pedagógico-científicas usando a nossa
norma. A física é universal, mas, agora que há entre nós mais estudantes a
estudar física, sejam eles de física, sejam de outras ciências, sejam ainda de
engenharia, eles lucram em ter à sua disposição mais manuais na sua língua-mãe.
Este livro vem, em boa hora, juntar-se a outros congéneres - não muitos, lembro-me
do Fundamentos de Física, saído na
Almedina, de Maria José Almeida e Maria Margarida Costa, que já vai na terceira
edição e que, além de mecânica, inclui
outros temas da Física Clássica, como Electromagnetismo e Óptica.
O livro em apreço é bastante
completa abordando os assuntos da mecânica de um modo padrão, progredindo do
conceptualmente mais fácil para o mais difícil: após a apresentação do cálculo
vectorial, os autores tratam a cinemática do ponto, as leis de Newton, a
dinâmica de uma partícula material, a dinâmica de um sistema de partículas, a
dinâmica do corpo rígido e, finalmente, a relatividade restrita (interessante,
mas há tempo?). Um apêndice apresenta relações matemáticas. O capítulo
introdutório sobre cálculo vectorial poderia também ter vindo em apêndice,
sendo chamado no corpo principal do texto à medida que a física o exigisse (o
professor poderia sempre, perante alunos carentes, começar pelo apêndice).
Tendo consultado de forma aleatória algumas das secções em que está estruturado
percebi logo que a escrita era clara, cumprindo o livro o seu propósito pedagógico.
Gostei, por exemplo, da discussão sobre massa variável, que nem sempre se faz. Não
simpatizei tanto com a secção sobre “energia térmica” e “conservação da energia
total”. De facto, não gosto da expressão “energia térmica”, por ela poder dar
azo a más interpretações, como a de calor: prefiro falar em “energia interna”.
E falar de energia total é algo ambíguo, pois poder-se-ia logo ter esclarecido
que num sistema que além de mecânico é termodinâmico à variação da energia
mecânica (do sistema como um todo, visto como “concentrado” no centro de massa)
acresce a variação de energia interna. Mas este assunto tem muito que se lhe
diga (por exemplo, a questão do pseudo-trabalho) e percebo que os autores
tenham querido ser sucintos. O livro em causa tem o grande mérito de incluir numerosos
exemplos de aplicação, com questões resolvidas e problemas (as soluções estão, e
muito bem, no fim). Fiquei um pouco admirado de o livro não incluir mais
exemplos relacionados com a biologia, já que o público-alvo é formado por
alunos de Engenharia Química e Biológica, mas percebo essa omissão uma vez que
a mecânica introdutória não encontra uma aplicação fácil nessas áreas.
De que é que gostei mais e do que
é que gostei menos neste livro? Gostei mais das secções com asterisco,
aplicações da mecânica muito interessantes, que num caso resultam de investigação
pedagógica original dos autores (designadamente
a que consta do artigo “Uma normal muito anormal” publicado na Gazeta de Física em 2000). Há aqui
verdadeiras pérolas, que dificilmente se encontram noutro lado. Gostei menos da
apresentação do livro, demasiado espartana, numa época em que os livros de
Física Geral internacionais privilegiam as imagens, incluindo não só fotografias
como simulações computacionais. Mas mais e melhores ilustrações tornaria caro
um livro que é barato.
Recomendo portanto o novo manual
não só a alunos que estão a frequentar nas universidades ou politécnicos uma
disciplina introdutória de Física, como, agora que houve uma ligeira alteração
dos programas do secundário, aos professores de Física desse grau de ensino que
queiram ter à mão um livro de referência sobre o sempre eterno tema da mecânica
clássica e relativista. Os autores e a sua escola estão de parabéns por mais
esta contribuição ao ensino da Física em Portugal.
- António Jorge Silvestre e Paulo Ivo Teixeira, Mecânica. Uma introdução, Lisboa:
Edições Colibri e Instituto Politécnico de Lisboa, 2.ª edição revista, 2014
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