“Receber
um prémio da TV é o mesmo que ser beijado por alguém com mau hálito”.
Mason Williams
Em Lourenço Marques,
onde vivi até 1976, fui feliz por um vasto leque de razões. Uma das razões,
que, por descuido, nunca mencionei, foi o facto de não haver, ali, televisão.
Não ver televisão é um dos mais irrevelados segredos relativos à arte de ser
feliz. Por outro lado, não ver televisão contribui, de modo incrível, para o
aumento do nível da nossa educação e cultura. Groucho Marx, por acaso, até nem
estava de acordo comigo, neste ponto, quando escrevia: “Acho a televisão tremendamente educativa. De cada vez que alguém
liga a televisão, vou para outra sala e leio um livro.” Não está mal visto,
mas obriga-nos a viver em casas com maior número de quartos, o que nos vai à
algibeira.
Quando, nos
intervalos do trabalho frenético de escrever as minhas memórias, ligo o televisor,
para me “relaxar”, tenho a impressão de me afundar num pântano. Em geral,
depois de uma manhã de bom e honesto trabalho, à la recherche du temps perdu, ligo para um daqueles programas
televisivos, entre o meio dia e as 13.00, em que a Júlia Pinheiro ou o Goucha
ou, na RTP1, um casalinho cujos nomes “não guardo na memória” nos dão, aos
baldes, crimes góticos, tremendos, com pancada, tortura e sexo maléfico,
doutamente comentados por juristas, jornalistas e psicólogos e/ou psiquiatras,
os quais nos não poupam os pormenores mais vivos e deprimentes (e coloridos!)
daquele pantanal, que tão bem “se vende”.
O que é curioso é serem os três canais, em simultâneo, a darem-nos aquela papa baudelaireana: se um nos propicia um horrendo estripador (que usa faca - mal afiada – e vidro rombo, para rasgar, “com dor”, a carne martirizada), o outro oferece-nos um marido que baleou ferozmente a mulher e o terceiro, para não ficar atrás destes, delicia-nos com um negro boçal e infame que praticou um nefando crime de violação sexual.
Isto, todos os dias, sem falhar um. Pelo meio, falam, de raspão, no sexo dos anjos e oferecem, como prenda, prémios vários, mas o tema de fundo é o fado do grande e hòrrível crime. É este que garante audiências lascivas e necessitadas de violência e sexo, como se necessita de droga. E gosto de ver o ar beato e repleto da Júlia, do Goucha, do tal casalinho RTP e do público de senhores e senhoras respeitáveis, que se babam de gozo e virtude, ao ouvirem pormenores “científicos” e ardentes sobre a carne retalhada das vítimas ou o resto de sémen, de que se encontraram restos desleixados, nos lábios macerados da vulva.
É o que se chama educação “a quente”. E aquilo é diário! E aquilo dura há milénios! É aquilo que garante audiências e, portanto, publicidade. Nem vale a pena procurar outro tema: aquele é que “dá”. George Faludy, o lendário escritor húngaro, de extracção judia, mandado pelo terror comunista para os campos de concentração, de que nos deixou um celebrado testemunho – Os Meus dias Felizes no Inferno – gostava de falar da televisão, nestes termos: “A maior parte das estações de televisão americanas reproduzem, ao longo da noite, aquilo que um romano podia ter visto no Coliseu, durante o reinado de Nero.” É também isso que nos proporcionam, com um bonito sorriso de “tudo bem”, as manhãs queridas da Júlia, do Goucha e do casalinho RTP.
O que é curioso é serem os três canais, em simultâneo, a darem-nos aquela papa baudelaireana: se um nos propicia um horrendo estripador (que usa faca - mal afiada – e vidro rombo, para rasgar, “com dor”, a carne martirizada), o outro oferece-nos um marido que baleou ferozmente a mulher e o terceiro, para não ficar atrás destes, delicia-nos com um negro boçal e infame que praticou um nefando crime de violação sexual.
Isto, todos os dias, sem falhar um. Pelo meio, falam, de raspão, no sexo dos anjos e oferecem, como prenda, prémios vários, mas o tema de fundo é o fado do grande e hòrrível crime. É este que garante audiências lascivas e necessitadas de violência e sexo, como se necessita de droga. E gosto de ver o ar beato e repleto da Júlia, do Goucha, do tal casalinho RTP e do público de senhores e senhoras respeitáveis, que se babam de gozo e virtude, ao ouvirem pormenores “científicos” e ardentes sobre a carne retalhada das vítimas ou o resto de sémen, de que se encontraram restos desleixados, nos lábios macerados da vulva.
É o que se chama educação “a quente”. E aquilo é diário! E aquilo dura há milénios! É aquilo que garante audiências e, portanto, publicidade. Nem vale a pena procurar outro tema: aquele é que “dá”. George Faludy, o lendário escritor húngaro, de extracção judia, mandado pelo terror comunista para os campos de concentração, de que nos deixou um celebrado testemunho – Os Meus dias Felizes no Inferno – gostava de falar da televisão, nestes termos: “A maior parte das estações de televisão americanas reproduzem, ao longo da noite, aquilo que um romano podia ter visto no Coliseu, durante o reinado de Nero.” É também isso que nos proporcionam, com um bonito sorriso de “tudo bem”, as manhãs queridas da Júlia, do Goucha e do casalinho RTP.
Mas o gótico, a
respiração do ar molesto dos “moors” do monte dos ventos uivantes não é a única
mercadoria fornecida pelas televisões. Vendem também muita patetice simpática e
aparentemente inócua, para destinatários não particularmente dotados. O
iconoclasta (e, mesmo, desbocado) maestro inglês, Sir Thomas Beecham, não tinha
papas na língua: “Três quartos da
televisão é para atrasados mentais”, dizia ele, para quem o queria ouvir. Por
favor, não me peçam para dar exemplos de programas que satisfazem este caderno
de encargos. Chatices já eu tenho que cheguem…
A televisão, por
outro lado, comete outro delito: põe-nos, frequentemente, em muito má
companhia, isto é, arruína-nos a reputação. O conhecido entrevistador, David
Frost, que ficou, para muitos, conhecido como o homem que conseguiu entrevistar
Richard Nixon, após a sensacional “queda” deste presidente, sendo um homem da
televisão, não hesitou em falar, com candura, do “milieu” que tão bem conhecia:
“A televisão”, disse ele, “é uma invenção que nos permite sermos
entretidos, na nossa sala de estar, por pessoas que, normalmente, não
receberíamos em nossa casa.” Realmente, medite o meu caro leitor em várias
caras televisivas, cujo convívio não recomendaria nem à sua família nem aos
seus amigos…
Pois, apesar disso
tudo, a televisão é, para uma boa parte dos habitantes deste Portugal, o padrão
de aferimento de mérito mais universalmente aceite. Aparecer ou não aparecer na
televisão, eis a questão. De cada vez que apareço no pequeno écran – e apareço
pouco e moderadamente – aumenta exponencialmente o número de pessoas que se me
rojam aos pés. O viperino Quentin Crisp, autor de memórias ácidas (e tornadas
clássicas), dizia, com verdade verificável: “As
pessoas atravessarão a rua, com risco para as suas vidas, só para poderem dizer
que te viram na televisão.”
Tudo isto é verdade,
tudo isto é cómico e tudo isto é triste. Mas o que verdadeiramente mais
surpreende e preocupa é que, com todas estas “vantagens”, para ela, a televisão
ainda precise, para sobreviver, de se alimentar, diariamente, e de nos
alimentar, a nós, com os detalhes sórdidos e escaldantes do último hòrrível
crime acabado de perpetrar.
Eugénio
Lisboa
7 comentários:
Para o ramalhete ficar completo, acrescento à crítica demolidora de Eugénio Lisboa aos programas televisivos matutinos, a cargo (e passo a citá-lo) “ da Júlia, do Goucha e do tal casalinho da RTP”, um outro programa, este vespertino, que passa na TVI chamado “A Tarde é Sua”: sua da Fátima Lopes. Entendo ela não desmerecer críticas à sua propaganda “pro bono” em prol das chamadas “medicinas alternativas” com meneios de cabeça de aquiescência permanente e total por parte da entrevistadora face a amigos do peito. Pelo menos, a propaganda televisiva aos produtos naturais de cálcio, que põem entrevados com osteoporose a correr que nem gamos, fazem entrar nos cofres televisivos bastante dinheiro.
E o que dizer da máquina da verdade ( polígrafo) que iliba nesse programa, também ele, da Fátima Lopes (em percentagem que eu me atreveria a dizer arrasadora) os réus acusados de crimes como roubos e traições amorosas? Para quê gastar dinheiro com tribunais , cadeias e advogados perante a "infabilidade" da máquina da verdade? Esbanjar dinheiros públicos em julgamentos, podendo-os poupar com a máquina da verdade, será desculpável ,ainda que mesmo em um qualquer confessionário permissivo perante as fraquezas da carne humana?
Costuma dizer-se que cada um tem aquilo que merece: assim a plateia que ocupa os seus momentos de ócio a ver, “in loco”, ou através da “caixa que mudou o mundo”, esses programas tem aquilo que merece. Sem tirar, nem pôr (será que o novo acordo ortográfico tirou, reverentemente, o “chapéu” ao “o”?)!
P.S. : Escrevi este comentário segundo as regras do Antigo Acordo Ortográfico (AAO)!
O Eugénio esqueceu o futebol. Não a transmissão de jogos com classe, que são muito agradáveis de ver, mas as mesas redondas de comentadores de profissão, bem pagos, dizem, cada um de sua cor ou de seu clube - os chamados grandes! - e que mais não fazem do que verberar os eventuais erros dos árbitros, acicatando ódios "tribais", melhor, clubistas, ódios que facilmente são bebidos pelos adeptos e pelas claques, normalmente propensas à violência no verbo e no desacato. A haver mesas redondas de comentadores futebolísticos deveriam ser apenas para mostrar belas tácticas, boas maneiras, espírito desportivo, etc., etc. etc. Assim, apenas prestam um mau serviço "educativo" ao país!
De violência gratuita de filmes tanto televisivos como das salas de cinema, nem é bom falar. Mas cada um alimentar-se-á do que quiser. Depois, admiram-se de haver crimes...
Recuso-me a ver a Júlia Pinheiro, o Goucha ou a Fátima Lopes, pelo que só ligo a TVI ou a SIC para desporto, filme ou série que me interesse. Quanto ao casalinho da RTP (já que pago quero ver) a descrição do mestre Eugénio Lisboa não corresponde integralmente ao desempenho da Tânia Ribas de Oliveira e do José Pedro de Vasconcelos, pelo menos no horário referido (dormir até tarde ou o ginásio matutino não me permitem ver todo o programa).
Professor Rui Baptista, infelizmente não se pode suspender a democracia por seis meses como alguém sugeriu. Estamos reféns dessa palavra. Mas bem falta fazia nestes e noutros casos.
Cumprimentos,
Engenheiro Ildefonso Dias: Infelizmente confunde-se neste país liberdade com libertinagem. Pior do que isso anestesia-se o povo com programas televisivos, como estes denunciados pelo académico e “doutor honoris causa ”Eugénio Lisboa, meu particular e estimado amigo, colaborador do Jornal de Letras (JL), certamente, menos lido que os jornais desportivos e mesas redondas sobre futebol, que têm, sem medo de errar, mais audição que programas educativos ou de natureza científica. Referindo-me a certos programas sobre o futebol antes de 25 de Abril (desporto que se dizia ser o ópio do povo; e agora?), escrevi um dia, em artigo de opinião, opinião meramente pessoal, serem alguns desses programas, então radiofónicos, "manifestações esféricas de raciocínio quadrado".
Que importam os grandes problemas que afectam a sociedade portuguesa ou que põem em risco a própria sobrevivência do ameaçado planeta em que vivemos e deixaremos a nossos filhos e netos? Que são eles perante a casa de luxo, de milhões de euros, que o treinador Jorge Jesus tem actualmente num domínio privado do Estoril em que só as respectivas despesas de condomínio bradam ao céu?
Como escreveu no seu livro o professor de Educação Física José Esteves -“O Desporto e as Estruturas Sociais” (1ª edição em 67) - “doutor honoris causa” pela Faculdade de Motricidade Humana (ex-INEF): “A competição desportiva do ‘homem -contra –o- homem’, em que uns ganham o que os outros perdem, é, exactamente, a mesma que sabemos do processo económico e da estratificação social. A vida é uma só, e o fenómeno social uma totalidade”.
“In dubio”, para não ser arrastado para a fogueira dos ímpios que vivem e respiram futebol aos fins-de-semana nos estádios de Futebol, salvaguardo os seus aspectos positivos sintetizados por Albert Camus, figura notabilíssima no mundo da Cultura, dele transcrevo: “O que eu mais sei sobre a moral e as obrigações do homem devo ao futebol.”
Cumprimentos e votos de um bom fim-de-semana mesmo em período de defeso das lides futebolísticas que arrastam multidões ébrias de felicidade ou, por vezes, porque toda a moeda tem verso e anverso, de instintos de agressividade contra as equipas adversárias "em que uns perdem e outros ganham".
No meu comentário anterior , penúltima linha do último parágrafo, onde escrevi " verso e anverso", rectifico: "reverso e anverso".
Penitenciando-me, uma vez mais, junto de possíveis leitores, uma nova rectificação:
Na 1.ª linha do penúltimo § do meu comentário (20 de Junho de 2015 às 11:14), onde escrevi (...) "para a fogueira dos ímpios que vivem"(...), uma arreliador omissão de um simples "não" deturpou o sentido dessa frase. Assim, corrijo:(...) "para a fogueira dos ímpios que não vivem" (...).
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