terça-feira, 2 de junho de 2015

Prevenção do insucesso escolar

Artigo recebido do psiquiatra Nuno Pereira: 

 Com as políticas de democratização do acesso ao ensino, as escolas apresentam um universo estudantil muito heterogéneo. A origem social dos alunos determina à partida diferenças na bagagem cultural e linguística, no apoio pedagógico familiar e nas expectativas escolares e profissionais. Por outro lado, a escola com um sistema uniforme de programas e de processos de ensino e avaliação, com níveis de excelência, funciona como um mecanismo de exclusão natural e de reprodução de desigualdades sociais. Têm maior probabilidade de sucesso os alunos de meios mais favorecidos, portadores duma cultura familiar semelhante à exigida pela escola. Beneficiam também do apoio de pais mais cultos e/ou de explicadores pagos. E quanto maior o aproveitamento escolar, mais altas as expectativas de prosseguimento dos estudos. Já os alunos mais desfavorecidos económica, social e culturalmente apresentam maiores dificuldades em atingir os objetivos estabelecidos. E o insucesso acumulado vai baixando as expectativas com o consequente abandono escolar. No atual sistema educativo, primeiro cria-se a doença do insucesso, depois corre-se a administrar os remédios.

As medidas governamentais e privadas de combate ao insucesso escolar nos ensinos básico e secundário - para além da oferta habitual de mais do mesmo através de aulas suplementares e de apoio à realização de trabalhos de casa - podem ser resumidas grosso modo em dois grupos: estratégias de homogeneização de turmas e estratégias de autonomização dos alunos. Globalmente, têm alguma eficácia pelo facto de serem implementadas por pessoas motivadas e pelo reforço de atenção recebido pelos alunos e pelas suas famílias. As estratégias de homogeneização de turmas constam da diferenciação pedagógica por meio da separação transitória por níveis de competência dos alunos, o que promove a discriminação e a estratificação social, para além de complicar significativamente a organização escolar. As estratégias de autonomização dos alunos baseiam-se no desenvolvimento da competência de aprendizagem de estudo autónomo. Quer as iniciativas privadas com apoios tutoriais a alunos com dificuldades realizados por técnicos exteriores à escola selecionada, quer o extinto Estudo Acompanhado como área específica com professores da própria escola apresentam o inconveniente do ensino de técnicas de estudo descontextualizadas das disciplinas, além de que no primeiro caso há ainda a discriminação dos alunos de baixo desempenho e a mobilização de extraordinários recursos humanos e financeiros. 

 A escola assume como missão integrar e ensinar todos os alunos, dentro dos mesmos elevados padrões académicos. Mas como resolver o problema da escola única e obrigatória para um público tão diverso? Quais os melhores niveladores das diferenças, que superem o fatalismo sociológico? É necessário que as soluções além de eficazes sejam eficientes, isto é, máximo rendimento com mínimo de recursos.

Comecemos pelo défice linguístico e cultural. O método privilegiado no enriquecimento do património verbal e da cultura geral assenta na leitura, função determinante na aprendizagem e no êxito escolar e profissional. Sem ignorar que os pais constituem os melhores modelos, cabe à escola e aos professores de todas as disciplinas (e não só de Português) o papel de inspirar o gosto pela leitura, no sentido de a converter em hábito aprazível. Importa promovê-la a atividade extracurricular fundamental e instruir os pais para impor limites ao uso de televisão, jogos eletrónicos e outras tecnologias, que desencaminham os jovens da leitura. 

Passemos à desigualdade de apoios pedagógicos familiares. Formar alunos autónomos minimiza naturalmente a influência dos apoios externos à escola, o que coloca os alunos de contextos familiares diversos em condições mais equitativas. A capacidade de gerir a própria aprendizagem com estratégias autorreguladas, não só determina mais sucesso no percurso escolar, como também garante a continuidade formativa ao longo da vida. A prática pedagógica consiste em integrar nas várias disciplinas o desenvolvimento da competência de aprendizagem. Cumpre a cada professor ensinar técnicas de estudo na sua disciplina para que o aluno consolide e desenvolva após a aula a matéria dada. Ações de formação para professores sobre métodos de estudo colmatariam as falhas existentes neste campo. O foco da ajuda ao envolvimento dos pais deve incidir no controlo decrescente do horário de estudo e do local de estudo.

Os casos sociais e psicológicos não são da competência dos professores, que os devem sinalizar e encaminhar para os serviços especializados dentro e fora da escola. Em suma, no plano académico numa escola para todos, para nivelar as condições dos alunos à entrada e prevenir o insucesso escolar urge cultivar o hábito da leitura em atividade extracurricular e ensinar a estudar de modo autónomo no âmbito de cada disciplina. 

Nuno Pereira (psiquiatra)

1 comentário:

Anónimo disse...

Tratar sintomas em vez de ir às causas, uma vez que se recusam as suas implicações nesta revolução ideológica de um Novo Mundo Melhor - Quantas vítimas isto irá fazer, novamente?

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...