Transcrevo três poemas de Regina Gouveia, com o tema comum do silêncio, do livro "Entre margens" que hoje vou apresentar, às 18h, no Rómulo em Coimbra:
SINAL DISTORCIDO
O meu silêncio é prenhe de memórias
em permanente interferência e difração.
Bem tento eliminar todo o ruído
mas o sinal persiste distorcido
por entre a realidade e a ficção.
A BARREIRA DO SILÊNCIO
Tal como as ondas do mar
ao embater nos rochedos da praia
se refletem, se refratam,
interferem, se difratam
e se agigantam revoltas,
também as minhas memórias,
quando embatem na barreira do silêncio
se espargem e multiplicam, soltas.
O SILÊNCIO DAS PEDRAS
Gosto do silêncio das pedras
Mudas, falam através de testemunhos
de estratos e fissuras, de formas e de cor,
que permitem chegar ao seu passado
de muitos milhões de anos -
aos ventos que as fustigaram,
às águas que as arrastaram,
às elevadas pressões e temperaturas
que suportaram na epopeia da sua formação.
Gosto do silêncio das pedras que, mudas,
conservam na memória
os seres vivos com quem coabitaram
dos ínfimos, aos poderosos, passando pelos humanos
que ao longo de toda a história
tantas vezes as moldaram com lágrimas e com suor.
Gosto do silêncio das pedras
tantas vezes pisadas no chão,
pedras que não choram,
ao contrário dos meus olhos que nelas se demora,.
O coração, mudo como as pedras,
não encontro outra forma de falar.
Regina Gouveia
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7 comentários:
Em tempos não chegou a ser proibido publicar poesia neste blogue?
"Gosto do silêncio das pedras", muito bonito. A Regina sabe que elas choram sem lágrimas e as fissuras são-lhes boca aberta de gritos. E sabê-lo poeticamente é senti-las no vagar dos séculos. Calmamente.
Parabéns a Regina
*
Conversar com pedras
Gosto de com as pedras me entreter,
ouvindo os seus murmúrios, confidências,
nas minhas horas vagas de lazer
em que me entrego às minhas preferências.
Contam-me histórias de remotas eras
de quando a terra ainda era criança
e tudo parecia então deveras
uma autêntica aurora de esperança.
Pisaram-nas depois os animais
e o ser humano usou-as muitas vezes
como balas em máquinas brutais.
Trocamos impressões de parte a parte
e sempre usando locuções corteses
o tempo se nos vai… sem que farte!
João de Castro Nunes
Que mal te faz... a poesia, pá? JCN
*
Ouvir chorar a pedra
Ouvir chorar a pedra é como ouvir
cantar estrelas pela noite além:
apenas o Poeta e mais ninguém
possui a faculdade de as sentir.
Só ele escuta o choro do granito
baixinho no deserto a desfazer-se
em grãos de areia até desvanecer-se
e regressar em alma… ao infinito.
Desde o mais trivial ao mais egrégio,
Deus ao Poeta deu o privilégio
de ouvir o pó da terra a conversar.
Tenho por isso às vezes, meu amor,
a doce sensação de te escutar
no sítio em que repousas no Senhor!
João de Castro Nunes
Corrijo o último verso do penúltimo soneto para:
o tempo se nos vai... sem que me farte!
JCN
Eu gosto de me expressar
em forma de poesia
porque permite voar
largas dando à fantasia!
JCN
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