No seguimento de dois posts anteriores que desmontam o processo de "avaliação" da FCT eis outro post recebido de um investigador português no estrangeiro, devidamente identificado. O que ele afirma, fácil de comprovar, é mais uma contribuição para descredibilizar o processo "avaliativo":
1. Conflitos de interesse
Os conflitos de interesse são um
dos problemas que se colocam em todas as avaliações e são uma das razões pelas
quais num país com a dimensão de Portugal esta deve ser levada a cabo por
painéis compostos por cientistas residentes no estrangeiro. Diga-se em abono da
verdade que os problemas maiores não costumam advir daí, uma vez que esses são
fáceis de identificar, mas sim do facto de haver enviesamentos e preconceitos,
relativos à nossa sub-área e às dos outros, de que todos sofremos, uns mais,
outros menos, e que precisamente por serem tão naturais muitas vezes os
próprios não se apercebem deles. Esta é uma das muitas razões pelas quais os
painéis não podem ser em versão de saldo com três ou quatro investigadores por
área como a que nos querem fazer engolir nesta avaliação.
Mas não deixa de ser uma questão
que tem de ser acautelada e que assumimos que numa avaliação como esta não pode
falhar, de tal forma se trata de um princípio básico. Como consequência,
provavelmente muito poucas pessoas se lembraram de o verificar, incluindo a
própria ESF.
A FCT descreve na secção 5 do
Guião de Avaliação do exercício a decorrer o que entende por conflitos de
interesse e como é que estes devem ser resolvidos. Mais precisamente, uma
cooperação científica planeada ou a decorrer, por exemplo, poderá ser
interpretada como um “disqualifying conflict of interest.” Embora não seja bem
definido o que isto quer dizer, depreende-se da palavra “disqualifying” que
será uma situação séria que tem ser resolvida e, em particular, os árbitros
individuais deverão ser substituídos nesses casos. No caso de um membro do
painel, o coordenador do painel deverá resolver a questão com o auxílio da
equipa da FCT, embora não seja dito como.
Há várias questões que se levantam
de imediato. Porquê uma menção a uma equipa da FCT que, supostamente, não tem
nada a ver com esta parte da avaliação? Quais são os métodos utilizados para
resolver um conflito de interesse? E o que é que sucede se se vier a descobrir,
a posteriori, que de facto havia um conflito de interesse? Finalmente, como é
resolvido um caso de conflito de interesse respeitante ao coordenador de um
painel?
2. Uma experiência simples
Vem isto a propósito de uma
experiência que qualquer pessoa com acesso a uma base de dados apropriada pode
fazer e que consiste em verificar se os membros dos painéis satisfazem de facto
as condições enunciadas – de notar que a ESF vai mais longe do que a FCT e
indica explicitamente no já famoso contrato que fez com
esta que todos os membros dos painéis satisfarão as condições da FCT no que diz
respeito a conflitos de interesse.
Teríamos portanto de nos preparar
mentalmente para estar a perder o nosso tempo caso decidíssemos estar à frente
do computador a verificar a inexistência de conflitos de interesse dos membros
dos diferentes painéis, até porque noutra cláusula a FCT insiste em que o que
se passou há mais de três anos não é relevante.
No total verificamos que há cerca
de dez (10) membros dos diferentes painéis que já publicaram com elementos das
unidades a ser avaliadas, mas essas publicações encontram-se nalguns casos
bastante distantes no tempo (1992!) e a FCT irá certamente argumentar que, mesmo
quando há aquilo que classifica como conflitos potenciais (artigos conjuntos
nos últimos três anos), eles não são significativos.
Antes de prosseguirmos, devemos
afirmar que pensamos que o enviesamento mencionado acima tem a ver com especificidades de área e que
estas são detectáveis precisamente através de colaborações conjuntas,
independentemente da altura em que foram feitas, uma vez que denotam um
interesse comum. Num processo de candidaturas de uma agência europeia efectuado
recentemente, declarámos um artigo em conjunto com um dos membros da equipa
candidata publicado oito anos antes. A resposta da agência foi que, nessas
condições, o painel preferia que não servíssemos como árbitro.
3. Um resultado surpreendente:
a irregularidade
Teríamos pois, de facto, perdido
tempo se não tivéssemos mentido acima quando escrevemos que não havia nada de
especial a assinalar, para além de pequenas infracções às regras. Mas o
resultado que se obtém é de tal forma bizarro que custa a acreditar. É um pouco
como se andando à procura de uma espécie rara de insecto tivéssemos dado de
caras com o yeti. E isto na Holanda. Quem quiser o ter o benefício de uma
experiência destas, deverá parar de ler e ir fazer uma busca à sua base de
dados favorita para detectar conflitos de interesse nos painéis – podemos
garantir que sairão recompensados.
Isto porque, no caso do
coordenador de um dos painéis, este tem, não uma, nem duas, nem o que seja
imaginável pensar num caso destes, mas sim quarenta e duas (42!) publicações com
autores portugueses, na sua grande maioria de uma mesma instituição. Trata-se
do painel das ciências exactas e a experiência é reprodutível para quem a
quiser fazer em casa (obviamente não verificámos as publicações uma a uma):
Search keys:
Author:
Mason NJ
Address:
Portugal AND (Open University OR UCL)
Years: 2002 to 2014 [a colaboração
parece ter-se iniciado nesse ano]
Estas publicações correspondem a
cerca de um quarto do total das publicações deste investigador no mesmo
período, as quais podem ser vistas removendo a palavra 'Portugal' da busca
acima.
Dado o pouco normal de uma
situação destas, é evidente que convém verificar se não se trata de um erro com
um homónimo ou qualquer coisa semelhante. Mais uma vez não verificámos todos os
artigos um a um, mas uma busca na página do Professor Nigel Mason
permite ficar as saber que é o autor de pelo menos alguns desses artigos e,
para que não restem dúvidas, informa-nos também que faz parte do
ESF Review Committee of Portuguese Review of Physics Research
Units.(Chair Exact Sciences panel) (Portuguese REF equivalent) 2014 –
Notamos que o comité é indicado
apenas como sendo das unidades de física (embora do painel das ciências
exactas), o que confirma aquilo que já sabíamos: as diferentes áreas
científicas não se misturam e a junção de todas no mesmo saco é apenas para não
ser tão óbvia a redução drástica no número de avaliadores de facto em
cada uma delas – este ponto não foi escolhido para ser destacado pelo
presidente da FCT na sua apresentação de dia 27 de junho em que explica as
diferenças entre o processo actual e as avaliações anteriores.
Para sabemos como é que este
conflito de interesse foi resolvido teremos de esperar pelo relatório final
deste painel elaborado pelo seu coordenador. Relembramos também que a ESF
garantiu no contrato que situações destas não ocorreriam.
4. O desfecho e o paradoxo
E a unidade a que pertencia a
maioria dos colaboradores em todos estes artigos? É o nosso triste dever
anunciar que, pelo menos por enquanto, não passou à segunda fase, ficando assim
demonstrado que todo o barulho feito acima não passa de mais uma tentativa de
denegrir esta avaliação, não tendo certamente o coordenador insistido, pelo
menos durante a elaboração do relatório, que a equipa com quem trabalhou nos
últimos 12 anos deveria passar à segunda fase. Terá certamente abandonado a
sala (ou a mesa do seu computador) enquanto os outros dois ou três membros
de física do painel elaboravam a sentença.
Mas não é esse o paradoxo, até
porque não podíamos esperar outra coisa. Para encontrarmos o verdadeiro
paradoxo, teremos de utilizar um pouco de bibliometria, pelo que quem é avesso
a essas coisas não deverá continuar a ler.
Um dos princípios por detrás do
facto de um cientista não dever atribuir uma classificação a outro no caso de
terem algumas publicações em comum, tem simplesmente a ver com o óbvio de se
estar, de algum modo, a classificar-se a ele próprio. Pode argumentar-se que, no
caso de duas ou três publicações não será esse o caso mas, a partir de um
número considerável começa a haver um percurso em comum. O que é o caso para
este período, onde, como mencionamos atrás, 25% das publicações do coordenador
do painel coincidem com as do centro que foi avaliado.
Obviamente que para termos uma
ideia do impacto desta colaboração no curriculum do Professor Mason teríamos de
fazer uma análise detalhada dos trabalhos, análise essa para a qual não somos
competentes nem temos tempo. Mas, não tendo os meios necessários para fazer
essa avaliação, podemos, inspirados pela
FCT, utilizar o método dos pobrezinhos. Ou seja, pedimos a dois
avaliadores externos para fazer uns relatórios e depois elaboramos um relatório
de consenso em que justificamos o nosso parecer.
Em relação aos relatórios
externos, utilizaremos os relatórios que foram utilizados para impedir o centro
em causa de passar à segunda fase. São certamente bons para isso, uma vez que
chegaram para eliminar esse centro. Aliás, nem precisamos de os ver – basta
saber que serviram para chumbar o centro e se isso é suficiente para a FCT, é
suficiente para nós. Só nos falta provar a equivalência entre o centro e
o Professor Mason.
Para isso, vejamos as restantes
publicações do candidato durante este período recorrendo a um estudo bibliométrico que podemos encomendar
ou fazer em casa, com a finalidade de saber o que o Professor Mason foi capaz
de realizar sem a colaboração do grupo que foi chumbado.
As tabelas apresentam dois grupos
de resultados: Professor Mason sem o grupo português no período em
causa, e Professor Mason com o grupo português no mesmo período.
Dos índicadores acima, o valor
mais significativo numa primeira análise é o que traduz o número de citações
por artigo, uma vez que é o único que tem em conta a diferença do número de
artigos em comparação. E neste caso o grupo português bate claramente o
Professor Mason por mais de um ponto e meio em cerca de dez. Não temos pois,
outra escolha, que não seja a de abater o candidato com base nos relatórios
externos, na análise bibliométrica e no facto de este não assinar a revista
Gazeta de Física [Anon1585]. Até porque uma comparação do indíce h também não
pressagia nada de bom – utilizando a relação h = hm Nβ
onde N indica o número de artigos, β o crescimento e hm um
coeficiente de normalização, com a escolha standard de β=0.4 [Molinari e
Molinari 2006] e recorrendo ao caso português para determinar hm,
concluímos que o Professor Mason sem o grupo português, para poder
almejar a ultrapassar a barreira da mediocridade e merecer financiamento na
nova era que se aproxima, teria de ter um indíce h bastante superior a 19,7, o
que não é o caso.
5. Conclusões
A pseudo-avaliação feita acima tem
quase tantos erros como a da ESF, e os leitores interessados poderão listar
esses erros desde que se abstenham de os colocar nos comentários ou de os
enviar ao Carlos Fiolhais. Mais interessante será indicar as semelhanças. Por
exemplo, tal como a avaliação do tandem ESF/FCT, não é para ser levada a sério.
Excepto no que toca a dois pontos.
Em primeiro lugar, ao aceitar
fazer parte do painel e ainda por cima na qualidade de coordenador, o Professor
Mason está a colocar-se numa situação lose-lose, sendo o relatório do painel
sobre o centro em causa o que o Google traduz como auto-destrutivo ou
auto-derrotado mas que a expressão inglesa self-defeating ilustra melhor – ou
seja, ao negar a relevância e a qualidade desta parte da investigação do
centro, o painel está, até certo ponto, a fazer o mesmo em relação à
investigação do seu coordenador.
O paradoxo pode então ser
formulado da seguinte forma: poderá um painel implodir, ou seja, poderá um
painel através de uma classificação que atribui a uma das unidades a avaliar,
simultaneamente mostrar que não está apto a fazer essa avaliação? A resposta
parece ser que sim. Mas, tal como em muitos paradoxos deste tipo, o problema
está na auto-referência e não surgirá em avaliações feitas de acordo com os
melhores padrões internacionais.
Em segundo lugar, tudo isto vem
mais uma vez demonstrar a falta de rigor da ESF, que parece pensar que meter
uma série de pessoas numa sala é o mesmo que proceder a uma avaliação, e para
quem o controlo de qualidade se reduz a uma frase no contrato indicando que irá
recolher os relatórios e verificar se estão de acordo com os critérios
acordados – não é possível corrigir a
posteriori erros como os que aparecem nalguns dos relatórios [Anon1585,
Anon90321, Anon91270, etc]; esse acompanhamento teria de ter sido feito durante
o processo, ou pelo coordenador, ou por elementos da ESF destacados para esse
fim.
Agradecimentos
O presente trabalho foi
parcialmente financiado pelo projecto FCT/PINTJ5000/2014, pelo que, seguindo as
regras que entraram em vigor em maio de 2014 relativas ao acesso aberto
[Pereira e Seabra 2014], foi submetido a uma revista que satisfaz as exigências
nesse capítulo e pelo qual seremos obrigados a pagar metade do dinheiro alocado
ao centro para 2015. Esperamos ainda poder vir a publicar mais um artigo nesse
ano, por forma a poder seguir as sugestões do painel relativas ao melhoramento
do centro.
Bibliografia
Anon1585, Relatório sobre o CIES-IUL [“More to the point, one
does not see whether the center subscribes to the relevant databases and journals,
as well as purchases enough books to satisfy the demands of its researchers”]
ESF/FCT 2014.
Anon90321, Relatório sobre o
CEI-IUL [Atribuição de 20 valores, depois de elogiar uma conferência
organizada pelo centro na qual participou] ESF/FCT 2014.
Anon91270, Relatório sobre o ISTAR-IUL [“This is an extremely
difficult review to do, because the material submitted is so confused. I don't
think that this is due to the unit being evaluated, but because of the layout
of the form that they have had to fill in.”] ESF/FCT 2014.
Molinari, JF e Molinari, A, A new methodology for ranking scientific
institutions. Scientometrics, Vol. 75, No. 1 (2008) 163–174.
Pereira, P e Seabra, MC, Acesso
aberto a publicações científicas resultantes de projetos de I&D financiados
pela FCT. Publicações FCT 2014.
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