Um texto da autoria de Antónia Amaral-Turkman, Ivette Gomes, Isabel Fraga Alves, Daniel Paulino, e Feridun Turkman, coordenadores dos grupos e linhas temáticas do Centro de Estatística e Aplicações da Universidade de Lisboa:
Após mais de 30 anos dedicados ao desenvolvimento das áreas de Probabilidade, Estatística, Processos Estocásticos e Aplicações, com a construção de uma “Escola de Extremos” e uma “Escola de Estatística Bayesiana” em Portugal, reconhecidas internacionalmente, foi na realidade com enorme mágoa e espanto que vimos o CEA/UL (Centro de Estatística e Aplicações, Universidade de Lisboa) não passar à segunda fase do processo de avaliação de unidades de investigação, em curso para 2015-2020. Diz o Coordenador do CMA/FCT/UNL que para “os centros não classificados deve haver um novo concurso no próximo ano ao qual eles poderão participar após profunda reformulação interna”. O problema é que no caso do CEAUL, e possivelmente de muitas das unidades que não passaram à segunda fase, não existe qualquer necessidade de tal reformulação. Até porque a maior parte das afirmações deste painel, que obviamente não transcrevemos, mas que foram explicitadas na contestação apresentada à FCT, pareciam ser mais do que suficientes para o CEAUL passar à segunda fase, e nunca ter a classificação de “Good”. É totalmente óbvio do relatório a que tivemos acesso que os comentários do painel não são coerentes com a classificação atribuída nos vários critérios e que essas classificações (B:3, C:3) foram apenas dadas para baixar a nota para 14, de modo a cumprir quotas, e assim colocar o CEAUL abaixo do limiar requerido.
Na realidade, e na 1ª fase do processo, o CEAUL recebeu classificações de 18/16/17 com opinião unânime dos 3 avaliadores de “very good to excellent”. Todos os comentários desses 3 avaliadores foram altamente apreciativos do trabalho desenvolvido pelo CEAUL, quer a nível nacional quer internacional, reconhecendo a grande importância deste Centro. No que diz respeito aos resultados do estudo bibliométrico, nos quais na realidade não acreditamos muito, devido à base de dados escolhida e à não existência de qualquer tipo adequado de ponderação, o CEAUL encontra-se também bem classificado na grande maioria dos itens, com um “rank” mediano de 4.5 (entre os 15 Centros incluídos na lista de Centros de Matemática). Na realidade, quando se olha para esse indicador, ou mesmo para qualquer outro dos indicadores apresentados na folha .xls, que penso estar ainda disponível na “website” da FCT, quase parece haver uma correlação negativa entre a passagem à segunda fase e esses indicadores. Temos pois grande dificuldade em entender o porquê de nos obrigarem a todo o processo relacionado com o SCOPUS e o ORCID … No estudo bibliométrico talvez tivesse valido a pena a FCT ter mencionado pelo menos os “outros” artigos per FTE em revista internacional, para se conseguir vislumbrar se teria sido esse o indicador considerado pelo painel … Com raras excepções, e isto relativamente à área da Matemática, que é a única que analisámos, quase parece que quem tem piores indicadores foi quem passou à segunda fase ... Claro que não estamos com isto a duvidar do mérito das unidades que passaram à segunda fase, nem a duvidar que mereciam passar.
A título meramente ilustrativo apresentamos em seguida uma tabela com os 15 Centros ordenados relativamente ao indicador atrás referido:
Centro | ‘Rank’ mediano | Classificação |
‘FTE Researchers’
|
CIDMA |
1
|
2ªFase
|
45.45
|
CMAT/UM |
3
|
FAIR
|
23.65
|
CEMAPRE |
4
|
GOOD
|
15.95
|
CMAF-CIO |
4
|
2ªFase
|
35.55
|
CEA/UL |
4.5
|
GOOD
|
17.95
|
GFM/UL |
5.5
|
GOOD
|
9.7
|
CMA/UBI |
8
|
GOOD
|
7.6
|
CMUP |
9
|
2ªFase
|
28.9
|
CEMAT |
9
|
2ªFase
|
19.8
|
CMA/FCT/UNL |
9.75
|
2ªFase
|
34.7
|
CAMGSD |
9.75
|
2ªFase
|
46
|
CEAFEL |
10
|
2ªFase
|
14.5
|
CMUC |
11.5
|
2ªFase
|
40
|
CIMA/UE |
12.25
|
GOOD
|
16.5
|
CIDPCC |
15
|
GOOD
|
3.3
|
Os dados que temos são escassos, e não permitem qualquer análise estatística fiável, mas exceptuando o CEAFEL e o CEMAT até parece que quase tudo depende do número de investigadores integrados (em percentagem de tempo de dedicação) como se depreende da última coluna da tabela anterior… E não conseguimos deixar de referir o quão estranho nos parece um Centro como o CIDPCC (que não conhecemos), com 0.6 artigos/FTE, relativamente à base de dados em causa, e com 11 investigadores, ter tido uma classificação de GOOD, recebendo pois um financiamento de 5000 Euros, tal como o CEA/UL, com 39 investigadores integrados (e 11.64 artigos/FTE), enquanto o CMAT (com um grupo de investigadores jovens e promissores na área da Estatística, que conhecemos bem), com 14.68 artigos/FTE, teve a classificação de FAIR. Note-se no entanto que, face ao ridículo do financiamento, nos parecia preferível terem tido a classificação de FAIR, sem financiamento, todos os Centros que não conseguissem a classificação de VERY GOOD.
Mesmo que seja de forma inocente, concordamos inteiramente com a opinião manifestada pelo Reitor da UL: a FCT parece realmente querer liquidar uma grande parte do sistema científico em Portugal, e ao liquidar o CEAUL quer nitidamente liquidar a Estatística, apesar de esta ser uma área transversal a toda a Sociedade, onde a produção científica tem sido, no nosso entender, EXCELENTE no decurso desta última década. Consideramos realmente inadmissível o que “esta FCT” tem feito e continua a fazer à investigação em Ciências Exactas em Portugal. E falamos desta área em exclusivo, pois não conhecemos o que se está a passar nas outras áreas.
Tal como o Reitor da UL, ficámos ainda mais indignados quando ouvimos o Presidente da FCT declarar que existia uma “maioria silenciosa de cientistas que apoiava o resultado da avaliação”. Interrogámo-nos sobre o que seria isso da “maioria silenciosa de cientistas”? Não parece ser difícil descobrir ... e até nem nos parece ser maioria ... São obviamente aqueles que não querem falar, ou por não terem paciência para isso, ou porque sentem que têm “pés de barro”, passaram à segunda fase, e não estão minimamente interessados em se comprometer com o desenvolvimento da Ciência em Portugal. Estão meramente interessados em continuar a ter algum financiamento, mais do que teriam se entrassem todos os 15 Centros em jogo, o que também achamos que não deveria obviamente acontecer. Falam entre eles, e manifestam muitas vezes o seu total desacordo com o que se está a passar, como temos ouvido das fontes mais diversas, mas mantêm esse seu desacordo no segredo dos deuses, com medo de serem penalizados.
No nosso entender, o painel, de cuja competência não queremos duvidar, mas que também não consideramos que, e parafraseando mais uma vez o Coordenador do CMA “percebe muito mais de matemática do que todos nós, conjuntamente”, sentiu-se por um lado constrangido pela limitação que lhe foi colocada sobre a necessidade de só poderem passar à segunda fase cerca de 52% dos centros em qualquer das áreas. Este “threshold” é no nosso entender totalmente errado, pois poderão existir áreas onde a percentagem de centros com classificação potencialmente igual ou superior a “Very Good” está muito acima dos 52%, tal como em nosso entender acontece na área da Matemática, e outras áreas, relativamente às quais não temos conhecimentos mínimos para nos pronunciarmos, em que essa percentagem pode ser bem mais baixa. Por outro lado, num processo complicado como este é, deveria ter havido um mesmo painel alargado de especialistas de cada uma das áreas ... No nosso entender as unidades da área da Matemática deveriam ser todas seriadas por um mesmo painel de especialistas em Matemática, que incluísse pelo menos um investigador da área da Estatística, devido à especificidade desta área relativamente a outras áreas da Matemática, algo que não se verificou, uma vez que segundo ouvimos dizer, cada um dos 11 avaliadores do painel das Ciências Exactas “avaliou uma ou duas unidades”.
Parece-nos não haver dúvidas que existiram obviamente erros graves na avaliação dos Centros da área da Matemática, e pensamos que esses erros de decisão foram causados pela ordem dada pela FCT. Pertenceríamos à “maioria silenciosa” se tivesse havido uma classificação justa, mas não houve. Aquilo que se passou com o CEAUL, passou-se também com outros Centros da Matemática que não passaram à segunda fase, e cuja produção conhecemos. Tudo isto é na realidade um desgaste tremendo, que em nada contribui para o desenvolvimento da Ciência em Portugal.
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