Minha crónica saída na última Gazeta de Física:
Mariano Gago escreveu no seu
prefácio à reedição Física para o Povo
(com o título A Física no Dia-a-Dia,
Relógio d’Água, 1995, uma vez que para o autor do livro já não havia “povo”): “Rómulo de Carvalho veio recordar-nos, mais
uma vez, como a Física também é quotidiana. A sua obra de divulgação científica,
agora em reedição, ocupa um lugar destacado na história da divulgação em Portugal. Aí chegou
por um caminho simples, rente à comoção humilde de saber, à altura da nossa
ignorância e vontade de aprender.”
O mesmo Mariano Gago, na
Introdução ao seu livro Homens e Ofícios
subintitulado Manual de Fichas e
Exploração Temática para animação cultural sobre tecnologias e sociedades,
publicado em 1978 em edição de autor a partir de um seu trabalho com emigrantes
portugueses na Suíça nos dois anos anteriores,
escreveu: “O coração da cultura bate ao ritmo da prática
humilde das bibliotecas de bairro, dos grupos de alfabetização, dos grupos
corais, do teatro amador, dos pequenos cineclubes; vive do sangue e do esforço
de quem se junta e age, sem ficar à espera que alguém resolva, talvez, um dia,
a mudar o mundo que nos diz respeito”.
Foi colando estas duas frases de
José Mariano Gago que o recebi, a 12 de Março de 2013, no Rómulo
– Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra, uma biblioteca que honra o
grande professor de Física e Química e também poeta que o ministro Mariano Gago
elevou patrono da Cultura Científica Nacional. Nunca pensei que, passados pouco
mais do que dois anos, não mais o pudesse receber naquele espaço de cultura
científica. Sabia que estava a lutar contra uma doença, de que ele não falava
por entender ser uma questão pessoal, mas foi em estado de choque que fiquei ao
fim da tarde de 17 de Abril passado, quando, quase a iniciar mais uma sessão do
curso de História da Ciência no El Corte Inglês em Lisboa, um jornalista da
Antena 1 me informou que Mariano Gago tinha falecido. A morte é uma grande
safada!
Bertold Brecht escreveu: “Temam menos a morte do que a vida
insuficiente”. Ora Gago teve uma vida muito mais do que suficiente. De
animador cultural em Genebra passou em poucos anos primeiro a presidente da
JNICT, antecessora da FCT, e depois a Ministro da Ciência e Tecnologia. Como
gestor e político de ciência nunca deixou a Física, nem deixou de pensar como
um físico, sem para isso ser preciso incluir o seu nome em cada paper que ia saindo do seu laboratório.
Ajudou a esse marco da internacionalização da ciência portuguesa que foi a entrada
de Portugal no CERN, em 1985, faz agora 30 anos, ainda estava longe de ser ministro.
E celebrou, como todos os físicos, a descoberta da partícula de Higgs, anunciada
a 4 de Julho de 2012, quando já não era ministro. Estive com ele, após essa
descoberta, num Café de Ciência da Assembleia da República numa sessão em que
defendi a relevância da associação de Portugal ao CERN e, mais em geral, o
valor da ciência fundamental.
Como ministro Mariano Gago valorizou
sempre a cultura científica, por saber que ela era condição necessária da
ciência. Ao longo do ano, e em particular na semana que integrava o Dia
Nacional da Cultura Científica, 24 de Novembro (data do nascimento de Rómulo de
Carvalho), era visto, com uma energia extraordinária, por todo o país, ora num
centro Ciência Viva ou numa escola, ora num Laboratório Associado ou numa outra
unidade de ciência, dando um elogio amigo e uma sugestão amável. Para o José
Mariano, tal como para Rómulo, a ciência devia ser para todos sem excepção,
devia ser para o “povo”. Fez um Ministério novo precisamente para isso, para a
ciência estar ao serviço do país e não de grupos restritos. Não se serviu,
serviu-nos.
Caro José Mariano: fazes-nos hoje
muita falta. Mas, invocando as palavras de Jorge de Sena que tu mesmo citaste
na morte de Rómulo de Carvalho, estar morto é apenas estar impedido de se
pronunciar. Pronunciar-nos-emos nós, cientistas e amigos da ciência, por ti,
lembrando-nos sempre do modo sábio e afável como te pronunciavas.
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