Meu artigo no "As Artes entre as Letras", a revista cultural do Porto quase a fazer anos:
Vemos por todo o lado cores na Natureza, não apenas as sete
tradicionalmente atribuídas ao arco-íris mas todos os cambiantes entre elas e
misturas delas. É um defeito muito raro aquele que impede alguém de ver as
cores, limitando-o a ver o mundo a preto e branco. No ambiente do nosso
planeta, os nossos olhos adaptaram-se, ao longo do caminho de evolução
biológica, a perceber as cores. Os responsáveis são células situadas na retina
chamadas cones e bastonetes. Não passam de fotoreceptores ou sensores, que
convertem luz em corrente eléctrica. Os cones, em número de seis milhões em
cada olho, são de três tipos. Cada um deles capta melhor cada uma das três
cores básicas – o vermelho, o verde e o azul – com as quais se podem fazer as
outras. Por outro lado, os bastonetes, mais centrados no verde, são capazes de
captar luz muito menos intensa: são por isso os sensores por excelência da
visão nocturna. Como, ao contrário dos cones, os bastonetes, em número muito
maior do que os cones (são cerca de 120 milhões!), se podem situar na
periferia, são grandes auxiliares da visão periférica. Dizemos que de noite
todos os gatos são pardos, porque só os conseguimos ver com a ajuda dos bastonetes.
No conjunto dos nossos dois olhos existem cerca de 250
milhões de sensores (somando o número de cones com o número de bastonetes).
Isso corresponde a 250 megapixels, uma resolução muito superior à de uma
moderna câmara digital que consegue, se for de suficiente qualidade, uns 18
megapixels. Ainda por cima, a nossa vista tem mecanismos de interpolação entre
os pixels, semelhantes aos que algumas câmaras utilizam.
É devido a deficiências nos cones que algumas pessoas são
daltónicas, isto é, têm dificuldades em distinguir algumas cores,
principalmente o verde e o vermelho. Com o azul não há, regra geral, problemas…
Este defeito de visão, que abrange cerca de oito por cento dos homens (alguns
não sabem, embora haja testes simples para diagnosticar daltonismo) mas apenas
0,4 por cento das mulheres. Trata-se de um defeito genético, associado ao
cromossoma X , que surge sozinho nos
homens mas emparelhado nas mulheres.
A cor de que nos apercebemos no cérebro, resulta de três
factores: a fonte de luz, o objecto em si que reflecte ou difunde parte da luz
que recebe e os nossos olhos, que podem ver melhor ou pior as cores. Quando,
através do nervo óptico, o sinal que contém informação luminosa chega ao
cérebro, a sensação de cor que se forma é necessariamente subjectiva. Há casos
muito interessantes de sinestesia, isto é a criação da sensação de cores por
estímulo sonoros e não visuais. O poeta francês Rimbaud fala, em versos, das
cores das vogais: “A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul,
vogais, / Ainda desvendarei
seus mistérios latentes:”
Será que os outros animais também vêem cores e, no caso
afirmativo, será que as vêem graças aos três referidos tipos de cones, tal como
nós? De facto, os primatas têm uma visão semelhante à nossa, dita tricromática.
Os cangurus e as abelhas também têm essa visão (o caso das abelhas é muito
particular, pois elas não vêem o vermelho, mas vêem o ultravioleta, conseguindo
por isso localizar o Sol, mesmo num dia de névoa). Mas nem todos os primatas
são tricromáticos. A evolução conduziu a desenvolvimentos separados: muitos macacos
do Novo Mundo só têm visão dicromática.
A maior parte dos mamíferos
não primatas têm visão dicromática:
não conseguem distinguir entre o vermelho e o verde. E há mamíferos de visão monocromática como
alguns animais marinhos. Mas muitos animais têm mais tipos de cones do que os seres humanos: os répteis, anfíbios, aves e insectos têm
maior capacidade de reconhecimento de cores do que os humanos pois a sua visão
é tetracromática. Alguns insectos – como certas espécies de borboletas – e
algumas aves – como os pombos – chegam a ser tetracromáticos. O mundo é bem
mais colorido para eles!
Os mecanismos evolutivos para se conseguir ver melhor certas
cores têm, em geral, a ver com a captura de alimentos. Vermos bem o vermelho
dá-nos muito jeito para apanharmos certos frutos, ao passo que para as abelhas,
que não vêem o vermelho (nem é preciso, porque quase não há flores vermelhas),
verem o ultravioleta dá muito jeito nos campos de flores. A visão ultravioleta
é também muito útil para algumas aves. Acrescento, já que estou a falar em
aves, que elas são provavelmente, de todos os animais, aqueles que têm maior
capacidade visual. Não é por acaso que se fala em olho de águia. Não tem apenas
a ver com a variedade de cones (o grau de cromatismo), mas também com o número
de cones e bastonetes (o tal número de megapixels) e, evidentemente, com toda a
restante óptica do olho, já que para uma boa fotografia importam não só os
sensores como também as lentes e o diafragma. Um falcão consegue ver um
minúsculo rato num prado a quilómetros de altitude! Também não é por acaso que
se fala do olho de lince. Entre os mamíferos, os felinos são os animais com a
acuidade visual mais extraordinária. Tanto no ar como na terra, a visão foi
sendo desenvolvida no mundo animal para que cada espécie pudesse encontrar mais
facilmente os seus alimentos, assegurando assim a sua sobrevivência.
A história evolutiva que conduziu à visão da cor é
fascinante. Um antepassado muito remoto dos primatas deve ter sido
tetracromático, mas a certa altura, no tempo dos dinossauros, os antepassados
dos actuais mamíferos perderam, por uma mutação, uma boa parte da visão da cor,
ao ficar só com dois dos cones dos quatro que existiam. Os primatas readquiriram
mais tarde alguma da capacidade de ver a cor, por um fenómeno chamado duplicação
de genes. Isto passou-se no Terciário Inferior, há mais de vinte milhões de
anos, pelo que não admira que permaneça em parte na obscuridade. Paleontólogos,
geneticistas, biólogos, físicos e químicos trabalham em conjunto para
esclarecer os mistérios da origem da nossa capacidade de ver o mundo colorido.
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