quinta-feira, 6 de junho de 2013

HOMENAGEM A SAGAN NOS SEUS 60 ANOS


Texto "Carl Sagan aos 60" de FRANK H. RHODES, Presidente emérito da Universidade de Cornell, proferido no banquete de homenagem a Sagan em 1994, que acaba de ser reeditado pela Gradiva, no volume "Homenagem a Carl Sagan":

"Carl e Annie, membros da família, que homenageamos e de que nos orgulhamos de ver aqui esta noite, amigos: quero apresentar a Carl os cumprimentos de todos os membros da comunidade de Cornell, que tanto devem à sua liderança ao longo de tantos anos. É notável que sejam necessários dois dias e vinte e cinco oradores para cobrir as linhas mestras do trabalho de Carl. Ainda mais relevantes são duas coisas que parecem caracterizar o simpósio e que são evidentes aqui esta noite. Uma é a quantidade impressionante de domínios — astronomia, educação científica, interesse público e relação entre ética e ciência — para os quais Carl contribuiu e que envolveram tão grande número de pessoas de várias áreas durante dois dias. A segunda é uma qualidade que nem sempre marca os simpósios profissionais: um verdadeiro sentimento de amor. Tem-se notado nesta sala hoje à noite não só respeito e admiração, mas também amor, o que é notável.

Quero desejar feliz aniversário e dizer obrigado a Carl como membro exemplar da comunidade de Cornell. Não terá escapado àqueles que passam os dias no meio académico que a profissão de erudito, a vida académica, o chamamento da docência, foram alvo de cobertura jornalística desfavorável nos últimos anos. Na sexta-feira tive o privilégio de falar à assembleia de membros da faculdade sobre a nossa imagem externa. Conversávamos sobre a profissão académica e a necessidade de afirmar explicitamente quais são as nossas expectativas como corpo docente. Quero saudar Carl Sagan esta noite, realçando que ele é a corporização de tudo o que há de melhor na vida académica e para lhe explicar porque estamos tão orgulhosos de poder chamar-lhe colega aqui, em Cornell.

Exigimos três coisas de qualquer membro da faculdade: erudição, ensino e serviço. Seja como for que se analise a equação, o desempenho de Carl em todas elas tem sido brilhante. Como cientista, é um homem de envergadura extraordinária, sem dúvida devido, pelo menos em parte, à sua herança da astronomia, da biologia, da física e da química, que se juntam numa convergência maravilhosa. Levou-nos, mesmo os que não são astrónomos, da origem da vida neste belo planeta aos problemas intrincados das estações de Marte e às correntes de poeira que lhes estão associadas, à temperatura da superfície de Vénus e ao efeito de estufa que a produz, à bruma vermelha de Titã e às moléculas orgânicas que existem para além dela. Tudo isso constitui um campo de proporções imensas, mesmo para a envergadura do chamamento astronómico. O trabalho de Carl não impressionou simplesmente os colegas, guiou-os e desafiou-os ao longo de muitos anos e tem sido reconhecido através das muitas distinções que lhe têm sido concedidas por todo o mundo.

Carl Sagan é um mestre investigador e um dirigente profissional no seu campo, que editou a revista científica líder à escala planetária Icarus durante doze anos com grande distinção. É a partir daí, e do entusiasmo subjacente, que o ensinamento de Carl flui. Não posso prestar maior homenagem à eficácia do seu ensino do que os três tributos maravilhosos que ouviram dos estudantes esta noite. É verdade que o tema de Carl é o cosmos e a sua sala de aula é o mundo. 500 milhões de pessoas em 60 países viram a série Cosmos na televisão.

O livro com esse título apareceu durante setenta semanas na lista dos bestsellers de The New York Times. Isto é ensinar, não é só um lampejo popular ou um conjunto de exemplos fáceis. Por detrás do ensinamento de Carl há erudição consistente. Não foi só a visão fácil e a explicação directa que Carl trouxe tão triunfalmente para o público em geral; foi um conhecimento mais profundo e um interesse mais directo para a ciência em si mesma.

John Slaughter, antigo director da National Science Foundation, disse uma vez: «A investigação está para o ensino como o pecado para a confissão. Se não se participar na primeira, não haverá muito para dizer na última.» Não faço comentários sobre o pecado e a confissão, mas a investigação de Carl está por detrás do seu conhecimento. Numa altura em que Washington está obcecada com o valor utilitário da ciência, quando 60% do orçamento da National Science Foundation estão a ser atribuídos à chamada investigação estratégica, o que Carl, o mestre professor, fez foi mostrar como a mais distinta qualidade humana — a necessidade de compreender, controlar e entender — conduz e motiva tudo o que fazemos.

Carl é um mestre-professor: aqui, no campus de Cornell, para os não graduados; ali, na Nigéria, e na verdade, em todo o globo. Mas Carl é mais do que isso. É um exemplo inspirador do cidadão global comprometido — não remoto, não isolado, mas envolvido. Vivemos numa época de reducionismo, poderoso e essencial em ciência, mas devastadoramente desadequado do resto da vida. A verdadeira realização individual na vida da sociedade vem, não do reducionismo, não só da análise, mas também da síntese. Carl é um mestre da síntese e utilizou essa capacidade para nos comprometer, como sociedade, em alguns dos maiores temas do nosso tempo.

Não é uma posição popular para um académico. A opinião corrente é que devemos ser circunspectos e imparciais. É um negócio arriscado e com os seus perigos. A noção do politicamente correcto mostrou-nos o efeito arrepiante que a proselitização pode ter numa sala de aula. Mas o envolvimento de Carl é de um tipo diferente. Abordando as necessidades da sociedade em que vivemos com a consciência de um humanista e a capacidade consumada do cientista, ficamos mais ricos por isso.

Carl, celebramos o teu aniversário porque a idade dos 60 anos, como posso testemunhar, é um tempo de libertação. Adoro a história  do homem que viajava de táxi em Washington e que, ao passar pelo edifício dos arquivos nacionais, vendo a inscrição gravada na pedra, «O passado é o prólogo», perguntou ao taxista o que significava. O taxista disse: «Aquilo é só conversa burocrática. Na realidade, significa que ainda não vimos nada!»

Os 60 são esse tipo de idade. Peço a todos que se juntem a mim nesta noite para fazermos de pé um brinde a Carl Sagan: cientista honrado, professor dedicado, comunicador consumado, guia cósmico, colega respeitado, exemplo para Cornell, amigo de confiança. Carl, nós te saudamos."

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Donde estaria?! God bless américa...

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...