Meu artigo de opinião saído hoje no "Público":
“Os velhos são os verdadeiros rebeldes”.
Miguel Esteves Cardoso
Num tempo em que voltam a pairar nuvens negras sobre a
economia nacional com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a assestar baterias
para a necessidade do “controle da massa
salarial e despesa com as pensões” (PÚBLICO; 13/06/2015), foram os portugueses defrontados, por um lado, com declarações apocalípticas da ministra das
Finanças, que puseram os actuais
aposentados em polvorosa, e, por outro
lado, com esperança renascida por
possíveis soluções vindas do Partido Socialista para evitar uma hecatombe nas suas bolsas num país devoto de milagres de
Santo António.
E assim, muito se disse, escreveu e polemizou sobre
declarações de Maria Luís Albuquerque quase
deixando na penumbra possíveis soluções de
António Costa para o futuro da Segurança
Social. Ora, este diz-tu-direi- eu, seria evitável se, para além dos assessores
de imagem que tentam melhorar a fotogenia dos políticos, houvesse assessores
das suas declarações públicas para evitar aquelas que são verdadeiros tiros nos
pés de quem as profere. Isto, para além do facto de em campanhas pré-eleitoral ou eleitoral, os políticos,
normalmente, fazerem juras de um mundo de rara felicidade em namoro a
possíveis e ingénuos votantes.
Pela excepção, a declaração pública de Marisa Luís
Albuquerque teria assumido o papel de invulgar honestidade em elucidar os portugueses
sobre o que o PSD seria obrigado a fazer no caso de vencer as próximas eleições. Até aqui tudo bem, não se desse o caso
de logo ter dado o dito por não dito utilizando, a contrario sensu, a
metodologia de Maurice Tayllerand, político do tempo de Napoleão, com rara habilidade
em se manter no poder. Sentenciou ele: [A política] “é a arte de estar contra, mas com uma habilidade tal que logo se possa
estar a favor”.
Ou seja, para a actual ministra das Finanças a política é a
arte de estar a favor do corte das actuais reformas de aposentação, mas com uma
habilidade tal que logo se possa estar contra desdizendo o que disse sem
qualquer pejo em passar um atestado de ignorância aqueles que não conseguiram
descodificar a “subtileza” da sua mensagem televisiva.
Para além da “erosão
de valores éticos”, apropriando-me de uma expressão do reputado
constitucionalista Jorge Miranda, mesmo que se queira tapar o sol com a
peneira, a questão reside no verdadeiro
nó górdio de princípios estabelecidos na Constituição Portuguesa impeditivos de
cortes em pensões actuais contratualizadas entre o Estado e os
seus servidores. Sustenta, ainda, Jorge
Miranda que “qualquer esquema desse género, de aplicação aos já aposentados de
qualquer regime restritivo das pensões a que têm direito, é manifestamente
inconstitucional, é violação do princípio da protecção da confiança e até do
direito de propriedade, porque as pessoas contribuíram, deram dinheiro, em
larga medida é dinheiro das pessoas”.
Suponhamos,
por hipótese, haver um partido político
(sozinho ou em coligação), vencedor das próximas eleições, que chegado ao poder desembainhasse a espada
capaz de desfazer este nó górdio constitucional. A questão que se continuaria a pôr seria a
forma como esses cortes se processariam. A continuação de cortes cegos para antigas reformas sem ter em linha de
conta o montante dos descontos efectuados para o efeito e a respectiva duração?
Por exemplo, detendo-me sobre as pensões de quem se tenha reformado aos 52 anos
de idade com uma reforma por inteiro (não
se trata de mera hipótese mas de casos concretos), pleno de saúde mental e vigor
físico, não deveria ter cortes maiores
na sua aposentação de que um outro que o tenha feito no tempo limite obrigatório: 70 anos de idade?
Isto
é, numa espécie de perversa injustiça, o
dever para os que mais contribuíram para
a sua reforma durante mais anos e os
direitos para os que menos contribuíram
e durante menos anos. Aliás, é o que tem acontecido, por exemplo, com os cortes feitos nas actuais reformas da Caixa Geral de
Aposentações. E se errare humanum est persistir no erro dos cortes cegos que
têm incindindo sobre as reformas actuais
será, no mínimo, atentatório do
princípio da igualdade que, segundo Rui Alarcão, antigo reitor da Universidade de Coimbra, está na Constituição significando que “o que é igual deve ser tratado igualmente e
o que é desigual deve ser tratado desigualmente”. Tão simples como isto!
Mas
o que mais nos deve impressionar nisto tudo é a apatia de quem cala consente de
uns tantos reformados que na
terceira idade deveriam ser mais rebeldes nas suas
reivindicações, ainda que pessoais, e o não fazem perante a actuação de um Governo despreocupado com as doenças próprias da terceira idade e despesas
de saúde a elas inerentes. Chegou, portanto, a altura de evocar,
junto de quem nos governa, ou venha a governar, a força do voto reconhecida por
Abraham Lincoln: “Um boletim de voto tem
mais força do que um tiro de espingarda”!
4 comentários:
Estou reformado, com penalização por antecipação, e cortes de mais de 200 €.
Uma das coisas mais certas que tenho é que quem me paga, quem me garante o pagamento, é a U. E., e por ela o BCE. No dia em que Portugal não tenha (volte a não ter) crédito para conseguir empréstimo a juro baixo, tremo do que me possa acontecer. Não é o nosso PIB que me paga a reforma.
Já somos estado falido há muitos anos. Essa história de fazer frente à troika pode resultar para a Irlanda ou a Islândia, que passaram um mau bocado transitório mas já estão de saúde, com rendimento próprio. Nós devemos exigir respeito, justiça e equidade no modo como somos tratados; mas ser rebeldes, usar a força do voto, para voltar à política do esbanjamento e do desperdício ? Sou reformado mas não sou cego nem surdo, Nem parvo.
Tal como Tsypras tem estado a mostrar, devemos refilar e negociar, mas no fim já se sabe que teremos de ceder e muito. Porque mais importante que tudo são o euro e a União Europeia, o nosso seguro de vida. Por isso cedo a bandeira e o hino. E o Ronaldo.
Brevemente, responderei ao seu comentário que muito me agradou por ver que não mora em si a resignação de quem assiste impávido e sereno a todas as injustiças que os cortes cegos nas reformas actuais têm tido génese em intervenções legislativas com suporte na crítica de Edmund Burke: "As leis mal feitas constituem a pior forma de tirania".
Errata: Onde escrevi "injustiças que" deve ser intercalado "em". Ou seja, injustiças em que".
Acabo de publicar um post, intitulado "Suum cuique tribuere", em que apresento exemplos detalhados de cortes cegos nas pensões. Quanto às entidades pagantes das nossas pensões o seu comentário é deveras elucidativo por nos alertar para o facto de que manda quem pode e obedece quem deve!
, como diz o povo,
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